Midgard Heroes - A Canção de Glast Heim - Livro 1

Capítulo 3 - Tristan, e Prontera corre perigo


Região Sul, Geffen, 09:35 da manhã

— Devíamos parar um pouco, senhor — disse o homem ao lado do ser encapuzado, que andava pelo centro de Geffen. Ofegantes, ambos estavam completamente esgotados de tanto andar. Era uma viagem longa de Prontera até seu destino, afinal.

A capa do homem que cobria sua face era acobreada, com detalhes em prata por todos os lados. Uma fita amarrava-a ao seu pescoço, de forma a mantê-la segura sobre sua cabeça. O outro apenas o acompanhava sem nenhum cuidado maior, provavelmente por não precisar, vestido em sua armadura de bronze sobre um conjunto de roupas de seda leve. Tinha uma enorme cicatriz onde o olho lhe fora arrancado, as pálpebras ali sempre completamente fechadas.

— Talvez possamos parar em uma estalagem ou algo assim, tenho certeza que com seu nome podemos conseguir os melhores quartos em qualquer cidade de Rune-Mirdgard…

Parando no lugar, o homem revelou-se ao tirar o capuz de cima da cabeça. Era Tristan III, de cabelos e barba grisalhos, em carne e osso. No exato momento que fez isso, todos ao seu redor pararam para observá-lo; uns faziam comentários sussurrados, outros aproximavam-se para olhá-lo. Não importava, sua mensagem tinha sido passada: ninguém esperava vê-lo ali.

Carrancudo, o rei olhou para seu súdito, franzindo o cenho em desaprovação.

— Entende porque não podemos parar?

Não houve resposta, o soldado apenas fez um certo bico decepcionado, mas entendendo o recado.

— Precisamos prosseguir — continuou o rei, recolocando o capuz na cabeça. Ele sentou-se por um minuto em um dos bancos como se ainda fosse uma incógnita, ainda que todos ao seu redor já soubessem quem ele era. — Vá buscar algo para eu comer e beber. Algo gelado, de preferência. Esse calor… Estou morrendo debaixo desta capa — E olhando novamente para o homem, que mantinha-se parado ao seu lado: — Vamos! Não podemos demorar.

Obedecendo, o homem virou-se e saiu, fazendo ressoar suas botas de metal.

Estranhamente, Geffen estava realmente um inferno de calor, mesmo estando tão próxima à Prontera, que até mesmo nevava naquela época do ano. Algo estava imensamente errado e, aparentemente, apenas o próprio rei sabia o que era.

Ele permaneceu sentado ali, sendo observado pelo público que parava ao seu redor. Com um gesto de mão, pediu-lhes que se afastassem… A maior parte das pessoas saiu, ainda que alguns insistentes continuassem a fitá-lo como à um animal enjaulado em um zoológico qualquer. Ele não se preocupou tanto assim com isso por conta do costume; era comum que isso acontecesse quando saía e especialmente nas audiências que tinha em seu castelo.

Enquanto descansava, as pernas esticadas e as mãos apoiadas no banco, ele começou a pensar o porquê de estar fazendo aquilo sozinho… Podia muito bem ter ordenado que sua cavalaria enviasse soldados para o embate, o que talvez lhe trouxesse a vitória… Mas era até um pouco de ignorância fazê-lo, porque era o causador daquilo tudo. Ele não teria coragem de mandar que pessoas se sacrificassem por ele, sabendo que a culpa era toda sua — precisava resolver o problema com as próprias mãos.

— Aqui, senhor, foi tudo que consegui.

Interrompendo sua divagação, o súdito lhe chamou, chegando com a comida. Ele apoiou-a toda no banco sobre um grande lenço que tirava de um compartimento em sua armadura. Em seguida, virando-se para as pessoas que ainda insistiam em permanecer ao redor, fez cara feia para cada uma delas.

— Essas pessoas não têm mais o que fazer, não?! — E levantou a voz. — Vamos, o que estão esperando?! Não há nada para ver aqui!

