Quem conhecia esse grupo sempre tão animado estranharia o pesado silêncio entre os membros. Nunca tinha nos visto daquela forma desde a morte de Coulson. Estávamos completamente perdidos após uma longa e densa missão.

Não tínhamos o Capitão para nos guiar.

De todo modo, ele não poderia ter ido e nem descoberto nada daquela operação. Rogers foi isolado de qualquer informação, por motivos óbvios.

Soldado Invernal.

Descobrimos que o antigo companheiro do Capitão estaria assassinando membros da Hydra – e por mim, poderia continuar fazendo o quanto bem entender. Mas ele se tornou de fato um problema quando passou de assassino de membros de uma organização de maníacos para um terrorista em série. Matando inocentes e fazendo ataques contra figuras públicas do Oriente a mando de radicais de uma secreta unidade da antiga KGB. Estava gritando para o mundo caça-lo. E, para piorar, estava possivelmente ligada a estranha radiação, que tinha aparecido em alguns ataques terroristas.

Os Vingadores decidiram esconder temporariamente essa informação do Capitão, já prevendo como ele reagiria a algo assim. E eu já prevejo como ele vai reagir quando descobrir que a equipe escondeu isso dele. É aquele famoso tipo de escolha que se faz por uma boa causa, e no fim, tudo vai dar errado. Apesar de nosso respeito pelo Capitão nós sabíamos que ele tomaria decisões mais sentimentais do que frias em uma situação como essa.

Ele estaria muito desestabilizado frente ao amigo, e suas decisões erradas prejudicariam a si mesmo. Ainda é recente em minha memória como suas expressões mudaram ao reencontrar Barnes em Washington, e como ele ficou após a luta no porta aviões.

“Esses seus hematomas... Steve, você deixou que ele batesse em você. E não adiante negar, eu estava lá quando tiveram a primeira luta, sei que ele não era tão mais forte do que você para ter feito isso. Olha seu rosto, é como se tivesse sido acertado várias vezes. ”

“Nat, fica calma, está tudo bem. Eu só não consegui reagir devido aos tiros. ”

“Poderia ter fugido, pedido apoio... você... Não consegue enfrentar ele, não é? ”

“...Ele é meu amigo, Nat... socar ele com os punhos não adiantaria em nada, ele não recuperaria a memória, eu só estaria o machucando. Precisava fazer com que ele se lembrasse de mim, e eu sei que ele lembra, lá no fundo... eu sei, é só questão de tempo. Ele vai lembrar.”

“Steve.”

“Preciso traze-lo de volta. Ele precisa de mim... precisa de um amigo. ”

“Idiota...”

“Nat, volta aqui. Aonde vai? Natasha. ”

Steve quase morria naquele dia, e dias depois eu entrego para ele uma pasta que o ajudaria a acabar de se matar. Por que fiz aquilo? Porque eu acreditei nele, confiei que poderia ajudar seu amigo como tinha me falado... e que no fim, ele voltaria inteiro.

Talvez tenha sido sorte ele não ter o encontrado, e visto o que nós vimos.

Droga. Por que me importo?!

Todos ainda tentam se convencer de que essa foi a melhor escolha. Mas está difícil.

Não tínhamos em mente matar o Soldado Invernal ou leva-lo a Júri, justamente por respeito ao Capitão, e porque esse não é nosso estilo. Não somos a S.H.I.E.L.D. Queríamos captura-lo, descobrir o que está acontecendo e traze-lo conosco, para ajudá-lo. Seria uma espécie de boa ação ao Capitão. Ele precisava. A morte de Peggy afetou muito ele. Evidentemente ele sofreu, e ainda sofre, apesar de estar distante eu consigo notar como seus olhos andam mais vazios.

Faz certo tempo que não o vejo por aqui, e isso se deve a sugestão de férias que o Stark deu. Steve só aceitou por insistência do Sam, e todo esse circo só está sobrevivendo porque sempre que ele vem para à torre, Tony o manda voltar. – expulsa – Ele acredita que mantê-lo longe desse assunto é o melhor.

Por outro lado.

É bem evidente a preocupação com Steve por parte de Tony.

Apesar de nossa relação não ser mais a mesma eu não quero seu mal. Estive lá quando Bucky retornou, sei o quanto é importante para ele e nunca faria nada para contrariar isso – somente se não houvesse outra alternativa. Mesmo que ele não tivesse controle de suas ações por terem mexido em sua mente ele ainda é um homem muito perigoso, e que deve ser parado – se necessário.

Pena que nada acontece como se planeja. Após um longo mês bolando tudo, investigando e nos preparando, chegamos ao abismo. E somente ao abismo.

