Um mês atrás.

Não estava muito atento para quantas horas tinham se passado, mas sabia que já fazia bastante tempo desde que deixamos a torre. Quando você se diverte tanto, o tempo se torna o de menos, e você aprende a se focar somente no momento. Sem preocupações. Tinham muitas coisas para serem resolvidas, talvez tirar um tempo para mim – e me permitir se divertir. – não fosse o certo. Bem, eu estava preocupado com o mundo lá fora, com Bucky; entretanto, estava permitindo que Steve Rogers descansasse. E por mais egoísta que possa soar: eu guardei essas horas noturnas de descanso e sorrisos para mim, para ser mais do que somente um soldado, e principalmente, para mostrar a uma amiga que ela é mais do que uma super espiã.

No período que estive com o Sam, saímos várias vezes, e apesar de estar sempre preocupado com meu velho amigo, eu conseguia me divertir. Mas já tive a prova que diversão em excesso não é para mim, ainda mais tendo tarefas para serem cumpridas. Pensei em relevar isso e ajudar Nat, minha companheira de batalha, e amiga. Notei que ela tinha ficado abalada com a última missão, estava bem diferente do padrão. Ela não era de sair muito, nem falar o que sentia de maneira mais abrangente, era bem fechada com seus sentimentos. Sorte que tinha o Clint ao seu lado, mas até mesmo ele duvidava que ela contava tudo.

Desde que voltei para New York não estamos tão próximos como na época da S.H.I.E.L.D, mas querendo quebrar isso eu já estava pensando em chama-la para sair, e já tinha um ótimo pretexto para o convite. Queria ajuda-la, era meu dever como Capitão e amigo, além do mais, tínhamos uma conversa para terminar.

Confesso: Fui pego de surpresa, e algo que antes era para faze-la se animar, acabou me animando. O jantar e a conversa foram muito bons, e foi exatamente naqueles segundos que eu me desvencilhei do mundo para aproveitar o momento. Eu necessitava tanto quanto ela. Não me sentia tão mal em sair e me divertir, parecia até mesmo algo natural. E ironicamente a Russa, sarcástica, fria e distante, foi quem mais me deixou à vontade após tantos anos, mesmo a gente sendo tão diferente um do outro. Eu conseguia me ligar a ela com facilidade, compreendia suas dores.

Estava em um pequeno clube do Brooklyn, sentado frente a um balcão de um barzinho. – ao redor era praticamente um Pub. – Esperava Nat voltar do banheiro, pela quarta vez, ela estava bebendo muito. Tinha pedido para ir devagar, mas com ela não tem argumento. Fiquei surpreso pela sua resistência ao álcool, tinha tomado mais de 10 canecas de cervejas e algumas bebidas mais fortes, ainda assim, estava inteira. Eu não tomei tanto quanto ela, mas para mim nem contava, não ficaria bêbado mesmo.

Após a dança, nós sentamos, bebemos calmamente e conversamos. Apesar do beijo eu tinha conseguido me manter firme, ficando mais confortável, enquanto ela, nem tinha se abalado tanto. Ambos não tocamos no assunto.

Em determinado momento a questionei sobre a missão, e o que tinha acontecido para deixa-la tão desanimada. Soube que tinha encontrado uma antiga companheira da KGB, e isso a fez reviver algumas lembranças. Foi bem direta, mas não parecia ter dito tudo, resolvi deixar para lá e respeitar. Nosso objetivo era aproveitar aquela noite para se divertir.

Quando viemos ao bar foi para realizar uma pequena competição de Vodka, tomamos 5 pequenos copos de uma só vez. Ela queria 10, mas neguei, estava maltratando seu fígado de mais para uma só noite.

Após alguns minutos ela retornava, caminhava naturalmente com seus saltos – apesar de estar um pouco alterada. – Estava muito elegante, mesmo tendo sido bagunçada pela chuva, já estava bem mais seca. Mas suas vestes ainda estavam úmidas. Ela usava minha jaqueta de couro para se proteger do frio, e especialmente, de sua blusa branca, que tinha ficado bem transparente após se molhar.

Apesar de largo, combinou com ela.

Romanoff notou meus olhos pousados nela, o que arrancou um mine sorriso de cada um. Sentou-se ao meu lado.

— Pronto para mais uma, soldado? — virou em minha direção, apoiou seu cotovelo no balcão e lança um olhar desafiador.

Ela sabia que eu iria negar.

