Nas ruas nubladas de Londres, pude ter uma visão da mais pura e extasiante beleza: como um demônio apreciando um sacrifício, o vi perto de uma mulher cuja face permanecia incógnita pela máscara da infâmia. Seus cabelos acinzentados esvoaçavam sobre seus ombros e seus olhos certamente continham um brilho de maldade, formando um quadro perfeito, complementado pelo corpo inerte e ensanguentado de uma jovem que provavelmente foi bela em sua curta vida.

Meu coração disparou e eu desejei com todas as minhas forças estar no lugar da mulher em seus braços e poder sentir o calor daquele homem, junto ao cheiro das rosas vermelhas que ele trazia e do sangue derramado. Desejei, mas sabia que não seria atendida e tive de me conformar em observar a cena de longe, tomando o cuidado para não ser vista. Decidi tentar me esquecer do que vi, mesmo sabendo que essas lembranças me perseguiriam a qualquer instante.

Vários dias se passaram e eu ainda me lembrava de cada detalhe e desejava vê-lo mais uma vez. Com um pouco de sorte, pude ver o guardião de meus sonhos em uma entediante festa da nobreza e finalmente senti o calor de seus braços e o cinismo em seus olhos de ametista, que pareciam examinar-me a fundo, desvendando meus segredos e desejos mais profundos. A medida em que eu era conduzida ao som da valsa, o mundo ficava mais distante e um estado de sonolência se apossou de mim enquanto eu estava em seus braços. Acordei momentos depois, sem poder ouvir os sons característicos da festa e tendo-o como minha única companhia,o que me fazia ter medo ao mesmo tempo em que eu me esforçava em vão para dizer ou fazer algo. A ele coube esboçar os primeiros movimentos me examinando, pois ele era médico (e com certeza o causador da doença que eu trazia em meu coração) .Seu silêncio me deixava cada vez mais nervosa, principalmente porque eu não sabia qual era seu nome ou quem era a desconhecida que ele abraçava de forma dissimulada. Após esses instantes de tortura, pude ouvir sua voz em um sussuro me dizendo:

-Não pense que não a vi naquele dia. Nada vai acontecer a você se fizer a si mesma o favor de esquecer o que viu. -Meu sangue parecia gelar nas veias ao ouvir aquela ameaça em um tom de confidência e ainda estava muito confusa quando tive de voltar à realidade com outro pedido dele:

-Melhor fingir que ainda está dormindo e não se mova até eu dizer que é seguro fazê-lo. -Imediatamente o obedeci, não porque estava com medo, mas era porque eu desejava levar esta história até o fim. Quando me deitei para começar a encenação, senti sua respiração perto de meu rosto e sem qualquer aviso senti os efeito provocados pelo beijo dele. Era algo intenso, como um grande incêndio que consome tudo o que está à sua frente, trazendo-me mais dúvidas e a promessa de respostas.

Nosso pequeno teatro começou quando o pai daquele adorável estranho entrou no quarto. Era um homem cujos sentimentos pareciam ser distorcidos de tal maneira que ferisse quem estivesse por perto, mas devo agradecer a ele por saber o nome de quem mudou minha tediosa vida repentinamente. Não me movi enquanto ouvi ele dizendo:

-Eu soube de tudo o que aconteceu nos últimos dias, Jezebel. Cain esteve mesmo lá quando seu experimento estava no fim?

-Sim, pai. Ele e aquele irritante Riffael haviam investigado sobre a Violet e aquela garotinha chamada Maryweather me viu arrancando os olhos de uma das garotas.

-Está ficando descuidado e não admitirei novas falhas. Eu já mandei que se livrassem do corpo da Violet. -Ele estava se afastando quando parou e perguntou:

-E quanto a essa garota que está dormindo? -Senti que os dois olhavam para mim e isso me incomodava muito, mas a resposta de Jezebel me deixou um pouco mais calma:

-Eu estava cumprindo com minhas obrigações sociais quando ela desmaiou e após eu a ter examinado, ela dormiu.

-Caso ela saiba de alguma coisa do que foi dito aqui, você sabe deve fazer. -Quando o ouvi dizer isso, senti que seria mais difícil fingir que nunca soube de nada e só recuperei a tranquilidade habitual ao ouvir o som da porta fechando e a voz de Jezebel dizendo:

-Pode parar de fingir.É melhor partir logo. -Me levantei e preocupada, perguntei:

-Devo me esquecer do que ouvi, certo? -Senti a proximidade dele me atraindo cada vez mais ao ouvi-lo:

-Será bem melhor para você se conseguir esquecer do que viu e ouviu, principalmente se conseguir me apagar de sua memória. -Dei minha palavra de que faria o que ele me disse e quando fiz menção de sair do local, fui impedida por um segundo beijo, tão inesperado quanto fora o primeiro, embora mais intenso.Me permiti retribui-lo com algo que parecia ser desespero, e de fato era. Compreendi que nunca me esqueceria de tudo o que ele me fez sentir e desejar, me deixaria guiar por meus impulsos.Só me pergunto qual o motivo dele não me manter perto, mesmo eu achando que ele sentia o mesmo por mim. Deixei o lugar pensando no primeiro ato desta complexa história coberta pela névoa de Londres.