Sentada no sofá, da imensa sala principal da torre dos Vingadores, eu consigo visualizar individualmente cada um dos meus companheiros. Todos reunidos, com exceção de Steve e Thor. Estavam cabisbaixos, trocando suspiros e pequenas palavras. Já faz alguns minutos que chegamos da missão, mas ainda estamos sem saber como iremos falar sobre o que encontramos ao Capitão.

Pobre Steve.

Stark mexe em seu celular, andando de um lado a outro, calado. Era sem dúvidas quem mais se sentia culpado. Clint estava ao meu lado, sentado no braço do sofá enquanto fita um ponto aleatório daquele cômodo, e assim como eu, ainda estava vestido com seu traje. A missão tinha sido reservada somente a nós três, deixando Bruce de fora. Tínhamos localizado um possível esconderijo do Soldado Invernal, no norte da Oceania, estávamos preparados para uma missão de reconhecimento e interceptação. Queríamos ter certeza de seu estado mental, o interrogaríamos minuciosamente para só então traze-lo conosco. Mas tudo acabou sendo mais longo do que esperávamos. Acabou sendo pior.

E aqui estamos.

— Ele precisa saber. — Banner quebra o silêncio com sua típica calmaria, dessa vez misturada com receio após ter ouvido o que aconteceu lá.

Todos se entreolham nesse momento.

— Não, não. — Tony rebate, caminhando em passos rápidos até o centro da sala. Tentava sinalizar com seus braços para que todos se acalmassem. — Ainda não. Precisamos avaliar tudo.

— Acho que já fizemos isso por tempo demais. — dessa vez era Barton que rebatia, saindo de seu conforto para ir de encontro ao Stark. — Ele já vai ficar com muita raiva por termos escondido essa missão dele, imagine quando ele souber disso. Já escondemos coisas demais do Capitão.

— E o que sugere: “Oie, Steve. Então, achamos seu amigo desmiolado e fomos procura-lo sem você.” — apesar de seu tom ser cômico era notável seu estresse devido aquela situação.

Clint pôs suas mãos na cintura, balanço negativamente sua cabeça como um adulto, que reprendia seu filho.

— Bem melhor! Mas sabe o que seria melhor, Stark? Não ter escondido isso dele desde o início. — Tony já estava dando as costas ao Barton quando ele escuta suas palavras finais, e deixa todo estresse explodir.

— Viu como ele estava, acha mesmo que ele tinha alguma condição para ir nessa missão? De saber que seu amigo agora é um super assassino e que... — as palavras fugiam de sua boca como se estivesse prestes a falar um tabu.

O moreno respirou fundo, voltando a dar as costas para o arqueiro e caminhar em direção ao seu bar. Sua culpa era tremenda. Encheu um pequeno copo de Uísque e o tomou seco, terminando em um único gole, se preparava para tomar outro.

— Ótima opção, vamos encher a cara e esquecer de tudo. Assim resolvemos todos nossos problemas. — Clint retrucou com sarcasmo, sentando-se ao lado do Doutor. Ele massageia suas pálpebras, tentando em vão livrar-se daquele sentimento um tanto incomodo. O doce peso de consciência.

Estava abalado pela missão. Todos estávamos.

Podia ser algo completamente distinto, mas foi inevitável não lembrar da noite que fiquei bêbada e acordei na cama do Steve. No dia que brigamos. Aquele dia, ainda martelava em minha mente, mesmo eu reprimindo todas as vezes.

— Olha, precisamos nos acalmar. Todos nós. — a sonora voz de Bruce me desperta daquele devaneio. — Tony, você precisa falar pra ele, é um direito dele.

— O que acha que ele faria se soubesse? Teria ido e se arriscado, iria por todo o time em risco. Você mesmo viu como ele estava alheio a tudo. — o bilionário se aproximava com mais um copo de bebida, disposto a justificar seu ponto.

E no momento, penso sobre minha culpa, fui quem mais concordou em deixa-lo de fora dessa operação. Eu tinha traído a confiança dele. Mas foi ele quem traiu a minha, primeiro. Ele e suas falsas palavras, seu aspecto misterioso e sua persona de bom moço duvidosa.

— Natasha?! — agora era a irritante voz do Stark que me arranca daqueles pensamentos. E por alguns instantes, sou grata.

Eu o olho, um tanto confusa, mas não demoro para me recompor, soltando um pesado e cansado suspiro, pergunto:

— O que foi? — afasto minhas costas do acolchoado sofá, apoiando agora meus braços sobre minhas pernas enquanto o encaro.