— Nat, já bebemos muito por hoje. — alertei, me virando em sua direção. — Sugiro que tenha mais carinho pelo seu fígado.

Olhávamos um para o outro, verde no azul, com a mesma graça nos lábios. O silêncio reinou por alguns segundos.

— Papai vai cuidar dele por mim. — o indicador de sua mão livre toca o cento do meu tórax. A voz dela era macia, nunca desviava seu olhar do meu, e seu olhos pareciam sempre provocativos, como quem estudasse cada reação minha. Ela mordeu seu lábio inferior por breves segundos, uma atitude natural, que foi seguida de uma pequena risada. Ironizava o fato de eu sempre ser o mais velho da galera, sempre tentando manter ordem e impedi-la de se arriscar. Bem, eu continuaria, cuidaria dela, ela gostando ou não, seria o responsável.

— Já está na hora de aprender. — entrei na brincadeira, mas não perdia a seriedade. — Está ficando tarde, e você bêbada. Deu nossa hora.

— Tudo bem, Capitão. — só então recolheu seu indicador. — Mas vamos pedir uma última bebida, uma última bebida antes de irmos embora. — acenou para o Bartender.

— Natasha.

— Steve, relaxa. — dizia autoritária, apesar do sorriso tranquilo que me lançava. — Não estou bêbada, não sou tão fraca assim para o álcool, e uma última bebida não fará tão mal. Apesar de ser russa, não bebo tão frequentemente quanto você pensa... é duas vezes em dez, talvez três. — balancei negativamente minha cabeça.

— Tudo bem. Mas é a última, sem mais. — fazia questão de dar ênfase no final da frase.

— Traga o que tem de mais forte, por favor. — falou ao Bartender.

— “O que tem de mais forte.”? Sério? — meu tom era de reprovação, o que não a afetava em nada.

— Eu pedi só dois. Você quer? — a viúva virá de costas para o balcão, concentrada na vaga movimentação do clube. A maiorias das pessoas tinham ido embora, e as que ficaram se ajeitavam para fazer o mesmo.

Ela me olha, nota minha expressão mais séria e rir brevemente. Admitia que ela tinha uma risada bonita, pena ser algo raro. Não era escandalosa, tão pouco chamativa ou barulhenta, era baixa e tranquila, destacando o belo sorriso que possuía. Talvez fosse a bebida que a desse mais liberdade para não se prender tanto, apesar de que mesmo bêbada, ela não perdia sua postura firme. Talvez isso facilitasse a saída de sorrisos como aquele. Eu gostava de acreditar que não era a bebida, que ela realmente se divertia.

— Dois Everclear. — o Bartender me tira dos meus pensamentos, servindo as bebidas em dois pequenos copos, dariam para no máximo um gole. — Boa sorte.

Nat virou para o bar, pegou seu copo e arrastou o outro em minha direção. Sabia que não tomaria os dois sozinhos. Olhei para a bebida e a peguei, feliz por ser pouca coisa, mas seu cheiro era bem forte. Só seria aquele copo, e finalmente iriamos embora. Apesar de querer alongar aquela noite, estava mais preocupado em garantir que ela não bebesse mais nada.

— Um brinde! — ela estendeu o pequeno copo, encarei inicialmente confuso, mas uni meu copo com o dela. O estalo dos vidros se chocando me fez questionar o motivo do brinde, e quando a espero dizer algo, noto que nem mesmo ela sabia. Seus olhos estavam inicialmente perdidos na bebida, suas expressões um tanto baixas e confusas, até que eu a despertasse, chamando-a baixinho. Ganhei sua atenção por breves segundos, e rapidamente ela deu um longo gole na bebida, a queimação fez com que batesse o copo com força contra o balcão, pressionando fortemente seus olhos. Devia ser realmente pesado.

Tomei de uma vez só, jogando todo aquele liquido para meu interior. Era forte, não o suficiente para me deixar bêbado, mas o gosto e a queimação me incomodaram durantes os primeiros segundos. Sorri, quase não me lembrava daquela sensação.

— Confesso que agora as coisas rodaram. — ela dizia.

— Sinal de que já deu, né? — alfinetei mais uma vez, queria tira-la logo, dali.

— Tudo bem, Rogers. Vamos... já bebi demais. — disse em rendição.

Pousei minha mão em seu ombro, podia sorrir mais aliviado. — Boa garota.

