Meu estranho amor

Enriquecendo meu viver


— Posso saber o que aconteceu naquela pista, ontem à noite?

Regina coloca a bolsa térmica sobre a cabeça e levanta o dedo indicador, ordenando que Amintas fale mais baixo. Num sofá ao lado, Juliette levanta as rodelas de pepino que estavam sobre os olhos, tenta olhar Amintas e depois os cobre novamente.

— Charlotte estacionou a cadeira no lugar errado. – murmura Regina.

— Vocês duas estavam lutando!

— Luta? Chama aquilo de luta? – Juliette gargalha. – Foi uma coreografia de dança mal ensaiada e criada por algum bêbado. O que havia dentro daqueles coquetéis, hein?

Killian apenas balança as mãos espalmadas e não diz nada. Continua apoiado numa parede, apreciando a cena.

Não fiz nada! Não me diga nada! Não sei de nada! Não vi nada! Não ouvi nada!

— Vocês estragaram o belo momento da vida de Emma e Killian. Estão felizes?

— Não estragaram nada! – Emma surge trazendo mais café amargo para as convidadas. – Foi tudo divertido e eu adorei a minha festa de noivado!

Sentindo-se o único velho ranzinza ali na sala, Amintas apanha sua jaqueta e caminha para a saída do apartamento. Não conseguia ver graça e nada do que havia acontecido.

— Só para registrar: Charlotte teve mesmo fratura no antebraço. Jamais se esqueçam de que ela tem espírito jovem, mas o corpo é velho e doente. – ele abre a porta. – Estou retornando para a Capital e quando sentirem que a razão retornou, podem entrar em contato comigo.

O homem sai e deixa um silêncio sepulcral atrás de si. Segundos depois, há uma explosão de gargalhadas sonoras, como se ninguém tivesse entendido a reação do policial.

Quando a última revista do ano é lançada, a entrevista promova comoção e a atenção de outras formas de mídias. Muitos programas de televisão copiam o tema e o abordam em entrevistas de palco com pessoas anônimas ou mesmo conhecidas do público em geral, como artistas, atletas e até políticos. Era o ressurgimento da grande paixão profissional de Regina Mills, renascida das cinzas após um período de ostracismo e confusão pessoal.

Iria recuperar sua credibilidade profissional, porém, precisava encontrar sua organização pessoal, entender seus sentimentos, emoções e descobrir o significado de amor, paixão e desejo. Queria entender cada um deles e saber qual regia a sua vida.

E os dias passam. Na festa da virada do ano, Amintas comparece acompanhado pela mulher que o havia criado. Ela queria conhecer a família da mãe do pequeno Johnathon e distrair-se do marasmo da Capital Federal.

— Por que não trouxe Juliette? – Regina entrega uma taça com bebida para o homem.

— Ela está com a família dela. É virada de ano!

— Ainda estão juntos?

— Não quero aquele tipo de cena para minha vida, Regina. Já passei do peso e da idade para presenciar criancices e melindres de pessoas que querem chamar a atenção para si. Estamos dando um tempo para que ela reflita sobre o que fez.

— Nossa! Está amargo! – ela sorri e aponta para a freira. – Sua Irmã Lesminha está adorando Charlotte!

— Quem não adoraria Charlotte? – ele encara Regina e sorri. – Obrigado pelo exemplar da revista. A minha fotografia ficou ótima!

Regina estende a mão e toca o peito forte dele.

— Quando o modelo ajuda, tudo fica mais fácil. Killian me disse que você se aposentou...

— Agora ficarei em definitivo na Capital Federal e decidi investir em uma carreira na política. O meio em que vivo, conseguiu contagiar meu coração.

— Vai dividir sua vida entre lá e aqui. – Regina segura o braço dele e o conduz para um lugar mais discreto, onde poderia ficar mais à vontade com ele. – Eu sinto a sua falta, Amintas.

O homem estreita os olhos e fita algum ponto no horizonte escuro.

— Você tem seus amigos, sua família, seu trabalho e ainda está perto de David. O que mais?

— Não sou ingênua, Amintas! David nunca pertenceu à minha vida!

— Já destruiu as fotografias de suas férias de verão?

— Não consigo...