— Não se preocupe, Gerhard… — corrigiu Tristan. — Isto é mais do que normal para mim — E olhando-o nos olhos por um instante: — Como ainda não esqueci os bons modos: obrigado pela comida.

— Não precisa agradecer — assegurou Gerhard, encolhendo os ombros em seguida. — Eu não poderia recusar, não é? Você é meu rei e eu lhe servirei sempre que precisar… Até quando fizer loucuras como a que está fazendo agora.

A expressão de Tristan tornou-se algo muito mais sério no momento em que ouviu as palavras do soldado. Ele parou sua mão onde estava nesse momento, demorando alguns curtos instantes para reagir àquilo. Ainda em silêncio, ele mordeu um pedaço de uma maçã antes de respondê-lo:

— Isto não é uma loucura… É um dever. Já lhe disse o motivo para estar fazendo isso com minhas próprias mãos e prefiro não repetir.

Como se tentasse mudar de assunto, Tristan pegou o frasco de Suco de Uva que Gerhard tinha lhe trazido.

— Quando pedi algo para beber, pensei em um vinho… Talvez uma cerveja. Por que me trouxe esse suco barato?

— Não encontrei vinho em lugar algum aqui, senhor. Não tive que procurar muito, na verdade, para saber que não encontraria, as tavernas de Geffen estão todas fechadas, mesmo com esse calor de rachar… Mas, como você mesmo disse, não temos tempo a perder, não é?

Tristan resmungou algo inaudível que o soldado pareceu não dar muita importância, porque não perguntou. Ele não chegou a terminar, levantando-se com os alimentos nos braços, preparando-se para partir novamente.

— Tudo bem, seguimos, posso comer andando. Temos um longo caminho a percorrer.

—---------------

Estalagem, Prontera, 10:45h

O som de passos podia ser ouvido no andar de cima da estalagem, onde o grupo de Nicolas se colocava impacientemente. Esperavam o atendimento de Beatrice, ainda inconsciente, que era tratada por um sacerdote, acompanhado de perto por uma Isabela bastante preocupada.

Michael parecia o mais despreocupado de seu grupo. Estava com a grande espada em mãos, apoiando-a no chão, o semblante inexpressivo de alguém que sabia que a Atiradora não corria perigo de vida. Quem parecia muito desesperado, na verdade, era Daniel, que se mantinha próximo a ele, andando em círculos, esfregando o rosto de vez em quando em sua impaciência.

Além deles, o próprio Nicolas também se apoiava de costas em uma das paredes próximas à porta fechada onde Beatrice recebia seus cuidados. Ele voltava a olhar para os defeitos no fio de sua lâmina, perdendo-se em pensamentos. Hora ou outra girava a Damascus em sua mão, lembrando-se que não teria ninguém como o padre Bamph para acalmá-lo dessa vez. O coração doeu dentro de seu peito quando pensou que mais uma pessoa próxima a ele poderia estar prestes a perder a vida…

O som da porta abrindo o assustou, trazendo-o de volta à realidade. Era apenas Isabela, saindo sozinha do quarto. Ela parecia bem menos preocupada que ele, no fim, o que conseguiu acalmar um pouco seus pensamentos.

— Ele pediu para ter uma palavra com você, Nicolas.

— Na verdade… pode deixar a porta aberta — o sacerdote corrigiu, do lado de dentro. — Acho que todos vão querer saber sobre isso…

O homem grisalho sentava-se à uma poltrona ao lado da cama, trajando suas vestes de sacerdote um pouco mais compridas do que o necessário. Ele levava um rosário em uma das mãos, provavelmente o objeto que usava em seu processo de cura, e um lenço na outra, que ele levava ao rosto para secar o suor que surgia, fruto do nervosismo.

Um silêncio se instaurou por um momento logo antes do homem quebrá-lo com suas palavras:

— Ela viverá — ele disse, calmamente —, porém… vai provavelmente continuar desacordada por um longo tempo.

— Sabe ao certo por quanto tempo? — Nicolas perguntou, aproximando-se mais um pouco da cama, agarrando-se à grade de madeira que limitava seu tamanho.