Paguei a conta e a guie para fora. Abraçava seus ombros, a levando junto de mim durante o percurso. Depois da última bebida ela tinha ficado mais cansada, seu corpo estava mais mole e seus olhos bem mais pesados. Aos poucos ela sentia os efeitos da bebida tomarem seu corpo.

Conversamos bastante na madrugada de ontem, imagino que ela dormiu pouco, depois teve treino e uma missão bastante pesada para seu físico e psicológico. Como esperado, ela aguentava bem toda essa carga, mas após tantas bebidas, tinha ficado mais fragilizada. Quando a olho de canto noto que está séria, suas feições são calmas e seu olhar perdido; inevitavelmente me pergunto o que se passa em sua cabeça. Era uma mulher misteriosa, difícil de decifrar.

— Sente alguma coisa? — a preocupação na minha voz era audível, não gostava de vê-la daquela forma. A aperto um pouquinho mais, sem usar muita força, apenas a mantenho mais próximo a mim, garantindo que ficasse mais confortável em nosso caminho até a moto. Mas ela recuou, um tanto lerda, desfez nossa proximidade. Respeitei, queria que se sentisse confortável comigo.

— Enjoada. Um pouco, enjoada. — ela suspirou e abraçou o abdômen. — Minhas pernas estão pesadas... que droga. — seu tom era asco, parecia odiar muito toda aquela situação.

Agora, já não era mais tão divertido.

— Vou te levar para o meu apartamento, tudo bem? É bem mais perto do que ir até Manhattan. — paramos em frente à minha moto. — Você come alguma coisa e depois vai deitar. Amanhã, voltamos juntos. Uma viagem nesse frio e nessa distância não te fariam bem. — falava sério, sem esperar um “não”. A saúde dela estava em primeiro lugar, e qualquer coisa que pudesse piorar seu estado estava fora de cogitação; a prioridade era seu bem-estar.

— Steve... — Senti os olhos verdes, pesados em mim, estava pronta para negar. Mas manteve-se pensativa, noto que revira seus olhos, suspira e assente. Não dizia mais nada.

Achei ela um pouco estranha, principalmente em sua maneira de se portar, seu olhar. Diria que estava atormentada, um tanto perdida e confusa, mas após os acontecimentos recentes e, a bebedeira; optei por ser somente as consequências de um exagero alcoólico.

Natasha me abraçou com força quando subimos na moto, suas mãos em volta do meu abdômen estavam firmes. Acelerei devagar, andando em uma velocidade mais baixa, apesar de saber que nesse horário o trânsito é quase zero, não queria correr o risco de derruba-la. A ruiva até reclamou da minha lerdeza, mas nem dei atenção, continuei o caminho.

Senti ela deitar a cabeça em minhas costas, mais especificamente a lateral de seu rosto. Não poderia deixa-la dormir, e a contragosto, chamava seu nome algumas vezes, puxando assuntos aleatórios sobre a paisagem. Ela não parecia com sono a ponto de apagar, mas tomo minhas precauções: a manteria sempre acordada.

Sua respiração era bem agradável, nas minhas costas, podia sentir seu ar quente tocar minha pele através da camiseta branca. Chegava a ser reconfortante seu contato humano e, constrangedor ao mesmo tempo; seus seios eram um tanto fartos, pressionados contra minhas costas, eu poderia senti-los de maneira mais brusca. Afasto todos os pensamentos da minha mente, tenho que ter foco somente em chegar em casa.

Não demorou muito e já estamos em frente ao meu apartamento, ele era simples, mas muito confortável. Bem próximo a onde morei quando jovem.

Na entrada, eu me ofereço para carrega-la, dando minhas costas para que subisse e eu a levasse, através de 3 lances de escada. Não queria que se esforçasse tanto.

— Sério, Rogers? — seu rosto era de pura descrença para a cena em sua frente. Eu, agachado no chão e oferendo uma espécie de carruagem.

— Vem, eu te levo até lá em cima, sem problemas. Melhor que você não se esforçar. — a encaro sobre os ombros, lançando um sorriso. As expressões da ruiva eram bem complicadas de definir, no geral: confusa e pensativa.

Ela pigarreou em um riso, negando meu convite e seguindo até mim.

— Nem morta. — ela diz, passando direto e subindo as escadas, sem ao menos me esperar.

Fiquei com cara de tacho, tardando a sair da posição. Por alguns segundos realmente achei que funcionaria.

Quando eu a alcancei me mantive dois degraus atrás, garantindo sempre que ela não tombaria, apesar de estar bem firme para tal coisa. Só estava um pouco lerda.

