Meu estranho amor

Pisando em terra segura


E é neste ínterim, que ela encontra Charlotte mais debilitada e usando um respirador artificial. Em casa ao lado de Corfu, a mulher mais velha recebe a neta para um conversa de mulher para mulher e pede sem cerimônias que o marido as deixe a sós.

— Ainda bem que você veio. – Charlotte segura a mão da neta e sorri. – Não queria ir embora sem antes dar alguns conselhos. Veja, nem andando estou mais.

Regina beija a mão da avó e sorri de maneira terna.

— Incline-se mais, querida. – pede a paciente, sendo atendida.

Antes que Regina estendesse o que estava havendo, recebe uma bofetada no rosto.

— Ei! Isso dói! O que foi isso??

— Mas é para doer e fazer seu cérebro balançar um pouco. Quem sabe alguns fios voltam a ter contato! Tá esperando o quê?

— Esperando o que para que? – Regina massageia o rosto.

— Para ser feliz? Fechou seu coração por que? Ainda nutre algum tipo de esperança podre?

— Fala de David? – Regina acha graça. – Ele está casado e eu estou feliz com minha nova condição profissional. Fui até pedida em casamento por uma senhora lésbica!

Charlotte ainda é rápida, mas sua bofetada não acerta o objetivo. Regina foge mais veloz.

— Já que se recusa a envolver-se com homens, poderia começar a desenvolver a possibilidade. Mas vai preferir ficar sozinha?

— Ah,não! Mais um membro do fã clube do Amintas? – Regina se afasta da cama. – Pode parar! Eu não vou namorar aquele cara, porque ele já está noivo daquela fedelha magricela!

O rosto de Charlotte se mostra decepcionado.

— Regina, eu não o peguei para mim, apenas para deixá-lo para você. E você quer deixá-lo para...outra?

— Vocês podem crer que ele seja meu homem ideal, mas eu não encontrei o cara com quem quero viver. Depois de conhecer várias comunidades matriarcais, estou revendo muitos conceitos sobre casamento e sobre o papel do homem em nossas vidas.

Por algum período, as duas conversam, até que Charlotte se sente cansada e pede para dormir. Abraça a neta e deseja-lhe muita sorte no amor. Regina ainda faz uma piada debochada e as duas riem muito, sem saber que seria a última piada da qual ririam. E de fato aquele fora o último encontro entre as duas. Um encontro divertido e que ficaria para a lembrança de Regina. Adeus, minha amiga e cúmplice!

No velório de Charlotte, a ordem expressa era não demonstrar tristeza alguma. O seu último desejo era ter alegria e ter declarações de momentos divertidos, fossem quais fossem. E é o que acontece.

Mesmo tendo convivido pouco tempo com a mulher, Killian é incumbido de falar a mensagem a todos os presentes naquela despedida. E mesmo o pouco tempo de convivência tinha sido intenso e divertido, ocasionando até num casamento alcovitado por ele. Com pouca sutileza, Killian expõe situações engraçadas protagonizadas por Charlotte e abre precedente para que todos exponham algum momento jocoso ao lado da falecida.

E Regina consegue perceber naquele momento, que nunca havia visto Charlotte chorar. Era uma mulher intensa e que fazia tudo com vivacidade, como se o dia vivido fosse sempre o último. Vivia com intensidade, amava com intensidade, ria com intensidade e curtia todos os momentos que a vida oferecia a ela. Nem mesmo na morte de seu marido, Charlotte havia ficado depressiva e tinha conseguido manter a serenidade de toda a família.

E como ela amava! Tudo conseguia despertar amor em seu coração! Mas tinha sempre duas paixões: bebidas exóticas e homens bonitos! Adorava os dois e casara-se com Corfu, mesmo estando com 84 anos. Charlotte olhava sempre para frente, via futuro em tudo e não se furtava em sentir prazer.

É exatamente isso o que devo fazer? Ver futuro em tudo, eleger paixões e amar intensamente! Eu preciso amar para estar viva? Amar para provar que estou viva? Olhar para frente?