O homem voltou a se levantar, já preparando-se para sair. Não havia mais nada que pudesse fazer pela menina, então, não havia mais motivos para continuar ali.

— Como não é uma situação grave… Umas três semanas. Quatro, talvez.

O Algoz levou a mão até a própria testa, inconformado. Não tinham todo esse tempo, é claro, e não tinha ideia do que fazer. Quis chacoalhar o sacerdote e fazê-lo curá-la mais depressa, por um momento, mas não o fez. Sabia que não era culpa dele e que a magia colocada sobre as vigas enferrujadas que ela tinha tocado tinha sido algo muito mais forte que o normal.

O sacerdote pigarreou para chamar atenção para si novamente.

— Não quero parecer rude, mas conheço a situação de vocês… Sugiro que encontrem uma substituta.

— Substituta? — Isabela perguntou, espantada com a sugestão.

Nicolas sentiu-se da mesma maneira em princípio, sentindo-se mal pela ideia de ter que trocar Beatrice por outra pessoa. Não era uma ideia muito agradável, realmente, mas ele logo percebeu que seria mesmo o melhor a fazer. Apoiando a mão no ombro da menina, ele fez um rápido aceno para o padre, aceitando sua sugestão.

— Nós cuidaremos disso.

Nesse exato momento, quando Nicolas terminou sua frase, um enorme estrondo ressoou por toda a cidade. Sem mais nenhuma palavra, os dois Algozes apenas tiveram uma rápida troca de olhares antes de seguir para o lado de fora, acompanhados por Michael e Daniel, tão confusos quanto eles.

— O que foi isso?! — ambos perguntaram, ao mesmo tempo.

O Paladino, que pareceu se o primeiro a notar o foco da explosão, fitava algo distante. Ele apontou para o norte — para o castelo do rei Tristan.

— Acho que aquilo deve responder a pergunta.

Sob uma penumbra que começava a se dispersar, uma enorme criatura surgiu. Algo semelhante à um bode, com pupilas dilatadas e pelos castanhos, barba acinzentada e uma imensa foice em mãos. Um animal que se segurava em duas patas, tomando um aspecto humanóide.

— O que diabos o Bafomé faz em Prontera? — gritou Daniel, bastante confuso e assustado.

— Eu, sinceramente, não tenho ideia — respondeu o Paladino, já preparando seu escudo colossal e a espada para entrar em movimento. — Não temos tempo para descobrir a resposta. Me acompanha, Daniel?

O Sumo Sacerdote apenas confirmou com a cabeça e ambos saíram em disparada em direção ao norte da cidade. No momento em que saíram, entretanto, uma nova voz pôde ser ouvida, bem ali, próximo à Nicolas e Isabela, chamando a atenção de ambos, impedindo que se movessem também.

Com uma risada bastante estranha, o ser parecia se divertir imensamente com a situação toda.

— Um Bafomé, hã?! Que nostálgico!

Virando-se em direção ao som, os dois perceberam que um desordeiro era o dono das palavras. Em suas mãos, havia algo muito semelhante a um galho seco, mas não era marrom… Era vermelho.

As mãos do homem pingavam em sangue.

Assustada, Isabela apenas apontou para o homem.

— Foi você…?

Simplesmente perdendo a cabeça, a garota partiu para cima do inimigo antes que Nicolas pudesse reagir ou simplesmente dizer qualquer coisa. No meio da corrida, porém, apesar de bastante rápida, o desordeiro desapareceu completamente de vista. Ela parou onde estava, e o inimigo surgiu, como se tivesse simplesmente se teleportado, atrás dela.

— Odeio pessoas apressadas… — ele disse, assim que agarrou os cabelos ruivos da menina, jogando-a de joelhos ao chão. — Fique fora disso, está bem? Meus assuntos não são com você.

Enquanto o Desordeiro se distraía com Isabela, Nicolas preparava-se para enfrentá-lo. Despejando um líquido verde fosforescente de um frasco vermelho em formato de caveira sobre suas Damascus, ele as via reluzir sem precisar da luz do sol para isso. Um “Veneno Mortal”, como os Algozes costumavam chamar.