— Não leva a mal, Capitão. — Nat falava sem me olhar, continuando seu caminho. — Mas eu estou bêbada, não com a perna quebrada.

— Só queria ajudar. — disse em defesa. — não acho que devia fazer tanto esforço. Sei que é forte, mas as vezes uma ajuda não faz mal.

— Não é essa a questão. — rebateu.

— Quero mantê-la bem, Nat.

— Por que se importa? — a voz da espiã soava cansada.

— Porque quero cuidar de você. — notei o silêncio da mulher após minhas palavras. Nada ela dizia. — Aliais, eu estou... me preocupo muito com você.

— Não devia... — ela fala em um fio de voz, tão baixo que me faz questionar se era realmente aquilo que dizia. Fiquei pensativo durante o último lance de escadas, e quando chegamos na minha porta, não tínhamos mais o que falar. Por mais que as palavras insistissem em sair, valorizei o silêncio.

Abro minha porta e a deixo entrar na frente, parou no meio da sala, ela estava bem atenta aos detalhes: era um apartamento médio, simples e organizado. Os diversos objetos antigos se mesclavam com o pouco visual da modernidade, do século 21. A vitrola no lugar de um micro system deixava claro o quão vintage eu era. – como diria os jovens. Todos os móveis da casa eram da década de 30/40, os aparelhos eletrônicos, por outro lado, já estavam mais modernizados, apesar de serem simples. – facilitavam muito. No geral, as pessoas se sentiam em um túnel do tempo em meu apartamento. Eu gostava da evolução das coisas, mas me sentia muito mais confortável em um ambiente assim.

— Ainda vivendo no passado? — perguntou após uma rápida olhada de 360 graus pela casa.

— É umas das poucas coisas que me resta. — minha voz soava mais abatida do que o pretendido, e tentando disfarçar, lanço um breve sorriso no final. Sou respondido com um leve balançar de negação com a cabeça. Ela tinha notado. A ruiva quebra a distância que nos separa. Ela vinha até mim com passos curtos, um tanto lerda, mas ainda assim não demora a me alcançar.

Baixei meus olhos para que pudesse olha-la, suas feições estavam mais tranquilas que o normal. Poucos centímetros nos separavam, e ela quebra toda aquela distancia com um sutil toque em meu rosto. Sua destra parecia unida com minha face. Ela mantinha sua mão parada, somente compartilhando calor. Não fiquei nervoso, mas um tanto incerto, acabei me perdendo no verde de seus orbes.

— Se sente perdido em meio a tantas mudanças, soldado. — disse calmamente, com sua perfeita voz contralto, capaz de acelerar meus batimentos. Escuta-la com aquele tom me tirava o chão, por completo. Se eu não a conhecesse poderia dizer que teve empatia por mim.

— É só que... — tardei a recuperar o ritmo, tendo que respirar profundamente para voltar a falar. — Ás vezes acho que estou na década errada. Tenho princípios que já se perderam, e amo coisas que já não se dá mais valor. — tive facilidade para ser mais aberto, principalmente por ela ter me desarmado.

— Sabe que pode falar comigo, Steve... — parecia disposta a me escutar, o que me deixou feliz, ainda mais por todo o desenrolar daquele momento. Tinha ficado mais confortável com sua presença e proximidade, ansioso para escuta-la e feliz por ser entendido.

Mas em um breve estalo penso que tudo aquilo é uma encenação: o toque físico, a voz mais grave e a falsa empatia. Talvez fosse mais uma maneira da Viúva Negra conseguir o que queria. E só em pensar em algo assim, já me sinto mal, não queria duvidar dela. Pouso delicadamente minha mão sobre a pequena mão de Natasha, a afastando do meu rosto, notei seu pequeno espanto pela minha atitude. Ainda estava incerto sobre minhas ações.

— Não faz isso, Nat... — minhas feições eram mais carregadas de chateação do que raiva. — Você não precisa disso.

O silêncio perturbador reinou. Nesse momento, olhávamos um para o outro, notei que ela estava distante, pensativa, me fazendo questionar o que passava em sua mente. Ela baixou o olhar por alguns segundos, desfez as guardas e bufou.

— Desculpe... — a resposta dela me mostrou que eu estava certo, infelizmente. — Deus, estou horrível, nem sei mais o que faço, eu só queria... — me olhava, esperando que eu dissesse algo, mas eu não sabia ao certo o que dizer. — Não sei, Steve, queria te entender, compreender você... é sempre tão, você... — ela riu, parecia nervosa nas palavras, mas não por estar mentindo, por estar perdida. — Desculpe, acho que é da minha natureza ser essa manipuladora de merda.