— Não concorda comigo? Você mesmo disse como ele fica mais fragilizado perto desse Bucky. — sentou ao meu lado, sem a menor cerimônia. — Olha pessoal, não poderíamos correr o risco desse cara está sendo controlado, ou até mesmo ter uma missão secundaria em sua cabeça. Acham mesmo que deveríamos excluir o risco dele se aproximar do Steve para depois trai-lo. Mesmo que ele não quisesse isso. Natasha sabe muito bem como a KGB pode manipular a mente das pessoas, não é mesmo?

Os olhos dele em mim foram o suficiente para me irritar. Confirmei suas palavras e me levantei para o bar, aproveitando do Uísque aberto para encher um copo. Aquele assunto mexia comigo, não gosto de ser jogada sobre ele, acabo indo a lugares sombrios demais. Bem no fundo de minha mente.

Ele tinha razão. De fato, a KGB era capaz daquilo. Eles podem manipular sua mente, amassa-la e destruí-la ao bel-prazer deles.

Foi assim comigo. Desde criança sendo treinada assim, treinando meu psicológico de várias maneiras distintas para que não fosse ao menos capaz de sentir o esvaziar de uma vida, seja inimigo ou aliado. Treinada para ser uma assassina fria, para lutar por eles e por mim mesma. Sem laços.

“Pelo que você luta?”

A voz dele... Droga, Rogers.

Será que isso é remorso por ter sido tão dura com ele? Não. Não mesmo.

Apoiei meus braços no balcão do bar e me concentrei em somente tomar minha bebida. Precisava esquecer a missão de hoje, a KGB, Steve. Precisava limpar minha mente. E encarando aquele copo de Uísque cheio eu me recordava de pequenos flashes, de momentos escondidos em meu subconsciente que se aproximam lentamente.

E lentamente eu sinto o cheiro úmido se instalando no ambiente, escuto o vago barulho das gotas de chuva no lado de fora, as vozes das pessoas ao meu redor. Acompanhavam o som instrumental que tocava, era Jazz, uma melodia tão calma que me sinto relaxar.

Frio. Sinto isso em cada centímetro de meu corpo, e minhas roupas molhadas somente intensificavam essa sensação. Era acostumada aquele ambiente, até gostava de sentir esse frio, no entanto, me sentia ainda melhor pelo pequeno calor que vinha de minhas costas, até cobrir meus braços. Um casaco de couro que me protegia.

O casaco de Steve.

Ele está na minha frente. Estamos sentados dentro da área do clube, próximos a uma janela retangular, toda de vidro. Ela nos permitia uma visão do extenso gramado verde, sendo banhado pela chuva. Estávamos ali momentos atrás. Dançando. Foi onde nos beijamos.

O garçom nos servia com duas grandes canecas de cerveja, e antes que pudesse sair ele recolhia as duas canecas vazias que já estavam na mesa. Steve agradeceu. Eu sorri. Seus modos eram tão educados, mas tinham algo mais, talvez um toque dos anos 40.

Talvez estivesse fazendo charminho.

É inevitável não se perguntar o que passa na cabeça do menino de ouro. Ele era tão forte e aparentava tão despreparado. Nervoso e confiante.

Será que estava assim por estar com uma garota? Não, ele já deve ter passado dessa fase. Está velho, não morto. O que é, Rogers?

Me questiono mentalmente, várias e várias vezes.

Aproximei minha mão para pegar a caneca, ela estava fria, nossos dedos se tocam. Não recuamos, continuamos assim por alguns segundos, trocando sorrisos desafiadores para o outro. Ele afasta, deixando que eu fique com a caneca.

Cavalheiro.

Agradeci com um breve aceno, tomando em seguida um longo gole. Seco meus lábios com as pontas de meus dedos, os passando suavemente, quase como se os desenhasse. Eu noto seus olhos em mim, isso o deixa sem jeito, e eu percebo, seu sorriso sem graça e a desculpa em tomar sua cerveja entregam isso. Não tive intenção em provoca-lo, por mais que eu gostasse.

Aproveitei dos segundos que ele se encontrava distraído para olha-lo. E assim como eu ele estava relaxado, seus cabelos levemente encharcados, sua blusa branca grudada no corpo devido ao acumulo de água. Tudo culpa de nossa dança.

— Não sei se foi sua melhor escolha dançar na chuva, Capitão. — digo com suavidade, desviando meus olhos para seu torso por breves segundos.

Minha ação não passava despercebida para Steve. Ele rir. Um riso calmo e breve, parecia um tanto pensativo, apesar dos olhos azuis estarem tão certos de si e do que diria. Ele me encara.

— Não foi. A melhor foi a que fiz depois. —tendia a concordar. Aquilo era tão estranho para mim. Não por estarmos flertando, mas porque ele tinha certeza em suas palavras. Estava sendo sério.