Dias depois, Regina organiza seu apartamento e durante quase uma hora fica olhando o painel com as fotografias dela e de David, numa praia. Bastava! Não poderia viver presa a um passado de pura ilusão! Ela retira as fotografias e depois as armazena numa pequena caixa. Iria enviá-las para que alguém em especial a ajudasse a cortá-las.

E faz isso: pede ao jovem responsável pela correspondência da revista, que enviasse as caixas para Mary e a Amintas respectivamente, com os bilhetes específicos. A caixa de Mary tinha uma foto emoldurada para ficar como lembrança da Charlotte. A caixa de Amintas tinha outro conteúdo. Pelo menos ela queria que fosse assim!

— As duas surpresas serão interessantes! – ela fala de si para si.

E de fato foram! No final do dia seguinte, Amintas entra em contato com Regina, curioso com o teor da fotografia enviada numa caixa enfeitada.

“O que você quis com isso? Por que tenho de guardar esta foto de vocês?”

— Não é para guardar. Eu preciso de sua ajuda para picotar todas elas? Não leu o bilhete?

“Todas elas? Quer quebrar a moldura? Por quê?”

Regina fica em silêncio e seu coração começa a bater no alto de sua cabeça.

— Que moldura?

“Regina, está brincando comigo? Você me enviou uma moldura linda com a fotografia de Charlotte junto a três garotinhas! Acredito ser Zelena, Mary e você!”

— Puta merda! – Regina desliga o telefone e sai correndo da sala. No meio do caminho, liga para Zelena e pede companhia para ir à casa de Mary.

Durante todo o trajeto, Zelena tenta entrar em contato com a irmã caçula, mas não havia conseguido contato algum.

— O que realmente aconteceu, Regina?

— O menino da correspondência trocou os endereços e enviou as fotografias erradas para Mary e Amintas! Aquelas das quais lhe falei!

— Fala das suas fotos com David??

— Sim, Zelena! E havia algumas fotos bem íntimas! Como vou explicar isso para Mary??

— Ela sabe que vocês tiveram um caso, Regina. Qual será o problema?

— O problema foi o bilhete que mandei! Escrevi para que Amintas me convidasse para cortar as fotografias! “Querido, gostaria que me ajudasse a cortá-las, pois sozinha não tenho coragem.” Foi isso o que escrevi!

Rindo, Zelena continua tentando entrar em contato com a caçula. Era noite quando as duas estacionam o carro em frente à casa de Mary. São recebidas pela babá do pequeno Johnathon e levadas até o quarto, onde Mary iria recebê-las.

— Quer que eu fique?

— Claro que sim! Você é testemunha do que fiz e que não foi culpa minha a troca!

— As fotografias não foram culpa sua, Regina? – Mary gesticula para que as irmãs entrem no quarto. – Ou a falta de coragem de tê-las destruído?

— Mary, eu não conseguia destruí-las...

— Eu sei que não. Você ainda nutria a esperança de ter David, mesmo depois que trocamos aliança e firmamos um compromisso. – Mary não estava feliz. Aponta para a caixa. – Como conseguiu guardar as fotografias íntimas com David, sabendo que ele agora é meu marido?

Regina esfrega as mãos nervosamente. Não havia como responder de outra forma.

— Porque as fotografias são lindas e David é fotogênico!

Por alguns segundos, as três irmãs ficam em silêncio e depois começam a rir. Era a cena mais patética que já havia vivido as três.

— Não era um convite para David...então, para quem era?

— Para Amintas.

Mary não contém a risada. Afasta-se das irmãs e vai apanhar a caixa.

— Leve isso daqui, antes que David o veja. Ainda bem que ele está viajando a trabalho e retorna em três dias. Não comentarei com ele sobre isso, mas quero que destrua.

Regina recebe a caixa e sente as mãos da irmã apertar seus pulsos.

— Isso é algo que você deve fazer sozinha! Não atribua para outras pessoas, uma obrigação que é sua!