— Não, não é. — neguei em alto e bom som. Não gostava que ela dissesse coisas do tipo ao seu respeito.

— Só estou bêbada demais... — ela caminhou até o sofá e se sentou, massageando as laterais de sua cabeça. Podia notar sua voz mais vaga, estava envergonhada pelas suas ações.

— Nat, está tudo bem, olha aqui. — me ajoelho em sua frente, buscando sua atenção. — Você só está alterada, acabou fazendo algo sem pensar, as pessoas fazem isso o tempo todo quando estão bêbadas. E você usou seu charme e lábia contra mim, um ato impulsivo e impensado, tanto que eu saquei.

— Então, você caiu no meu charme? — mesmo abatida ela forçava um sorrisinho.

— Para de graça. — retribuo o sorriso. — Olha, só quero que saiba que não precisa fazer isso comigo, eu confio em você, não tenho problema algum em ser sincero.

— Você é sempre sincero. — a voz dela era banhada em nostalgia, assim como o sorriso que carregava nos lábios. Lembrava da vez que escapamos da Hidra, e nos escondemos na casa do Sam. Aquele foi um dos dias mais importantes de nossa relação, quando confiamos um no outro, quando só tínhamos a nos mesmos.

Senti a ruiva retornando ao seu conforto, apesar de ainda se encontrar abatida pela bebedeira, lerda pelo cansaço e perdida, por algum motivo desconhecido. Era como se ela estivesse comigo e ao mesmo tempo não, oscilando entre os dois. Noto que ela tinha uma rápida perda de equilíbrio, sua cabeça balançou de um lado a outro. Parecia estar com vertigem. A segurei pelos braços, preocupado com a repentina mudança dela.

— Banheiro, preciso vomitar. — ela fecha seus olhos, tentando amenizar aquelas sensações. Imediatamente a levei ao banheiro. Liguei a luz e ajoelhei ela de frente para o vaso, afogo minha destra em seus fios curtos e cacheados. Segurar seus cabelos podia até chegar a ser desnecessário, de tão curto, mas garantia que as mechas teimosas não caíssem próximas a sua boca.

Fiquei ao seu lado, aguardando até que acabasse tudo. Era engraçado, ela não encarava aquilo como uma “derrota”, era mais como: “que saco essa situação.”. Achava incrível a posição durona da Viúva Negra, até mesmo em momentos como aquele. Me ajoelhei ao seu lado, segurando seus cabelos com uma mão e massageei suas costas com a outra.

— Está de barriga vazia. — alertei, voltando a assumir a posição de super responsável. — vou arrumar uma coisa leve para você comer. Tudo bem? — notei como ela estava cabisbaixa, limitando-se somente a assentir enquanto fita um ponto qualquer do banheiro. A russa estava odiando aquela situação, se levantou e foi ao espelho, onde lavou o rosto e a boca.

— Inferno... — praguejou ao esfregar o rosto.

Ela se encara no espelho, observava a própria face cansada, não tinha uma reação certa, mas parecia não gostar do que via. Talvez ela precisasse ficar um pouco sozinha.


— Tem uma escova de dentes no gabinete, ainda está fechada, pode usar ela. Irei pra cozinha, procurar algo pra você. — caminho em direção a saída, mas paro no vão da porta e viro-me para olha-la. — Não precisa ficar assim, é algo normal, talvez até a coisa mais normal que fizemos em todos esses anos.

Ela me encarou silenciosa, durante logos segundos, esbanjou um breve sorriso e assentiu. Não sei se consegui faze-la repensar toda situação, mas o sorriso já tinha sido o bastante para me tranquilizar. E com uma última troca de olhares eu me despeço dela.

Fui até minha cozinha, procurava algo leve para que Nat pudesse comer. Não tinha tanta coisa, normalmente comia fora, tinha evitando comprar alimentos para casa. Mantinha somente o básico. Encontrei um pequeno pacote de biscoitos de trigo, eram finos e bem leves, perfeitos para ela. Coloquei os biscoitos em um pequeno pratinho e o pus sobre a mesa. Para acompanhar, uma garrafa térmica, cheia de agua. Ela também precisava se hidratar.

Era uma refeição bem simples, comer algo mais sofisticado ou bruto poderia faze-la mal, tinha que ser algo mais suave. Depois de preparar sua ceia - atrasada - resolvi vasculhar novamente as prateleiras; dessa vez, busco ingredientes suficientes, para um chã.