Quando o inimigo percebeu isso, ele arremessou a garota ao chão. Virou-se e, arrogantemente, começou a se aproximar dele.

— Então… Você o tal Nicolas, não é?

Não houve resposta.

— Tudo bem, tudo bem. Melhor que não responda mesmo — ele continuou, jogando os restos do galho e substituindo-os por uma Adaga da Cobiça. — Eu sei quem você é e sei o que precisa ser feito…

O Algoz continuava mudo, apenas trocando olhares com o Desordeiro. Enquanto se aproximava, entretanto, apesar do silêncio, um sorriso surgiu em seus lábios.

— Está rindo de…

Surpreso, tudo o que o Desordeiro pode fazer foi desviar do ataque de Isabela, direcionado às suas costas. Foi um longo salto, quase desequilibrado, seguido de um “tsc” quando aterrisou no telhado mais próximo.

— Eu achei que tinha lhe pedido para ficar fora disso, docinho… Mas que seja — ele debochou, passando o dedo no canto da boca e, em seguida, a mão inteira nos cabelos espetados, escuros como uma noite de lua nova. — Terei que matá-los os dois, então.

Avançando na direção de Nicolas, faíscas começaram a sair de suas adagas, quase como se produzissem energia por conta própria. Ataques ágeis que impediram qualquer reação de Isabela, que apenas assistiu à disputa de velocidade.

Enquanto Nicolas dava suas estocadas, o Desordeiro habilmente se defendia com sua adaga única, desviando todos os golpes possíveis. Às vezes, com a mão desarmada também, sempre que era seguro. Eram diversos golpes seguidos, mas ele defendia à todos sem a menor dificuldade, independente da velocidade que Nicolas atingisse com suas habilidades. Bastava um toque, imbuído pelo veneno mortal, e o Desordeiro estava morto… Mas o toque, simplesmente, não aconteceu. Quando os lados se inverteram, no entanto, o Algoz não teve a mesma sorte.

Quando foi ao chão, resultado de uma estocada rápida que tinha recebido em seu abdômen, sentiu o sangue escorrer sob sua armadura de ossos. Isabela, ao seu lado, gritou por ele, aterrorizada pela facilidade com que Nicolas tinha sido vencido.

Ela soube, nesse momento, que estava tudo em suas mãos.

Com o mesmo olhar arrogante de antes, sabendo que seu trabalho já estava feito, ele começou a se aproximar da garota. Não precisava realmente matá-la, mas aquilo tornou-se pessoal para ele no momento em que ela decidiu atacá-lo por trás. Isabela, por outro lado, não se intimidou com a aproximação, sabendo que estaria em desvantagem se ele tomasse a iniciativa do ataque. Puxando suas Escamas Invertidas, ela colocou-se em posição de corrida, tomando a dianteira e impedindo seu avanço.

Para a surpresa do Desordeiro, que a subestimava imensamente, Isabela era muito mais veloz que Nicolas. Manejando e mudando habilmente a posição de suas Katar, ela começou a dar vários golpes em partes do corpo onde sabia que seria difícil se defender.

Comparada com o outro Algoz, sua habilidade de luta era extremamente superior.

Vários golpes sucederam em atingir o Desordeiro, deixando-o totalmente ferido. Entretanto… em determinado momento, o homem simplesmente parou de se defender e deixou-se atingir pelas investidas. Isabela, apesar de perceber isso, não teve tempo de se reagir ao contra-ataque; com a mão desarmada, o Desordeiro apenas agarrou-a pelo pescoço, levantando-a ao ar como um boneco de pano, leve e macio.

— Ok, você… é bem forte… — ele disse, ofegante. — Mas não o suficiente.

O apertão do Desordeiro era sufocante e ele a segurava em uma distância suficiente para que ela não conseguisse revidar e se soltar. Depois de alguns segundos segurando-a, quando ela já sentia que perderia a consciência, ele a arremessou longe, forte como um Lorde, contra uma parede próxima.