Ele é tão confuso.

Divaguei meu olhar pelo ambiente, dessa vez tinha sido eu a beber como desculpa. Mas não fugi, o encarei sem abalo. Sorrindo.

— Steve... Eu...

E com a mesma rapidez que me perdi nessa lembrança eu a deixo, estou de volta ao bar do Stark, encarando um copo de Uísque pela metade. Não sei quanto tempo perdi naquilo. Talvez tenham sido segundos, ou até mesmo horas.

Ganho minha resposta quando escuto os rapazes atrás de mim, eles ainda conversavam. E por mais que eu quisesse resolver aquilo eu não tinha cabeça. Queria ir para meu quarto, tomar um banho quente e tentar dormir. Mas a conversa ainda me prendia. Ao menos eles aparentavam estar bem mais calmos.

— Stark, lembre-se do que disse naquela reunião, dá história. Steve é fiel aos seus companheiros. — aquele trecho da fala de Bruce era o que mais tinha minha atenção. — E até mesmo você tem que concordar que Steve nunca nos trairia por nada, nem mesmo pelo governo, ou pelo seu amigo, se esse estiver errado. Ele tem um ideal, e é tão firme a isso quanto qualquer um de nós aqui. Ele só quer nossa confiança, pois todos já temos a dele.

“Se estivéssemos em posições diferentes, e eu quero que seja sincero: Confiaria em mim para salvar sua vida?”

— Eu confio nele, assim como ele confiou em mim para usar o outro cara em nossas batalhas... Acredito que todos vocês confiam em mim, e eu, confio em vocês. É isso que nos faz ser uma equipe. Não devíamos ter escondido nada dele. — o Doutor suspirou após o longo discurso. — Se ele se desestabilizasse nessa missão, nós iriamos ergue-lo.

“Confiaria agora.”

— Banner tem razão, Tony. — Clint falava com a voz embargada em culpa. Bruce tinha conseguido tocar o arqueiro, o fazendo repensar suas escolhas.

— Tudo bem. Falaremos amanhã com ele. — Stark estava decidido, mas não disfarçava o receio de suas palavras.

Mesmo com os problemas pessoais eu tinha me sentido mal por aquilo. Se não tivéssemos brigado talvez as coisas poderiam ter seguido outro rumo. Mas não, tive que ser a antiga Natasha, conclusiva e fria em meus achismos.

Estou cansada de me equilibrar nessa corda bamba, temendo todos os segundos desviar do meu caminho e voltar a ser o que era. As vezes penso que seria o melhor. Não se pode mudar o que você é.

(...)

Os risos eram arrancados de todos da mesa. Estávamos em um clube de Blues, um que frequentávamos quase todos os dias desde que tirei minhas “férias”. Fazia quase um mês que deixei de agir como Capitão América. E tenho me sentindo bem com isso, Sam me apresentou alguns lugares que eu nunca tinha visitado em minha cidade, conheci pessoas novas. Não tinha do que reclamar. Mas sentia falta do meu mundo, era estranho estar aqui, ficar longe daquele uniforme e de meus mais novos companheiros. Eu me sentia bem ao lado deles, fazendo o que faço de melhor.

Mas nem tudo estava perfeito. Bucky estava sozinho lá fora, precisando de mim enquanto me divirto. Não deveria ser tão errado, mas não posso esquecer do meu amigo, é tudo que tenho do meu antigo eu, do meu passado. E eu sou tudo que ele tem.

Falo com Stark todos os dias, as vezes até os visito, ele me garante que está tudo bem, me garante que avisaria caso algo acontecesse. Me sinto impotente. E para piorar, minha relação com a Natasha nunca esteve tão ruim.

Faz tempo que não conversamos. Sinto falta de sua companhia. Apesar do que ela disse eu não quero pôr um fim a nossa amizade, quero tentar resolver as coisas, talvez eu tenha sido rápido demais. Me lembro que uma vez Bucky me aconselhou a presentear uma garota com rosas, ele disse que elas gostavam. A primeira vez que tentei eu tinha 12 anos, e a garota amassou a rosa na minha cabeça.

O fato de Natasha não ter feito isso pode significar algo. Céus, ela é bem complicada. Não tem como a gente dá certo. Mas se vamos ficar na mesma equipe precisamos resolver isso.

Me atentei as pessoas que estavam sentadas comigo, precisava me divertir e distrair minha cabeça. Sam estava contando uma história, todos o olhavam. E como sempre ele me usava de alvo para isso. Afinal, um homem no mundo futurístico e suas atrapalhadas devem ter sua graça. Isa estava sentada ao meu lado, Matt, Sam e Barbara vinha respectivamente após ela.

