Meu estranho amor

Vamos tricotar um pouco?


Quando ela termina aquela fala, o tom de voz está altíssimo e o revolver está apontado na direção dos dois homens.

— Depois de tudo isso, ainda sou obrigada a presenciar duas bichas discutindo a relação amorosa bem embaixo do meu nariz?! Resolvam seus problemas sem envolver outras pessoas mais azaradas, porque não é justo para alguém que acabou de receber um pé na bunda! – ela está gritando e gesticulando com os revólveres nas mãos.

Por alguns segundos, todos ficam quietos. Os dois homens não queriam irritar uma mulher com duas armas e com o humor péssimo.

— Cumplicidade em uma invasão à uma agência bancária, porte ilegal de armas de fogo e cárcere de um policial. Creio que serão vários meses fora das colunas sociais.

Coluna social? Mas que droga! Ela havia se esquecido de que seu rosto ficaria estampado nos jornais, quando saísse dali! Misericórdia! Seria motivo de piadas entre seus parentes, principalmente quando aparecesse desacompanhada num evento com tantas mulheres com línguas velozes e ofídicas!

— Qual de vocês irá me acompanhar à reunião de minha família? – ela grita e aponta a arma para os homens. – Quem será meu parceiro? Não vou aparecer sozinha, depois de ter meu rosto estampado nos jornais! Quem irá comigo!!!

Os homens apontam-se um na direção do outro.

— Ele! – falam ao mesmo tempo.

Regina começa a rir. Estava histérica porque o dia terminaria pior do que havia começado. Seria cômico se não fosse trágico! Um filme trash, feito com sérias restrições orçamentárias.

— Um dos dois irá comigo à festa. Eu não vou entrar naquele rancho, balançando meus braços e sendo motivo de piadas. Então, vou perguntar de novo: qual dos dois irá comigo?

— Eu...- o meliante levanta o dedo indicador.

— Vamos sair. – ela se levanta e caminha da direção do policial. Apanha a chave da algema e liberta os dois homens, entregando as armas para o profissional.

O policial é o primeiro a sair da agência. Gesticula e observa o meliante sair acompanhado pela bela morena descalça. Os outros policiais ficam admirados com a beleza da mulher e demoram alguns segundos para reagir com a aquela situação.

— Prendam esses dois! Leve-os para a delegacia antes que eu comece a atirar neles! – ele grita e caminha para sua viatura. – E cuidado para não tocarem nos cabelos dela! Ela poderá matar alguém por isso!

Horas depois, Regina está sentada numa cama estreita, numa cela da delegacia. Sentado ao lado dela, o meliante desastrado aguardava um final ameno.

— Vamos ficar a noite toda aqui?

— Apenas para perturbar a nossa noite. – o homem sorri e fica parecido com um gato. – Senão, eles não nos deixariam juntos na mesma cela. Já viu isso?

Os dois riem.

— Meu nome é Killian Jones!

— Sou Regina Mills, a desempregada!

Mais uma vez, eles riem.

— Conheço o seu nome, moça. – ele fica pensativo. – Você escreve para uma revista...

— Escrevia. Fui trocada por uma estagiária peituda, que convenceu meu Diretor a trocar a dona da coluna da revista. – Regina se encosta à parede e cruza os braços. – Pelo menos aqui é quentinho.

— Sabia que temos o direito a um telefonema? Vai ligar para quem?

Ela dá de ombros.

— O que aconteceu entre o policial e você?

Ah! Killian acha graça na história e no desfecho dela.

— Eu estava vendendo uns produtos na zona de pessoas alegres e fui convidado a substituir um dos rapazes. Mas justamente na noite de estreia, os heróis surgiram e fizeram um show, levando todo mundo. Na delegacia fomos identificados e meu pai pediu ao comandante para ocultar minha participação.

Mais um irresponsável escondido sob as asas de um papai poderoso.

— Fizemos um acordo e eu ensinei aos policiais, tudo o que tinha aprendido naquelas noites de observação e convivência com os rapazes da região das docas. Dei as coordenadas para o policial Amintas e ficou decidido que entraríamos num condomínio de alto padrão, onde um serial killer estava atacando.

Os olhos escuros de Regina se fixam no perfil de Killian. Belo nariz aquele!

