A garota entrou em casa e se jogou no sofá usando sua mochila para apoiar a cabeça. Sua madrasta, Verônica, que estava sentada na mesa da sala de estar, olhou a menina feio. A garota tinha cabelos loiros dourados com californianas vermelhas nas pontas. Seus olhos eram azuis e sua pele era levemente bronzeada. Hoje estava usando jeans, uma camiseta vermelha com um dos ombros caídos e botas de cano longo com cadarços que repousavam no sofá que havia sido limpo naquela manhã. Cinderela nunca tomaria jeito.

Verônica pôs uma mexa de seu cabelo escuro escovado para trás da orelha e limpou a garganta para chamar a atenção de tua enteada.

-Os pés no sofá. –Cinderela olhou para trás e viu Verônica a encarando com um olhar de reprovação. Seus cabelos eram longos, a pele clara e cirurgicamente esticada. Estava usando um vestido preto elegante e sapatos combinando, sua maquiagem estava carregada tentando esconder as olheiras e rugas de expressão. A garota bufou e se levantou num pulo.

-Ah, olá minha querida Tia! –Disse sarcasticamente. Verônica odiava que a chamasse assim. Cinderela subiu as escadas correndo. –Pai! Papai! Porque não me avisou que a bruxa malvada viria almoçar conosco? – Ao entrar no quarto do pai, encontrou malas prontas em cima da cama. –Pai?

Seu pai saiu do closet arrumando a gravata. Seus cabelos grisalhos estavam cuidadosamente penteados, sua roupa social estava toda engomada, os sapatos lustrados, perfume forte... Ele não costumava se arrumar assim. Ele beijou a testa de Cinderela.

-Olá querida. Desculpe-me não ter dito que a Verônica viria. –Ele suspirou e se sentou. Sua filha se sentou ao lado dele. –Ela vai cuidar de você essa semana.

-Ela o que?!

-Desculpe, terei que viajar a trabalho. Passa rápido, talvez você e sua madrinha...

-Madrasta - Corrigiu Cinderela.

- Se deem bem durante esse tempo. –A garota soltou uma risada alta e forçada.

-Eu e a bruxa velha? –Seu pai lhe lançou um olhar de censura. – Tudo bem, desculpe, vou tentar.

Desceram as escadas e se sentaram á mesa de estar. Verônica sorria ironicamente para Cinderela enquanto a mesma respirava fundo se segurando para não derramar todo o molho de carne naquele vestido idiota que seu pai havia pagado. Quando todos terminaram, foram até o carro e colocaram as malas do pai de Cinderela. Verônica o beijou e logo depois Cinderela o abraçou.

-Só me prometa uma coisa. – Seu pai lhe disse baixinho- Quero que quando eu voltar, ambas estejam vivas ok? –A garota riu e fez que sim com a cabeça.

-Vou tentar.

Depois que seu pai saiu, Cinderela foi para o quarto esbarrando de propósito no ombro de sua madrasta e passando direto. Minutos depois alguém bateu em sua porta. A garota apenas a trancou. Logo depois a chave caiu da fechadura e alguém abriu a porta. Verônica entrou sorrindo e segurando a chave que acabara de usar.

-Boa tentativa. Seu pai me deu uma cópia de cada chave dessa casa. Vamos direto ao assunto. –Cinderela a ignorou completamente. Verônica tirou o livro que a menina estava lendo e o jogou no chão amassando várias páginas e o desmarcando. –Agora sou eu quem manda nessa casa ouviu? E você vai ter que me respeitar gostando de mim ou não.

-Me obrigue. –Cinderela cruzou os braços e olhou ferozmente para a mulher.

-Certo, se vai querer assim quem sou eu para interferir não é? –Verônica saiu batendo a porta atrás de si.

No dia seguinte, Cinderela acordou com o barulho irritante do despertador. Se levantou e foi se arrumar. Vestiu uma blusa azul marinho, jeans cinzentas e uma jaqueta de couro preto. Prendeu seus cabelos encaracolados em um rabo-de-cavalo deixando a parte colorida de vermelho cair sobre seu ombro direito. Só tomou um café antes de sair de casa e percebeu que Verônica já tinha ido faz tempo.

Cinderela foi a pé até a escola. As aulas foram tediosas como sempre. Quando finalmente acabaram, correu para casa, subiu as escadas querendo dormir mais um pouco, mas quando abriu a porta do quarto quase soltou um grito de horror como as mocinhas dos filmes de terror.

Todos os seus livros haviam sumido, seu aparelho de som estava completamente estilhaçado, alguém havia pintado suas paredes de rosa pink por cima de seus pôsteres , o porta-retratos que guardava uma foto sua e de sua falecida mãe estava com o vidro quebrado, sobre a cama havia um vestido azul claro cheio de babados na saia e no decote (que por acaso era enorme). Uma música clássica tocava baixinho. Ao abrir o armário, todas as suas roupas haviam sido substituídas por vestidos fofos e saias que combinavam com blusas meigas, seus all stars e botas de cano longo haviam sido trocadas por sapatilhas e sapatos de salto.

Cinderela desceu as escadas furiosa e encontrou Verônica sentada elegantemente no sofá com as pernas cruzadas tomando um Martini, sorrindo como se tivesse feito uma agradável surpresa, não uma desgraça cor-de-rosa.

-O que você fez com as minhas coisas? –A garota perguntou.

-Ai! Assim você me magoa! Nem um “obrigado”? Que modos são esses?

-Escuta aqui sua vadia socialite –Cinderela rugiu entre dentes- ou você me devolve meu quarto, ou vai ter troco!

- Oh, que grosseria! –Verônica se fez de magoada. –Nem vai provar as roupas que eu comprei pra ver se servem?

-Prefiro vomitar nelas. Vai devolver ou não?

-Não. –Ela sorriu gentilmente e sua enteada correspondeu o sorriso. Cinderela pegou a garrafa de Martini e jogou na cabeça da Madrasta. O rosto daquela mulher estava quase tão vermelho de raiva quanto a bebida. – Garota você tem noção de quanto custou esse vestido? -A garota apenas olhou ferozmente para madrasta. – Prepare-se para um grande pesadelo sua vadia de quinta.

Cinderela continuou com a expressão firme.

-Estou preparada desde que você entrou pela porta dessa casa.