Não conhecia muito de Barbara, só sabia que ela era outra cantora de Blues e amiga de Isa. Wilson já estava caidinho por ela. Não sou um exímio espião como a Romanoff, mas consigo perceber nas expressões dele que todo aquela animação era exclusivamente pra ela.

Segundo Wilson: “Mulheres gostam de caras engraçados, Capitão. Faça uma mulher ri e não precisara de mais nada.”

Agora, o olhando, fico feliz por não escutar seus conselhos. Pauta do que ele falava.

— Cara, é sério, vocês não sabem como é chato essa mania do Steve. — Sam falava para todos da mesa, virando o centro da atenção. — Sempre que estou tentando passar alguns conselhos, falar sobre como as coisas funcionam hoje em dia ou até mesmo meus dramas, ele faz isso. Eu faço praticamente um monólogo para ele, desabafo, e ele me olha, assente com a cabeça e fala: Eu entendo. — todos riem. — E ele no fim não entende nada, nem liga para o que eu falo.

Era verdade. No início eu realmente não entendia e falava por falar, mas ao notar como ele ficava com aquilo eu resolvi continuar, só para provoca-lo.

Como esperado ele me olhou, todos me olharam. – menos Matt. Eles esperavam ouvir minha defesa. Cruzei os braços e assenti com a cabeça.

— Eu entendo. — disse com a voz tranquila.

Sam somente revira os olhos em resposta.

As risadas a seguir foram mais calmas, se dissipando por alguns comentários. Aquele era um ambiente um tanto estranho, até novo para mim. As últimas vezes que fiquei daquele jeito foi com meu antigo comando selvagem. Risadas, histórias, sorrisos e brincadeiras na mesa. Mas o mais estranho era estar ali como Steven Rogers, e somente ele. Por mais perdido que eu me sentisse eu conseguia encontrar meu conforto. Isa estava me ajudando bastante. Apesar de conhece-la recentemente, Isabella facilmente conseguia me deixar relaxado, culpa de sua incrível simpatia. Foi tudo muito rápido, mas já poderia chama-la de amiga. Ela me escutava, apoiava e sempre me faz rir quando venho sozinho para cá, além de me presentear com um belíssimo show nas noites.

— Acho que deu minha hora. — Matt anunciou, recebendo a atenção da mesa. — Desculpem-me, tenho que acordar cedo amanhã.

O que não era verdade. Mas isso, somente eu e ele sabíamos. Evitei até mesmo de contar para Sam, em preservação à outra vida de Murdock.

— Já, Matt? Você sempre sai tão cedo. — Isabella apoia delicadamente sua mão sobre o braço dele, indicando que ficasse. — Fica, é fim de semana, você trabalha tanto. Precisa de um descanso, moço.

Sem dúvidas ele não resistira ao pedido dela, a dona da voz que tanto o acalmava antes de sair para suas vigílias noturnas como Demolidor.

— Isso, obedece a garota. — dizia Wilson, já aparentando estar alterado pela bebida. — Vamos curtir o último final de semana de férias do Steve.

— Não ficaria três meses? — Isa me questionou, trazendo todos os olhares para mim. Noto que ela ainda mantinha sua mão em Matt, para que esse não fugisse.

— É, é que eu preciso resolver algumas coisas, estou ficando louco dentro de casa. Preciso...

— Cof cof Natasha. Cof cof— Sam me completava da pior maneira possível.

Todos os olhares da mesa me olhavam confusos – graças à inconveniência de Sam. Gelei por alguns segundos, buscando as palavras certas em todo o meu vocabulário. Não sabia bem como definir minha relação com a Natasha, nem como explicar todo o contexto em que ela foi acabar parando.

— Tudo bem, eu ficarei. Vamos comemorar o último fim de semana livre do Steve. — Salvo por Matt. — Mas alguém vai ter que me dar uma carona.

— Eu dou! — Samuel estende e aponta o indicador para cima.

— Está começando a ficar bêbado. — Isa alertou.

— Steve dá! — desceu e apontou para a minha direção.

— Nesse horário o transito é mais tranquilo, posso deixa-lo, sem problemas. — Respondi, me focando em Matt e ignorando Sam.

— Poderiam nos dar uma carona também? — a pergunta de Barbara ganha minha atenção. Noto que ela também já havia passado um pouco da conta com a bebida, estava parcialmente debruçada sobre a mesa, sorrindo com um ar de inocência na intenção de que eu não negasse.

Percebo Isabella ficando sem jeito devido a ousadia da amiga. Barbara era uma garota bem animada e sincera, chegando até a falar demais quando começava. Tinha cabelos loiros e uma fisionomia bem europeia, assim como seu sobrenome.