Estava bem distraído em minha tarefa, até que minha atenção é roubada, era meu vinil, tocando maravilhosamente bem um som de Johnny Cash. Não cheguei a conhece-lo na minha época, mas graças as recomendações de Michael – o dono da antiga academia que eu treinava – eu conheci um dos maiores cantores do mundo. O disco que tocava era Hymns by Johnny Cash (1959), um dos melhores de sua carreia. Nat sabia escolher.

A ruiva adentrava a cozinha, esbanjando um fraco sorriso. Estava bem gasta após vomitar tanto, mas ainda não abandonava sua postura. E nem era tanto por ego, ou orgulho, mas seu jeito de ser, que ficava mais visível pra mim conforme ficamos juntos. Era evidente o quanto ela odiava aquela situação; não sabia se era por ela estar no pôs bebida ou por estar recebendo meu auxilio. Mas de todo modo, ela não perdia o senso de humor, ainda sorria, e noto que bem mais aliviada. Romanoff se desfez de minha jaqueta, sua camiseta branca não estava mais transparente, podia ficar mais à vontade.

— Tem bom gosto. — ela se refere a música, acompanhando sua melodia com o suave balanço de seu corpo.

— O que posso dizer? Clássicos são sempre os melhores. — falei um tanto convencido, sentia orgulho de meus discos. Caminhei até a pequena mesa e sentei, tomando um copo de água, me ponho a observa-la.

— De fato. — me olhou um tanto séria, curva seus lábios em um mine sorriso de canto, mantinendo seus olhos mirados em mim, sempre desafiadores. — As coisas velhas sempre tem um gostinho mais especial. — Natasha tinha essa capacidade, me deixava sem reação com extrema facilidade, e era por saber disso que seus olhos não se desvencilhavam de mim. Sabia que tinha me atingindo. Ela quebrou a distância até a mesa, pegou um dos biscoitos e o comeu em pequenas mordias. Estava concentrada na música, que apesar de não ser especificamente para dançar, ela seguia o ritmo, vagarosamente. Ia de um lado a outro, mexendo-se tão lentamente quanto um praticante de Tai Chi Chuan. Nat se deixava ser levada pela música.

— Você está melhor? — perguntei.

— Sim, bem melhor. — Ela diz, mexendo-se com toda sua elegância. Seus braços estavam relaxados, acompanhavam seu sutil balançar, quase não saindo do repouso. — Um pouco exausta, mas... tô bem. — era inevitável não olha-la, estava admirado e encantado com a graça que ela tinha para cada pequeno movimento, mesmo estando alterada pela bebida.

Nat estava bastante sonolenta, parecia que dormiria a qualquer momento, e eu sentia isso. Por algumas vezes: ela bocejou e coçou o olho, demostrando que já tinha chegado ao limite. E, pela primeira vez naquela noite, me dei ao luxo de encarar o celular e notar que já se passava das 4 da manhã. O tempo é realmente ligeiro.

— Isso me ajuda a relaxar, sabe. — ela comentou, tomando minha atenção. — Consigo clarear minha mente, diminuir o estresse... além de mantê-lo fixado em mim, Rogers. — sua voz saia baixinha, utilizando-se do tom mais provocativo que poderia ter naquele momento.

Ela estava certa, era impossível não olhar, mas não o fazia por maldade. Estava encantado pela sua graça em realizar os movimentos. – e por ela, também. É uma linda mulher.

— O que posso fazer, você dança bem. — andei até a agente, disposto a ignorar qualquer comentário enquanto a trazia para a mesa. Arrastei o prato com biscoitos em sua direção, indicando que comesse tudo e tomasse a água. — Fique sentadinha, Nat, se foque somente em descansar e comer. Ficar se mexendo assim vai te fazer mal. — aconselhei, estava preocupado com sua saúde, apesar de saber que os sintomas eram normais, não gostava de vê-la assim. — Nunca mais irei deixar que beba dessa forma de novo.

— Para fazer isso teria que ficar cada segundo de sua vida grudado comigo, Rogers. E até onde lembro, essa não é sua habilidade. — continuava desafiadora, mas usando um tom mais brincalhão em suas palavras, comeu mais um biscoito.

— Não me subestime, Romanoff, você pode acabar se surpreendendo. — repeti o tom descontraído, trazendo junto a sinceridade de minhas palavras. — Fica aí, vou preparar a banheira para que você tome um banho fresco, que é do que precisa.

