Acordar cedo em pleno sábado de manhã não está na minha lista de coisas favoritas, mas para o meu azar, também não está na da Naomi.

Durante a noite, minha adorável irmã se aproveitou do meu sono profundo e invadiu meu quarto, abandonando um despertador e um bilhete de “Você recebe os fornecedores de casquinha” com vários corações desenhados com caneta de glitter.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

Imagine o misto de surpresa e desespero que foi acordar com a abertura de My Little Pony no volume máximo às seis horas da manhã de um sábado. Esse é o tipo de coisa que não desejo a ninguém.

A lição é: não tenha irmãos mais novos, adote coelhos Ou hamsters. Ou qualquer animal que possa ficar em sua casinha e não tem polegares para aprontar esse tipo de patifaria com você.

Por não estar preparado para me arrumar e correr até a sorveteria sem ter tomado uma xícara de café antes, cheguei atrasado. Porém, o universo quis me dar um prêmio de consolação e fez com que os fornecedores se atrasassem mais do que eu para a entrega.

Depois de organizar tudo que recebemos no estoque do andar de cima, cai no sofá da copa e tirei o cochilo dos justos. Ou pelo menos, era essa a intenção.

— Bom saber que estou te pagando pra ficar dormindo – a voz severa de meu pai me arranca dos desejados braços de Morfeu.

— Toshi, seja mais compreensivo. Ele está cansado – como sempre, a minha mãe interfere em minha defesa.

Abro os olhos e encontro os dois parados na pequena copa com Naomi se escondendo atrás da geladeira.

— Bom dia pra vocês também – não escondo o meu bocejo longo enquanto me sento. Hoje está sendo um dia difícil.

Minha mãe se senta e me abraça com força, fazendo um carinho em meus cabelos.

— Você fez um excelente trabalho arrumando o estoque, meu amor – então seu tom de voz muda e sei que ela está se dirigindo ao meu pai – Não deveriam te julgar por descansar depois de trabalhar tanto sozinho.

Por mais severo que meu pai seja, ele não consegue se impor contra a minha mãe. Dona Amélia é o tipo de mulher forte e decidida que não aguenta desaforo e possui uma teimosia admirável. Sabe o ditado “água mole em pedra dura, tanto bate que fura?”, ele foi criado quando minha mãe decidiu furar uma pedra usando água. É verdade, pode olhar no Google.

— Tudo bem, tudo bem – a expressão no rosto de meu pai é a de um adulto emburrado – Mas que isso não se repita, hein! – e ali está, a mania de ter a última palavra sempre – Se não tivéssemos vindo dar uma carona para a sua irmã, sabe-se lá quando tempo você ficaria dormindo.

Direciono um olhar raivoso para Naomi que sorri daquele jeito desconfortável para mim. Ela me paga.

Meus pais passam um tempo nos ajudando a organizar o salão e depois seguem para seus respectivos empregos. Não demora muito para que os primeiros clientes apareçam e a nossa rotina se inicie. Percebo que é estranho trabalhar só com a minha irmã, a presença de Júlia já se tornou algo normal.

Júlia.

As coisas ela viveu, as besteiras que ouviu, tudo é pesado demais para qualquer pessoa carregar sozinha e mesmo assim ela carrega, sempre com um sorriso no rosto e uma resposta diferente na ponta da língua.

Desde que a conheci, soube que ela era forte. Depois de ontem percebi que ela foi forçada a ser forte.

— Ericzinho – a voz melódica de Thalia chega para me despertar dos devaneios sobre Júlia – Como o meu ninja favorito está?

— Thalia! – sinto uma expressão de felicidade tomar conta do meu rosto enquanto encaro seus olhos castanhos escuros – Eu que pergunto, como você está? Você sumiu, fiquei com saudade sua.

Hoje a minha melhor amiga escolheu expor o seu amor por girassóis para o mundo usando um vestido estampado com a flor, sandálias amarelas e brincos pequenos e delicados que imitam girassóis.

Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no +Fiction e em seu antecessor, o Nyah, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!

— Ah, sabe como é. Férias – ela dá de ombros – Estou fazendo muitas coisas diferentes e aproveitando cada segundo que passo ao lado do meu namorado.

— Namorado? – a palavra deixa um gosto ruim em minha boca. Olho para a entrada e vejo os cabelos loiros de Lucas se aproximando – Ah, aquele namorado.

Thalia me dá um soco no ombro por cima do balcão e aquele olhar de “comporte-se” que só as mães deveriam ser capazes de fazer.

— E aí, cara? – ele cumprimenta – Sorveteria bacana.

— Hãm, obrigado.

Como sempre, Thalia percebe o clima e faz o possível para melhorá-lo usando seu carisma.

— Amor, aqui não é só bacana – ela abre as mãos e passa em frente ao rosto para dar ênfase – É incrível. De longe, a Haru é a melhor sorveteria da cidade e só a minha opinião importa.

— Lembrando que ela não está sendo paga para dizer isso – Naomi, que ouve toda a conversa do caixa, grita em nossa direção, chamando a atenção de alguns dos clientes.