— Babs, não. Moramos aqui perto, só daríamos trabalho para os rapazes. Não precisa, Steve, sério.

— Isabella, eu insisto. Já iria oferecer a carona para vocês, não deixaria irem embora a essa hora. — falo a última frase como um senhor de 90 anos. O que de certa forma, eu era. E quando noto, já é tarde demais para concertar, ficando mais uma vez como o vovô da turminha.

— Viu, ele é um cavalheiro, deixa os rapazes nos levar. — Barbara alfineta, sorrindo vitoriosa.

— Isso!

Meu deus, Sam de novo.

— Matt, você vai ao lado do Steve, eu vou atrás com as meninas. — Wilson passa o braço em volta dos ombros de Barbara. — Não tem problema algum.

— Cala a boca, Sam, você está bêbado. — digo entre risos.

O ofereço um copo de água para se acalmar e me desculpo com as garotas, mesmo que essas rissem pelo jeito dele. Era interessante como ele ficava tão mais animado. No fundo, eu entendia. Ele tinha passado por uma forte barra após a morte do amigo, depois se focou a auxiliar e escutar histórias de ex militares, me ajudou em Washington e na busca pelo Bucky. É um amigo incrível, e ele merecia tirar aquele fim de semana para se divertir.

E eu deveria estar fazendo o mesmo.

— Olha, estou só brincando, garotas. — Samuel falava mais calmo entre seus pequenos risos. — Só queria ver o que Steve falaria. Não estou bêbado... — o lanço um olhar duvidoso. — Tá, só um pouco.

Balancei negativamente a cabeça, retribuindo o sorriso que ele me lançava.

A conversa foi fluindo naturalmente. Matt falava sobre o motivo que ele não estava bebendo tanto, inventando uma história engraçada de como era complicado para um cego ficar bêbado, mesmo que ele enxergasse melhor do que todos nós daquela mesa.

Estava prestando atenção na história, até que tenho minha atenção tomado pelo pequeno sino atrás de mim – indicando que alguém tinha entrado no estabelecimento. Não costumava olhar, mas o fiz dessa vez, me deparando com uma mulher de madeixas avermelhadas que me rouba o ar por breves segundos. Mas que logo passava.

Achei que fosse ela.

Poderia ser assustador encontra-la ali após nossa relação desandar tanto, mas eu tinha ficado chateado ao notar que não era ela. Apesar do susto, torci para que fosse.

Quando retorno meu olhar para minha mesa eu percebo que Sam me encarava, indicando que tinha notado tudo. Mesmo um pouco alterado ele era bem esperto, tinha sacado que algo tinha rolado entre mim e Nat. Ele tinha acertado em cheio ao me completar àquela hora. Estava realmente sentindo muito falta dela.

(...)

Me recordo que a três anos atrás eu estava treinando na academia da S.H.I.E.L.D, jogando minha força em um saco de pancadas, distribuindo um soco após o outro. Estava com raiva nesse dia, lembro que havia chegado de uma infeliz missão na minha terra natal. Rússia. Fui interceptar e matar secretamente um traficante. Ele era sínico, andava em meio aos ricos e distribuía falsos sorrisos enquanto ganhava à custa de suas drogas e tráfico infantil. Quando achei seu armazém eu me deparei com uma imensa pilha de corpos, desde crianças a idosos. Ele estava fazendo a limpeza geral, matando testemunhas e quem não servia mais para ele.

Tive prazer em mata-lo, confesso. Eu gostei disso. E socar aquele objeto inanimado após um dia assim era o mais recomendado para que eu não jogasse toda aquela fúria em alguém.

Creio que intimido os outros agentes, ou talvez eles somente não vão com minha cara. Mas já notei que trago certo desconforto aos que me conhecem, os que sabe quem de fato é a viúva negra. Isso nem me incomoda mais, prefiro assim. E com essa raiva é melhor que continue assim. A solidão no ambiente já faz parte, tanto que escolho horários mais isolados para que não me incomodem.

Hoje estou sendo observada, por pares de olhos cintilantes e silenciosos, e faz mais de 10 minutos. Ele ainda não se pronunciou. Mas graças aos espelhos em minha frente eu já sabia quem era. Inicialmente optei por ignorar, mas após tanto tempo achei melhor saber o que queria.

Paro com os socos e tiro rápidos segundos para retomar o folego. Bebo minha água gelada, trazendo aliviou a cada gole, um mais longo que o outro. Meu corpo estava tão quente que eu poderia sentir meu suor evaporar através de meus poros. O tecido de minha camiseta grudava contra meu corpo, minhas mechas ruivas, grudam em meu rosto, me obrigando a prende-las em um pequeno coque. Enxuguei meu suor com um pequeno paninho, o pressionando sobre minha testa e pescoço.