— Então, minha querida, não tente convencer alguém sobre uma verdade que nem você consegue acreditar. Vai sofrer à toa, porque David jamais irá abdicar de Mary outra vez, uma vez que ele reconheceu que a ama e que se titubear, poderá perdê-la. – ele deposita a taça sobre um móvel. – Não estou tentando quebrar seu sonho, porque descobri que não serei o homem de sua vida amorosa, enquanto seu coração estiver repleto de amor por David.

Regina morde o lábio inferior.

— Eu sei que deveria estar apaixonada por você, Amintas, porém, não consigo ver você como um homem que deva ser amado por mim. Eu o quero como um amante saudável, viril, lindo para exibir em eventos, mas não como o amor de minha vida.

— Nunca lhe cobrei nada, Regina. Reconheço que dói ouvir essas palavras, mas respeito os seus sentimentos. Desejo que você seja feliz em suas investidas, porque quem ama alguém, fica feliz com sua felicidade. – ele dá de ombros. – Não sou mais um garoto que acredita em contos de fadas e amor verdadeiro, por isso aceito com facilidade as negativas que recebo.

Ele se afasta dali e durante o restante da festa não é mais visto.

— Onde está Amintas? Já é quase meia noite! – Regina se aproxima de Emma para saber.

— Amintas e a mãe dele já foram há mais de duas horas. – a loira sorri. – Ele não se despediu de você?

— Não.

— Talvez ele tenha se esquecido!

E o restante do festejo não teve mais graça. Sorrisos, brincadeiras, desejos de prosperidades e a confraternização havia perdido a cor. Amintas havia se esquecido de despedir-se dela? Havia falado de amor, porém, não teria sentido a consideração de desejar-lhe um ótimo ano novo!

— Não querida, ele não se esqueceu de você. Apenas entendeu que não deveria insistir em fazer-se lembrado em sua vida. – havia sido a fala de Charlotte, quando ouvira a reclamação da neta. – Você não deve sentir-se obrigada a amar alguém, apenas porque ela a ama. Você foi honesta o tempo todo e deve se orgulhar disso!

No final daquele primeiro mês do ano novo, David e Mary se casam e iniciam sua fase nova, numa cidade vizinha a que a família Mills morava. Queria estar sempre em contato, mas precisavam ter sua privacidade.

Privacidade? Querem ficar longe de mim! Pensam que vou chorar pela felicidade deles? Pensam? Estão certos de que chorarei sim! Olho em volta e vejo meus amigos tornando-se amantes e casais, enquanto ainda continuo nutrindo aquele sentimento por David e deixando a vida escorrer pelos meus dedos! Por que não me decido por alguém? Por que querem me obrigar a amar Amintas? Ele é meu amigo apenas!

— Ah, eu não sei responder isso, Regina. – Killian fecha a pasta com o novo contrato para a ONG. – Não sei mais o que dizer! Por que você pensa que queremos obrigá-la a gostar do cara?

— Porque é o que parece!

— Você é adulta e faz o que quiser de sua vida! Isso se chama livre arbítrio! Você também deveria eleger prioridades para sua vida adulta!

— Mas eu tenho prioridades, Killian!

— Escute bem, amiga, esta é a última vez que falarei sobre isso: sua única prioridade é azarar o casamento de Mary. Um dia, você irá conseguir destruir a união dela com David, mas saiba que jamais será feliz ao lado dele, porque ele irá odiar você por isso!

Regina se empertiga e olha o amigo com estranheza.

— As pessoas estão seguindo o curso do tempo. Emma e eu iremos nos casar em alguns meses; Charlotte está feliz com o marido maluco que arrumei para ela; Zelena se entendeu com um amigo da empresa onde trabalha e está curtindo o momento com calma, sem desespero. Sugiro que você procure alguém a faça o mesmo. Você está num ótimo momento profissional, portanto, curta isso! Viaje para divulgar sua revista, seu livro, escreva outro, beije muito e deixe David viver em paz com a mulher que ele ama!

— Posso fazer isso sim, mas nem por isso ficarei com Amintas! Não faça propagandas dele!

Killian gargalha e acentua seus traços de felino.