— Quando está cobrando pela hora, Steve? Já aviso que não encontrara muito dinheiro, comigo.

— Vê-la bem já é o suficiente. — dizia enquanto deixava a cozinha.

Não cobraria nada, nem esperaria algo em troca. Ajuda-la, e garantir que fiquei bem e segura, é o suficiente. Não vou mentir, e dizer que está tudo ótimo em ficar cuidando dela nesse estado, porque não está, ainda preferiria que ela estivesse sóbria, e bem. Por outro lado, estou gostando de cuidar dela, de garantir por mim mesmo que ela fique bem. Inicialmente, fiquei chateado quando ela começou a beber demais, pois logo notei onde a noite pararia, mas depois de tantas conversas e tantos momentos que tivemos, creio que talvez teve que ser assim. Foi uma noite divertida como nenhuma outra, uma noite incrível.

Preparei rapidamente a banheira, deixando que a água preenchesse o fundo, enquanto pego algumas toalhas para ela e as ponho no cabide. No espaço de tempo em que a banheira se enchia eu fui verificar se estava tudo bem com ela, chegando aguardo que terminasse de comer o último biscoito e me acompanhasse até o banheiro. Tive que a guia-la, parecia que conforme os segundos corriam seu sono aumentava. Esperei do lado de fora, aguardando que ela terminasse de se despir para só então eu entrar. Nat já estava submersa até o pescoço, descansando completamente dentro daquela banheira. Seu sorriso era bem animador.

— Tudo que eu precisava. — Romanoff desabafou, soltando um longo e forte suspiro conforme descia para de baixo da água. Ela voltou do fundo e molhou o rosto, querendo a todo custo sair daquela lerdeza e sonolência que se encontrava.

Vez ou outra ela deixava uma de suas pernas escapar, erguendo-a para fora de toda a espuma por pequenos segundos. Eram gestos bastante naturais dela, não poderia dizer que era provocação, e nesse estado alcoólico dela, muito menos. Resolvi ignorar, mantendo a postura respeitosa diante uma dama. Mas encarar suas pernas desnudas era um tanto tortuoso.

— Então, aproveite, Milady, irei espera-la do lado de fora. — mesmo que ela estivesse com mais de 90% do corpo coberto eu evitava olhar, arrastando sempre meus olhos para o lado. Dei meia volta e decidi sair do banheiro, não era certo que eu ficasse ali em um momento tão intimido dela.

— Steve, espera. — sua voz estava serena, parecia até ter poder sobre mim, bastando ela falar que meu corpo obedecia.

— Sim? — A questionei, de costas.

— Teria alguma roupa para me emprestar? No momento, as minhas estão um caso perdido. — a ruiva fita o canto do banheiro e observa suas roupas no chão, amassadas devido à chuva de mais cedo. Nat torceu o lábio, era mais um favor que alguém teria que fazer por ela, só que vindo de mim não soava tão ruim, e como esperado, atenderia suas preces. Não poderia deixa-la dormir com aquelas roupas, muitos menos no frio. Mas o problema maior era não ter nenhuma roupa feminina, obviamente.

Assenti e peguei suas vestes, levando-as até a máquina de lavar – ignorando as roupas intimas no processo, fiz um bolo de roupa e joguei tudo. No meu guarda-roupa eu procurei alguma coisa que podia servir nela, optando pelo meu menor casaco, que ainda seria enorme nela, e uma calça de moletom com elástico.

Céus, isso não vai dá certo.

Bati na porta do banheiro, e quando recebo sua autorização, entro. Ponho as roupas que ela vestiria na pia. Aquilo era bastante embaraçoso.

Aguardei sua saída do lado de fora, mais precisamente: sentado na ponta da minha cama. Estava próximo para qualquer emergência que ela necessitasse.

Sou surpreendido quando ela sai, vestida somente com meu casaco azul, e sem nenhuma calça, o que deixa suas “maravilhosas” pernas, mais uma vez, expostas para mim. Meus orbes azuis foram em cheio, mas quase no mesmo instante eu os reprimo.

— Desculpe, mas sua calça larga é mais desconfortável do que confortável. — ela estava tão exausto que não teve nem mais forças para sentar ao meu lado, simplesmente deitou-se na cama.

Fiquei em um dilema, estava bem complicada encara-la naqueles trajes, mas ainda assim eu o fiz, me joguei aos leões. Me afastei para seu lado, não poderia deixa-la dormir daquela forma.