O homem a tinha em suas mãos, finalmente. Enquanto ele se aproximava, ela até tentava se levantar, mas o apertão em seu pescoço e o arremesso a desnortearam completamente, fazendo-a cuspir sangue. Usando suas últimas forças, ela conseguiu girar o corpo para ficar de frente para ele no exato momento em que ele a alcançou, levando a mão à sua cabeça, batendo-a contra a parede logo atrás. O sorriso, apesar de sangrento dessa vez, voltava aos lábios do Desordeiro.

— Últimas palavras, docinho? — ele perguntou, já empunhando sua adaga novamente.

— Eu… Não vou morrer… — ela respondeu, calmamente. — Você vai.

Os segundos seguintes foram extremamente rápidos para todos eles. Bruscamente, o Desordeiro virou-se para agarrar uma seta que vinha em sua direção, disparada do telhado no topo da estalagem — Beatrice, contra a suposição do médico, estava plenamente acordada, de arco armado no topo da estalagem, chamando a atenção do Desordeiro, que abaixou completamente sua guarda.

Isabela, então, aproveitando-se disso, usou suas últimas forças para penetrar a Escama Invertida na costela do Desordeiro, que cuspiu sangue voltando a olhá-la, o coração ferido e parando de bater. Ela sorriu para ele enquanto seus olhos se fechavam, caindo, inconsciente, no chão à sua frente.

Ela não devia perder tempo ali, mas certificou-se que ele não respirava antes de sair em direção a Nicolas, desacordado no chão onde tinha caído anteriormente.

— Nicolas! — gritou, agachando-se próximo a ele, colocando-o sobre seu colo. Tentando acordá-lo, ela deu leves passos em seu rosto, continuando a chamar por ele. — Vamos, Nicolas, acorde!

Debilmente, o Algoz abriu seus olhos, ainda embriagado pela sensação da morte que circulava em seu corpo. Havia muita adrenalina em suas veias para permitir-lhe acordar, o que também proporcionou-lhe energia suficiente para levantar o corpo, assustado, agarrando novamente sua Damascus, acreditando ainda estar em combate com o inimigo. A dor que voltou ao seu corpo por esse movimento foi tão forte que ele curvou o tronco totalmente, apoiando a mão sobre a ferida cheia de sangue.

Isabela levou sua mão às costas de Nicolas, acariciando-o para acalmá-lo.

— Não se preocupe, já acabou.

Levantando um pouco o tronco novamente, ele virou seu rosto para o dela.

— O… O que aconteceu? — indagou, bastante confuso com a situação. Não precisou de resposta, entretanto: ao fundo, o Desordeiro estava caído, a poça de sangue cada vez maior à sua volta. — Você… — Ele voltou à olhá-la nos olhos por um momento, suspirou e sorriu para ela. — Não sei porque estou tão impressionado… Você sempre foi mais forte que eu, afinal.

Isabela, que estava um pouco menos ferida e podia se mover, não perdeu tempo para entrar novamente na estalagem e correr para o andar de cima. Ela encontrou Beatrice desacordada como antes, mas não dava para saber se tinha se ferido pela queda.

Ela supostamente deveria estar desacordada, não é? O que afinal estava fazendo no telhado? Ainda bastante confusa, Isabela pegou Beatrice no colo da melhor forma que pôde, imensamente preocupada.

—---------------

Local e área desconhecidos, por volta das 11:00h

Apenas alguns archotes iluminavam aquele imenso salão de reuniões. Gritos ecoavam por todos os cantos, mas aquela pessoa, especificamente, mantinha-se em silêncio. De alguma forma, preocupava-se mais com o vapor que sua respiração gerava que com todo o resto.

Sentava-se no fundo do lugar sobre um trono de mármore gelado com dois leões esculpidos nos apoios para os braços, rugindo em direção à mesa à sua frente. Era algo como um pequeno conselho… um pequeno conselho para um rei.

Participando desse conselho estavam algumas figuras, digamos, inusitadas. A mesa era grande, mas não estava completa pois possuía apenas três membros. Um Ancião, uma Alma Penada e um Druida Maligno, que discutiam entre si sem um objeto de assunto específico.

