Meu estranho amor

Caminhando e continuando


Mesmo tendo cancelado seu casamento, Amintas permanece sob a tutela do Senador, investindo na formação de seu protegido para sua carreira na política. A confusão não havia sido exposta aos convidados e apenas a decisão de Juliette não querer o casamento naquele momento de sua vida, tinha sido o motivo alegado.

— Está feliz com o que conseguiu? – Corfu entrega um copo com suco para Regina. Depois retoma sua tarefa de organizar as roupas de Charlotte.

— Foi vergonhoso. Mas pelo menos Amintas não cometeu o desatino de casar-se com aquela demente.

— Foi decisão dele? Era isso o que ele realmente queria?

— Amintas não amava Juliette. Ele me ama! – Regina fecha mais uma caixa com roupas a avó. – Foi melhor assim!

— Para quem? Sabe como ele está se sentindo agora? E as expectativas dele?

Regina observa o perfil do jovem viúvo de sua avó e consegue sentir o cheiro de sua tristeza.

— Não conversei com Amintas, desde então.

— Deveria conversar com seu noivo também. O cara foi embora sem entender nada. Saiu daqui humilhado e magoado...ele merece uma explicação, Regina. – o homem se senta na cama. – Por que tem tanto medo de assumir um único homem em sua vida? Por que quer dedicar suas emoções e tantos homens em tão pouco tempo?

— Não consigo ser fiel. Quando vejo um belo homem, tenho o anseio de pegá-lo para mim. Mas amar mesmo...não tenho certeza se é Amintas ou se ainda é David.

Corfu apanha outra peça de roupa e começa a dobrar.

— Já pensou na possibilidade daquele jovem chinês ter se matado quando descobriu que você não retornaria para honrar seu compromisso? Já pensou na possibilidade de Mary sentir mágoa por você sempre afirmar abertamente que ama o marido dela? Já pensou na possibilidade de ter tirado a única chance de Amintas ter a família que ele sempre sonhou? Já pensou na possibilidade de Fidalgo ser o homem preparado pelo destino, para os seus dias?

— Não. Eu não pensei em nada disso. Sabe, Corfu, eu não provoco a aproximação com estes homens. Apenas acontece e eles já se sentem meus proprietários. Isso me enfurece!

O homem não responde. Apenas concorda com um movimento de cabeça.

— Eu sei que Charlotte queria que você fosse feliz, porque ela sempre me disse que amou você muito mais do que amou suas irmãs. Você era a preferida dela, Regina. Por isso, ela sempre dizia que a queria bem e que iria dar Amintas de presente para os seus dias. Ela não queria controlar seus passos, mas queria que você estivesse amparada e protegida.

— Sou confusa, Corfu. Quando vejo a possibilidade de perder Amintas, fico desesperada. Porém, quando sei que ele está por perto, não sinto a necessidade de tê-lo comigo. – ela dá de ombros. – Sei que ele sempre estará lá para mim.

Corfu dá risada e discorda.

— Ledo engano, neta postiça. Desde o cancelamento do casamento dele, vocês não estiveram perto um do outro. Ele permaneceu onde está morando, e você retornou para cá. Lamento dizer, mas quem ainda está perto dele neste momento, é Juliette. E se ele chorou de raiva ou tristeza em algum abraço, este abraço foi de Juliette. Caso ele tenha buscado lábios e um corpo quente para sanar a solidão e o desespero dele, ambos foram dela.

— Há, há, há! Mas não mesmo!

— E de quem mais seria? – Corfu sorri e espera a resposta. – Não quero ser rude, mas você é uma mulher com quase quarenta anos de idade e muita experiência em sua vida tribulada. Será que não deveria deixar essa inconstância para meninas que acabaram de entrar na puberdade?

Velha? Eu? Imatura? Inconstante? De forma alguma! Não, não e não! Opa! Será que não mesmo? Bater os pezinhos não adianta mais!

Outro mês termina e a vida das pessoas segue seu rumo. Felizes ou não, as pessoas continuam suas trajetórias e o tempo passa para todas elas.

Regina entra na delegacia e é recebida carinhosamente pelo policial Fidalgo, elegante em seu terno claro. Abraçam-se e depois se dirigem para a mesa dele.

— Não precisava ter vindo. O caso da morte de Dimas foi considerado suicídio. Foi notificada?

— Sim. Fui notificada de que sou a herdeira universal dele. – Regina sorri e derrete o coração do policial. – Decidi que precisava resolver uma pendência e viajei para a China para reencontrar meu noivo.

O homem nega com a cabeça e sorri.

— Transferi vinte e cinco por cento da herança, como forma de indenização pelo rompimento do nosso compromisso. Ele ficou sem noiva, mas está alguns milhões mais rico.

Os dois começam a rir.

— Você é a criatura mais imprevisível que conheci, Regina.

— De lá, decidi vir conversar com você. Meus amigos estão todos ocupados e não podem oferecer atenção. Pensei que poderia encontrar atenção com você.

— Poderá encontrar atenção, carinho, proteção e amor. Basta abaixar essa muralha que envolve o seu coração.

Regina observa os traços másculos do policial e mesmo sem ter esforço, identifica a mesma masculinidade de Amintas, ali.

— Obrigada, meu amigo. – ela segura a mão de Fidalgo.

— E quanto ao seu amigo Amintas? Tem falado com ele?

— Desde que destruí o casamento dele, sequer fiz uma ligação telefônica. Estou com muita vergonha.