— Amintas está com outros planos, querida! Ele está investindo numa nova carreira, outros amigos, outros ambientes e provavelmente irá casar-se com a filha do Senador! É uma ótima decisão para todos: Juliette adora o cara; o Senador admira a gana dele em aprender; Amintas mudará de vida e finalmente poderá gozar dos privilégios que o dinheiro poderá oferecer! Acredita mesmo que em meio a tantos mimos, ele está pensando ainda em ser aceito ou não por você?

— Killian...

— Regina, sua família nunca levou a sério a sua paixão por David! Todos sabem que isso é capricho seu! Sabem que você quer provar que tem mais atributos que Mary e que você merece estar com David, pelo mero fato de que determinou que ele deva ser seu! O cara já lhe disse com todas as palavras, que não a quer, que não a ama e foi Mary quem mudou a vida dele! Qual sinal você ainda quer ter?

— Killian...

— Você não tem convicção do que deseja. Na verdade, você nem sabe o que é paixão ou amor. Seu coração apenas vibra pela beleza e intensidade de David, como vibra pela beleza e singularidade de Amintas. Mas você não ama ninguém e nem mesmo você própria! – ele se mostra triste. – Perdoe-me, amiga, mas você não está mais viva. Morrer em vida não acontece quando perdemos as batidas do coração, mas quando deixamos de amar. Não queira matar os que estão em sua volta!

Como ele ousava falar tamanha estultice? Aquilo era rude até para ser dito por Killian! Como ele conseguia afirmar que ela já estava morta para o amor? De forma alguma! Iria mostrar ao mundo que o amor também poderia existir dentro de seu peito! Ora, que audácia daquele alucinado!

Mais algum tempo é deixado para trás. Buscando novidades para serem exibidas em reportagens para a Magazine Caezzatto, Regina se ausenta por algum tempo da redação e torna-se correspondente internacional. Precisava renovar-se e encontrar motivos para que voltasse a acreditar em si mesma. Era inadmissível que vendesse uma imagem de alguém que perdeu a capacidade de amar e de ser amada. Ainda estava viva!

Viaja para conhecer lugares com os quais sempre sonhou, para conhecer culturas e obter informações para suas escritas. E num desses lugares, quase é levada raptada por um grupo de mercadores de camelos, sendo salva por um rapaz muito feio, orelhudo e distinto que se apresentou como filho de um sheik.

Agradecida, Regina decide apresentar-se com jornalista e realizar uma entrevista com o jovem sheik, sonhando em desmistificar o imaginário coletivo sobre a vida dos homens árabes dos romances livresco. Porém, sua estadia torna-se um cárcere junto às jovens que viviam no harém do tal sheik orelhudo. Por três longas semanas, Regina se aproveita da situação e obtém material precioso para outra reportagem. É expulsa do harém, por fazer perguntas demais.

Em busca de mais novidades ou encrencas, Regina parte em busca de informações sobre sociedades matriarcais. Viaja para um acampamento chamado Alapine Villahe, na Flórida, uma comunidade composta apenas por mulheres. Ali, conhece a história da colônia fundada por um grupo de mulheres revolucionárias nos anos 70 e encanta-se com a maneira como elas lidam com o cotidiano sem a presença masculina.

Tudo interessante demais na maneira como cultivavam a terra, organizavam atividade de canto e poema, até a noite de uma festa animada, quando Regina é pedida em namoro por uma das mais antigas moradoras do lugar. Uma declaração de amor, com direito à tradicional posição ajoelhada e aliança de compromisso.

Como sair dessa situação sem magoar alguém? Usar subterfúgios pouco elegantes? Ser sincera e ser politicamente correta? Como não ser encarada como preconceituosa? Vamos aos classificados! E num classificado, Regina consegue um jovem acompanhante para ser apresentado como namorado e amante.

Livre do pedido de casamento, Regina tenta livrar-se do contratado, um cara com algumas passagens pela polícia por desacato, perturbação da ordem, atentado ao pudor e direção embriagada. Mais uma vez, o que fazer? Conseguir outro acompanhante para afugentar o insistente rapaz? Bonitinho, mas ordinário! Fugir! Embarca de volta para sua cidade, fugindo no meio da noite, com suas novas reportagens como bagagem.