O silêncio só se restaurou quando algo abriu a porta bruscamente, chamando a atenção de todos. Uma série de guardas entrou e encostou-se nas paredes, abrindo espaço para os convidados principais daquela noite.

— Senhores… — o homem no trono falou, a voz bastante alta para ser ouvida por todo o salão. — Vos apresento Hayley e Takashi.

Ele levantou-se de seu lugar quando ambos atravessaram a entrada, colocando-se um pouco mais à frente de seu assento anterior. Eles se mostravam bastante familiares: um deles era a Lady de cabelos compridos e armadura enferrujada que lutou em Payon contra o Atirador de Elite; o outro, um outro Atirador de Elite, o precursor dos assassinatos, que brigara em Morroc muitos dias antes.

— Voltaram ambos vivos de seus deveres? Impressionante…

— Senhor… — começou Hayley, abaixando a cabeça e ajoelhando-se sobre uma perna só, a mão apoiada solenemente sobre o peito. — Perdoe-me a demora. Não foi fácil caminhar com… esse ferimento no peito.

Um novo silêncio se instaurou no ambiente no momento em que todos voltaram seus olhares ao Atirador, que pareceu bastante confuso por isso.

— O que foi? — perguntou, o tom ligeiramente irônico, enquanto alcançava uma parede para se encostar. — Preciso explicar o porquê da demora? Fiz isso porque quis, oras.

A Lady levantou-se e andou em sua direção com passos pesados e raivosos, agarrando-o pela gola quando o alcançou. Ela até mesmo tirou-o do chão, ouvindo o falcão berrar-lhe ao ouvido, tentando defender seu dono.

O rosto do Atirador, que era todo sorrisos, continuou impassível; não mudou nem mesmo com a ameaça da Lady.

— Tenha mais respeito, imbecil — ela disse, o cenho franzido, aproximando seu rosto ao dele. — Não vê que ele é seu líder?

— Líder? Hm… — ele perguntou. Com força, arrancou a mão da mulher de seu peito, retornando ao chão. — Não vejo líder algum aqui. Todos temos o mesmo propósito, afinal. Não é um pouco suspeito ele ficar sentado aí enquanto fazemos todo o trabalho sujo?

O homem no alto da escada voltou a se pronunciar, sonoramente:

— Calados! Não quero mais discussões. Vocês fizeram sua parte e apenas isso basta.

Ele voltou a direcionar-se ao trono e sentar-se, sob a escuridão que escondia seu rosto. Poucas partes de seu corpo podiam ser vistas dali, mas um anel, preso à sua mão esquerda, brilhava constantemente, um rubi amaldiçoado cravado no centro.

A mão do anel foi a que ele utilizou para apoiar seu rosto, o cotovelo sobre o braço do assento.

— Faltam apenas mais dois e meu… Digo, nosso destino estará finalmente selado. Estaremos todos um nível acima de Rune-Midgard e nada… Nada conseguirá nos impedir.

Junto ao sorriso que voltava ao seu rosto, o salão encheu-se novamente dos berros anteriores.

Hayley, aproveitando-se do momento para afastar-se de Takashi, direcionou-se à saída, julgando ser o fim da pequena reunião. Foi impedida, porém, por um mensageiro que chegara na sala. Esse não era nem ao menos humano — um monte de sombras que se uniam em um corpo humanóide que se desfazia quando andava.

— Notícia urgente… — A criatura andou até a mesa do conselho, parecendo bastante preocupada, e ajoelhou-se antes de chegar à ela, abaixando a cabeça em direção ao chão de pedra. — Recebemos a notícia que Tristan III em pessoa está em viagem para Glast Heim. Também foi dito que está acompanhado de seu soldado mais forte.

— Como é?!— exclamou o líder, ainda mergulhado na escuridão, mas levantando-se bruscamente. — Ele está vindo para cá? — Seu sorriso voltou a se abrir no instante seguinte, bastante animado com a ideia. — É mais burro do que eu imaginava… — E virando-se para Hayley: — Vá chamar Ellen e Afonso. Precisamos nos organizar.