— Ficamos ali por três meses e eu aproveitei da situação para continuar vendendo uns produtos. Mas eu aprendi muitas coisas convivendo com aquelas pessoas e principalmente com o Amintas. Ele é uma pessoa apaixonante e não fui o único a admirá-lo. – ele sorri. – Os meninos queriam tê-lo e as meninas queriam sê-lo.

Outra vez, os dois riem.

— Ele conseguiu pegar o matador, mas saiu ferido. Quase morreu, porque eu não fiz a minha parte. Quando ele conseguiu depor, fez elogios, mas me responsabilizou pelo desfecho quase desastroso, porque eu estava drogado demais para reagir.

— Sinto muito por isso.

— Ah, já foi! Então, eu decidi tornar a vida dele um grande parque de diversão. Vendi a ideia de que me apaixonei e vou continuar a brincadeira, até atingir o mesmo montante de dias de minha condenação. Quero ficar quites com ele!

Os dois olham para o corredor e ouvem passos pesados, aproximando-se da cela. A figura imponente do policial surge carregando dois lanches para os detentos. Abre a cela e entrega os lanches para os dois.

— Comam e depois venham conversar com o Capitão. Podem fazer seus telefonemas e...caso dependa de mim, os dois dormirão aqui por pelos menos dois dias. – Amintas aguarda pacientemente, a alimentação dos prisioneiros amalucados.

— Você poderia vir conosco ao noivado de minha irmã.

— Com a sua onda de azar, prefiro ficar bem longe da senhorita.

— Não seja chato! Vai ser divertido e vamos comer bem! – Killian fala animado.

De fato o cara era um deficiente de caráter, espiritual e moral. O que havia dentro da cabeça dele?

— Você não se acha velhinho demais para agir como se fosse um menino recém-saído da puberdade? Tantos escândalos não me prejudicarão, mas vão acabar com a carreira política do seu pai. Não pensou nisso, tio?

— Ah, não fique bravo não! Seu narigão de bruxo pode ficar ainda maior!

Amintas sorri sem exibir os dentes e inclina-se para frente. Iria falar algo impactante.

— Enquanto o grupo de policiais estava aposto para atendimento da sua invasão, uma agência de correios foi invadida e o segurança foi alvejado. O homem está em coma num hospital público, que não faz parte de pasta de seu papai secretário. – ele se empertiga. – Ria agora! Esta é a piada mais engraçada de todas!

Mais uma vez o pai de Killian havia conseguido livrar o filho das consequências de suas brincadeiras. Brincadeiras de pessoa adultas. Na manhã seguinte, o táxi para em frente ao prédio onde Regina mora. Sentando no banco ao seu lado, Killian observa o local e aprecia o que vê.

— Será que o nosso Tira da Pesada falou sério sobre o segurança baleado?

— Vamos subir, tomar nosso café da manhã e fazermos alguns telefonemas para descobrir a veracidade dessa história.

— Vai mesmo querer a minha companhia na festa de sua irmã? Nem me conhece.

— Teremos oito horas para ficarmos amigos de infância.

O café fresco e puro incentiva a produção de novas energias para os corpos cansados e resfriados. Também servia de ótima companhia para uma conversa interessante.

— Então, Killian Jones, onde nos conhecemos?

— Numa tarde em uma agência bancária. Depois, fomos tomar café fresco e puro.

— O que você faz da vida?

— Eu trabalho com vendas. – ele sorri. – Vendo...vendo...

Cuidado com que vai dizer!

— Vendo ervas.

— Não! Como vai dizer que vive de venda de ervas?

— Tenho uma fazenda de produtos orgânicos.

Não há como evitar o riso.

— Onde fica sua fazenda, Sr. Jones?

— Em Israel! Tenho algum kibutz!

— Isso não vai dar certo! – Regina apoia a testa com a mão espalmada. – Serei comida viva!

Mais café! A solução para os males é café quente e fresco! Beba mais!

— Eu não vou fazer você passar vergonha. Vou ser um namorado divertido e não vou falar nada que a comprometa. Mas seria divertido se você chegasse com dois namorados!

— Não sou a estrela do casamento. – Regina apanha a caneca cheia. – Preciso comprar roupas para nós dois. Afinal, seremos um casal pelo próximo final de semana.