— Nat, não deita assim, precisa secar seus cabelos. Vamos, Nat... — a chamei, e continuei chamando enquanto era somente ignorado. Suspirei. Nem dormindo ela estava, e nem iria, não assim.

Trouxe sua cabeça ao meu colo, e enxuguei seus cabelos molhados eu mesmo, somente com um pente e minhas mãos. Esfreguei bem, maneirando na força para não lhe machucar. Era bem complicado fazer aquilo com ela deitada, e a mesma pareceu se irritar com isso, tendo finalmente se levantando, para que assim, eu pudesse concluir o serviço. Tirei proveito disso para pegar uma toalha menor em meu guarda-roupa, podendo secar seus cabelos com mais facilidade.

— Pronto! Agora está pronta para dormir, pequena. — sinto uma cotovelado no meu abdômen, devido ao apelido. Ela não tinha muita força naquele estado, o que dava mais graça em provoca-la, mas não o fiz de maneira deliberada, só queria levar um sorriso ao seu rosto. E mesmo estando atrás dela, conseguia captar a movimentação de suas bochechas. Tinha sorriso, um sorriso fraco, mas tinha.

— Idiota... — dizia antes de entregar-se para alguns pequenos segundos de puro silêncio. — Steve... — ela abaixou a cabeça, me olhou com o canto de seu olhos. Aquele clima, antes tão alegre, ficava denso, me deixando preocupado.

— Sente algo? — perguntei, levando meu rosto até o dela. Recebo seu olhar, mas nenhuma resposta, somente o silêncio interrompido pelos leves espasmos da respiração acelerada de Nat.

— Tão estranho... tudo isso, é tão estranho. — olhou ao redor, soltando uma risada vaga, ajeita uma mecha vermelha atrás de sua orelha, e volta a me encarar. Parecia bem exausta, cansada e perdida. Sinto sua aproximação, o que me lembra do beijo, o beijo que não foi falado por nenhum de nós. Imagino se ele seria realizado mais uma vez, penso que não seria certo com ela, naquele estado. Ela tombou seu nariz com o meu, agarrou minha camisa e ergueu seu corpo, ficando de joelhos sobre o colchão. Agora, era ela quem me olha de cima, devido as nossas atuais posições. O cheiro de seu hálito invadi minhas narinas, escuto o chamar de meu nome em sua boca, então, ela tomba, em meu peito, completamente exausta.

Sorriu, envolvendo meus braços ao redor dela e a abraçando-a, protegendo-a de tudo e todos. Um alivio me toma, e nesse momento sei o que é: é a certeza profunda que era daquela maneira que eu conseguiria protege-la de tudo, naquele abraço. O mesmo que dei quando fugíamos em um caminhão, e a mantive dormindo.

Beijo sua bochecha e a deito na cama, cobrindo todo seu corpo com o cobertor. Sam já tinha me falado, e eu estava começando a pensar. Talvez eu e ela, não sei, parece incerto e até loucura. Mas por que foi com alguém tão improvável que me senti tão bem. Bem, não faço a mínima ideia.

Já tinha tentado buscar algo além daquele uniforme, desde que acordei, tenho tentado achar um novo lar – por assim dizer. Mas nada. Nada, além de ser a lenda da segunda guerra, o soldado perfeito. Desenhar é algo que me acompanha desde muito novo, é um talento natural que eu tinha, antes mesmo do soro. Penso que poderia ter seguido na carreira, tentado ir por essa linha mais calma, ao invés de ser um soldado, em plena guerra. Mas você é o que você é. Eu fiz minha escolha, e ainda hoje a teria feito. Não tenho arrependimentos. Sou feliz ajudando as pessoas, gosto de fazer minha parte para o bem e a liberdade do mundo, e isso é uma característica que vai além do Capitão América. É do Steve. Como um soldado eu sirvo ao meu povo.

E hoje, nessa noite, servi a ela, Natasha Romanoff. Uma mulher tão misteriosa e complexa, difícil e complicada, mas que me fez me sentir tão bem. Não sei se vejo como uma pessoa que estou apaixonado, não sinto algo assim desde peggy, e não sei se é o que sinto por Nat.

Não sei.

Só sei que descobri que ela é bem mais do que uma espiã, e sem dúvidas, tem meu eterno respeito e admiração. Sei que deve lutar por algo maior, e se não o faz, sei que está a um passo de fazê-lo.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.