Olhei para trás de meus ombros e avisto Steve escorado no vão da porta. Ele me cumprimentou com um pequeno sorriso e veio até mim, parando em minha frente, deixando bem mais visível a diferença de nossas alturas. O loiro coçava sua nuca, parecia incerto.

— Algum problema? — pergunto.

Ele demora a responder.

— Não, não é nada. Eu só estava passando por aqui, te vi ocupada e... não quis incomodar.

— Não incomoda. — dessa vez devolvi o sorriso, junto de um pequeno tapinha em seu braço. — Achei que ainda tivesse com raiva pelo nosso passeio/teste.

— Eu só fiquei chateado. Realmente imaginei que tivesse me convidando, sabe, como uma amiga. — seus olhos desviavam para o lado por breves segundos, ele cruza seus braços frente ao peito e me olha, destacando a figura durona do Capitão América. Suspirou. — Era sua missão, e eu compreendo.

Assentia pelas suas palavras. — Está tudo bem, Rogers, você teve seus motivos. Ninguém gosta de ser enganado.

Recolho minhas coisas e me afasto para a parede mais próxima, sendo acompanhada por ele. Caminhávamos lado a lado. Me surpreendia por ele querer continuar aquilo, imaginei que o Capitão não quisesse passar uma impressão ruim. Eu não me importava muito com isso, e acredito que ele devesse fazer o mesmo.

— Era tudo mentira? Digo, o restaurante, o salão.

Não contive a pequena elevação de minha bochecha direita. Ele tinha muito que aprender.

— Bem, nem tudo, o restaurante era de fato verdade. E alguns agentes estava nos seguido para garantir que nada desse errado. — tenho que erguer meu rosto alguns centímetros para poder olha-lo.

— Espera. O salão era falso? — ele se virava para mim, estava completamente surpreso.

Sento-me no chão, apoio minhas costas contra a parede e ele me acompanha, aguardando que eu terminasse de beber minha agua.

— Bem, mais ou menos. — enxugo os lábios com as costas de minha mão. — Eles realmente atendem as pessoas, cortam cabelos e afins. Mas... é uma base subterrânea da S.H.I.E.L.D. Ela serve como apoio, podendo ser acessada por vários pontos diferentes. Aquele é um deles.

Não pareceu muito surpreso.

— O lugar que adquiri o soro de super-soldado era uma base subterrânea, assim. Eles usavam uma lojinha de conveniência como disfarce. — ele curva seus joelhos para que pudesse apoiar os braços cruzados. — E toda aquela história, falsa? Scarllet, Jeremy...

— Em parte. Alex é realmente doido pelo “Jeremy”.

Deixo um divertido sorriso escapar de meus lábios, e nesse momento posso notar como os olhos azuis de Rogers me encaram. Ele sorria também.

— É raro vê-la sorrir dessa forma, agente Romanoff.

Aquilo não tinha sido nada bom, não gostava de me expor daquela maneira para alguém que pouco conheço. Troco meu sorriso por uma expressão mais fechada, assentindo para suas palavras. Era desconfortante. Não o fato de eu ter sorrido, mas a maneira como ele me olhava.

Após a lembrança se dissipar eu abro meus olhos, de volta aos dias atuais, e dessa vez, sozinha – como de costume. Estou sentada na varanda da torre, local em que um mês atrás eu me encontrava com Steve. Ele andava fazendo mais parte dos meus pensamentos do que eu pretendia.

Aquela lembrança antiga me fez recordar como odeio me sentir exposta daquela maneira, de como confiei e me senti tão bem. “Deus, como ele tinha a capacidade de fazer aquilo?” Mas não era só comigo, todos os Vingadores sentiam isso, todos queriam segui-lo, acreditavam nele.

“Steve é fiel aos seus companheiros.”

Ele é.

É um líder altruísta e durão de quase 100 anos, mas também é um ótimo companheiro e amigo, sempre disposto a ajudar.

“O que você quer que eu seja?”

“Que tal uma amiga?”

Na maioria das vezes é um soldado perfeito. Completamente patriótico e idealista.

Encaro uma foto em branco que tinha em mãos, e quando a viro para a outra face me deparo com a foto do pequeno e magro Rogers. Estava trajado com um uniforme de soldado dos anos 40, suas expressões eram duras e ao mesmo tempo serenas. Era uma estranha combinação de um pequeno homem. Não evitei em sorrir com aquilo.

E sempre, ele é um bom homem.

Caminho em passos curtos até o parapeito da varanda, observando ao longe os milhares e imensos prédios que complementavam toda a Manhattan. A brisa gélida era agradável, mesmo tocando meu corpo seminu.