— Realmente não estou sendo paga – ela me olha com cumplicidade – Mas adoraria um agradecimento pelo marketing gratuito com…

— Sorvete de chocolate amargo, cereais coloridos com baunilha e chocolate com caramelo – completamos juntos.

— Já faço pra você, só um momento – viro de costas e pego o potinho para o sorvete.

— E para mim pode ser só o bom e velho chocolate mesmo – Lucas diz chamando a minha atenção, olho pra ele por cima do ombro – Com cobertura daquela que fica dura, sabe? – completa.

Antes que eu tenha a oportunidade de responder, Naomi intervém.

— Claro, vem aqui no caixa retirar a sua comanda – ela sorri do jeito falso e assustador que reserva para quando está com raiva – Senhor Cliente.

A postura de Lucas fica imediatamente tensa e ele olha bem feio para a minha irmã.

— Se a minha namorada não paga, por que eu tenho que pagar?

— A resposta está na sua pergunta – minha irmã revira os olhos – A sua namorada não paga. Você é a Thalia? Não. É um clone dela? Também não – ela estala a língua – Então para consumir, precisa pagar.

Vejo enquanto uma veia salta na testa de Lucas com a resposta da minha irmã. Fecho as mãos e me preparo para o pior. Mas, as minhas expectativas são frustradas.

Uma parte de Lucas deve perceber que falar grosso não intimidaria a minha irmã. Ou, talvez com sua visão de Raio-X, ele tenha visto que a mão dela está a poucos centímetros do taco de beisebol que guardamos atrás do caixa para momentos como esse.

A postura dele muda e um sorriso preguiçoso surge em sua face. Quando ele fala, não há qualquer vestígio da pessoa que vi nos últimos segundos.

— Claro, baixinha – a palavra tem efeito e Naomi o olha com raiva – Pode ficar com o troco.

Fico grato por Naomi não expressar em voz alta seu pensamento de em onde ele poderia enfiar o troco, seria péssimo ter problemas com o namorado da minha melhor amiga. Preparo primeiro o sorvete dele e assim que entrego, Thalia diz:

— Querido, você pode esperar lá fora um pouquinho?

E assim como qualquer pessoa, ele se rende completamente ao olhar meigo dela e sai da sorveteria para esperá-la na rua.

— Nossa, ele é bem… Intenso – comento.

— “Intenso” chega a ser eufemismo – Naomi resmunga.

Thalia se vira e dá de ombros.

— Ele só está irritado porque o pai quer que entre para o recrutamento – ela revira os olhos – Sabe toda aquele papo de “defender o seu país é a maior honra da sua vida” e “a disciplina do exército vai te preparar para o mundo” e blá blá.

— Ah, me momentos assim sou grato pelo meu pai só esperar um filho que administre suas sorveterias, seja responsável e pague um bom asilo.

Ela sorri e meu coração bate mais rápido.

— Ele tem muita sorte então, porque a única coisa que falta da lista é pagar um bom asilo – minhas bochechas esquentam com esse comentário – Agora, se me dá licença, preciso ir para o meu date de hoje.

Thalia sai com um grande sorriso no rosto, um pote de sorvete na mão e meu coração (só que ela não sabe que está levando esse último).

Estou me arrumando para sair quando Júlia chega roubando a atenção de todos no salão com sua camisa preta do Green Day que deixa bem visível as tatuagens de flores em seus braços, shorts jeans rasgados e tênis cano alto vermelho.

— Oi Naomi – ela cumprimenta minha irmã no caixa e depois olha para mim – Ei mocinho, para onde o senhor pensa que vai? Está fugindo do trabalho?

— Obrigada, Júlia. É muito bom ver que outra pessoa percebeu que o senhorzinho está fugindo das responsabilidades – minha irmã mostra a língua para mim e recebe um revirar de olhos como resposta.

— Oi Júlia, você está estonteante hoje – em resposta, ela move as mãos em frente ao rosto como se estivesse se abanando – E se alguém não tivesse me feito acordar muito cedo hoje, provavelmente eu não teria que ir embora mais cedo.

— Ah, muito bem – Naomi reclame – Culpe a vítima que trabalhará num belo sábado de sol!

Júlia ri da brincadeira e se aproxima de mim.

— Sentirei falta do meu colega de trabalho hoje.

— Me ilude que nem sente – ela faz uma expressão de quem está ofendida – Sei que você só está dizendo isso porque sabe que a Naomi não vai sair daquele caixa tão cedo.

— Droga, você descobriu os meus planos – ela fala mais baixo – Não tem nada de errado em sentir falta do meu Co-piloto da Casquinha.

O apelido é estranho e novo, mas gosto de como soa.

— Desculpe, Capitã Sorvete – ela percebe o que tentei fazer – Mas preciso dormir, estou nessa nave há muitas horas.

Júlia olha para trás e garante que Naomi está ocupada demais escolhendo a música para tocar no ambiente do que nos ouvindo.

— Se depois de dormir tanto você acordar com muita energia – ela morde o lábio como se estivesse nervosa – O que acha de sair comigo amanhã?