Apoio meus braços no parapeito, observando a foto que ainda segurava. O sentimento que tinha era arrependimento, havia sido muito dura com ele. Fui afobada. Tomei decisões e certezas precipitadas, agindo como uma completa maluca com alguém que só me tratou bem. Falei coisas horríveis. Não penso que ele seja um cão do governo querendo adquirir informações, ele não é, ele nunca faria isso comigo.

O que deu em mim?

Medo.

Autoproteção.

Quem sabe...

Ele foi sincero em cada gesto, toque e fala. Tivemos algo tão puro, um beijo tão natural, tão inocente de sua parte. Não me importaria em ter ido para cama com ele, mesmo sendo meu companheiro, mas acabou sendo tudo tão diferente. Ganhei sinceridade, e eu... bem, eu me escondi. Me lembro que depois eu bebi, bebi tanto, e só porque não soube lidar com aquilo. Aquelas sensações novas. Únicas.

Eu já tinha percebido nossa forte aproximação desde a queda da S.H.I.E.L.D, e quando dei por mim já estava completamente cativada por Steven Rogers. Sou esperta o suficiente para sacar aonde aquilo iria parar. Desde o jantar, a dança e o beijo que ele me deu.

“Meu erro foi estar me apaixonando por você.”

Entre tantas foi resolver fazer isso logo comigo.

É como Stark falou. Desde pequena fui treinada psicologicamente e fisicamente, ensinada a seguir sérias leis que estão impregnadas em meu subconsciente. Muitas coisas foram postas em minha mente, coisas necessárias que a KGB usa para moldar seu agente “perfeito”.

O agente que uma vez chegou a se apaixonar perdidamente, que viveu feliz e foi amada assim como amou de volta. Mas no fim, aquilo se tornou inconveniente, foi só um passatempo que a KGB quis que seu agente se livrasse. Seu agente por outro lado o fez, destruiu aqueles sentimentos puros por não ser puro o suficiente. Por ser um monstro.

Eu fui um monstro. Eu sou.

Eu realmente queria sentir remorso ao matar uma pessoa, sentir empatia pela perda daquela vida. Queria me permitir me relacionar com alguém, sentir todas aquelas coisas boas. Não queria ser tão fria, ou lutar porque essa é a única coisa que faço de bom. No fim, só tento me redimir por tudo que fiz.

Confesso que melhorei bastante desde que entrei para S.H.I.E.L.D, que conheci Fury e Clint. Tenho orgulho de não ser mais aquela pessoa de anos atrás, mas não podemos mudar completamente quem somos. Você é o que é. E eu sou a Viúva Negra. A droga de uma assassina que não consegue ao menos encarar um homem-bandeira de escudo.

Enchi minha cara e eliminei cada momento bom que passei ao lado dele naquela noite, guardando tudo na caixinha secreta do meu subconsciente, o local que guardo os sentimentalismos que teria pelas minhas vítimas. Apesar de ele não ser minha vítima se tornou alguém inconveniente, alguém que me trouxe coisas boas, sentimentos puros que não tive coragem suficiente para encarar sóbria, com medo de onde aquele mundo desconhecido me levaria. E no amanhecer estava deitada em sua cama, sem me lembrar do que aconteceu, de como cheguei aquele ponto. Nada da noite passada existia, só restava o sentimento sujo, os medos e as dúvidas de alguém que fez tanto mal como o bem para esse país estar sendo investigada por uma pessoa de que tanto gosta, ou somente sendo usado pelo seu rapaz de ouro.

E por que tive tanta raiva? Andei pensando bastante sobre isso, e cheguei à conclusão óbvia, que estava martelando desde aquele dia em minha mente.

O sentimento de ter sido usada machucou demais para que meu orgulho pudesse admitir. Entrei na defensiva e me impedi de me apaixonar pelo pequeno rapaz. Busquei um motivo para odiá-lo e acabei achando um bem ridículo. E agora, nesse momento que ele mais precisa de mim eu não estou ao seu lado. Mas eu me permito fazer o que devia ter feito antes: fechar meus olhos para ver a verdade, ou ao menos, senti-la.

Meu subconsciente, o mesmo que me negou as lembranças daquela noite me revela tudo, me dando um imenso tiro de flashes. Vivencio aquela dança, a chuva, o beijo... tudo. Eu lembro, lembro de tudo. Cada sentimento.

Oh, Steve...

Abro os olhos para encarar o fortíssimo nascer do sol, iluminando os imensos arranha-céus até que chegasse em minhas mãos e banhasse meu rosto com sua luz.

— Eu lembrei.