— Vergonha é roubar e não poder carregar. – ele sorri. – Deveria resolver sua pendência com ele ou jamais será feliz com alguém. Prenda-o ou liberte-o de uma vez.

— Você acha que devo investir?

— Sinceramente eu gostaria que investisse em mim. Mas se isso for depender a sua felicidade, sugiro que volte para seu país e avance em seu amigo policial. Pegue-o para você e não o abandone mais.

Estendendo a mão, Regina toca o braço do homem.

— Será que devo interferir mais uma vez na escolha dele? Soube que em quatro dias, Amintas irá subir mais uma vez ao altar com Juliette.

— Sugiro que não perca tempo: volte ao seu país e tente uma última cartada. Caso não dê certo, volte para Portugal e se comprometa a fazer de tudo para que eu possa entrar em seu coração. Quero sua palavra de que tentaremos ter um relacionamento amoroso e que você irá esforçar-se ao máximo.

— Tem minha palavra, Fidalgo.

— Quero notícias suas em dez dias ou irei atrás de você. Quero que me dê notícias sobre sua decisão e sobre o resultado de sua última investida. Caso contrário, quero vinte e cinco por cento da sua herança, como indenização.

Um sorriso largo ilumina os lábios vermelhos de Regina. Eles selam um acordo com um aperto de mão.

De volta ao seu país, Regina procura Killian. Queria saber informações sobre Amintas, para não ter um embate sem estar preparada para o que poderia enfrentar. O homem a havia perdoado? O homem ainda a amava? Iria casar-se por despeito? Muito tempo sem informações a deixara à margem da vida dele.

— O Senador sofreu outro atentado. Alguns adversários não estão apreciando o investimento dele na carreira de um novo nome. – Killian indica a cadeira para que a amiga se sente. – Eles estavam em um restaurante e foram abordados por um cliente que conseguiu balear o Senador. Na confusão, lutou com Amintas e foi desarmado.

— E Amintas está bem?

— Sim. Desarmou o homem e ainda disparou duas vezes na bunda do cara.

Os dois começam a rir.

— Como está o Senador?

— Perdeu um dos rins, mas está vivo. Ficará de molho por algum tempo e Amintas continuará sendo assessorado por outro partidário. O partido quer investir em novos nomes. – Killian sorri. – E como foi sua aventura pela China e depois em Portugal?

Regina se ajeita na cadeira fixa os olhos num ponto qualquer da sala.

— Criei uma reportagem sobre meu noivado relâmpago com o rapaz chinês e visitei Fidalgo. Fizemos um acordo amistoso e retornei para saber notícia de Amintas. Quero vê-lo e falar com ele.

— Minha amiga, Amintas está tentando mais uma vez, acertar os ponteiros com Juliette. Sugiro que os deixe em paz. Ela o convenceu de que desta vez tudo será perfeito e que irá controlar a impulsividade boxeadora dela.

— Eu não vou brigar com ela. Quero apenas que me ajude a encontrar-me com Amintas. Caso eu ligue, ele não aceitará ir ao meu encontro. Preciso que interfira.

Killian cruza os braços na frente do peito e expira pela boca. Levanta os olhos e fica pensativo no pedido da amiga.

— Você teve todas as oportunidades, Regina. Agora, precisa respeitar a decisão dele.

— Não vou atrapalhar nada. Apenas quero que ele se encontre comigo e diga olhando em meus olhos, que prefere Juliette a mim.

— Vamos tentar, porém, gostaria que me prometesse que não provocará Juliette e nem irá atrapalhar o momento deles. Por favor!

No final daquele mesmo dia, Regina e Killian chegam ao apartamento de Amintas.

— Ele está esperando que eu entre no apartamento, mas você irá sozinha. Peço que não destrua nada e nem interfira nas decisões dele. Não brinque com os sentimentos que ele tem por você. Respeite-o.

Regina cruza os dedos diante dos lábios e os beija. Sorri tão lindamente que consegue desarmar o amigo.

— O que você faz aqui? – é a pergunta de Amintas ao abrir a porta. Ele olha no corredor em busca de Killian e depois encara Regina. – Onde está Killian?

— Ficou lá embaixo e quer nos deixar a sós.

— O que você quer? – ele obstrui a passagem dela com o corpanzil. – Veio dar outro show em meu casamento? Vai brigar com Juliette outra vez?

— Vim falar com você. – ela força passagem e entra no apartamento.

— Pode entrar. – Amintas fecha a porta e volta-se para a invasora de sua casa e de seu coração.

— Gostaria que me perdoasse pelo meu comportamento do nosso último encontro e...

— Não falo mais sobre aquilo nem com Juliette. Coloquei uma pedra sobre aquele incidente. – ele permanece em pé, junto à porta fechada.

— Refleti muito e comecei a arrumar os estragos que deixei na vida das pessoas que me...

— Rasgou as fotografias de David?

A pergunta apanha Regina de surpresa. Ela prende a respiração e olha-o incrédula.

— Rasgou ou não rasgou??

— N-não...

Ele abre novamente a porta e indica a saída para ela.

— Em toda a minha vida, eu nunca expulsei uma pessoa de minha casa e nem de minha vida. Entretanto, conviver com a sua ambiguidade de sentimentos está me matando! Não consigo mais ser cínico o suficiente para fingir que nosso relacionamento é amistoso.

— Amintas...

— Não dá mais, Regina! Sua indecisão foi minando os sentimentos bons que eu tinha por você e o seu pavor em permitir que eu a ame plenamente está me causando dor e sofrimento. Eu me cansei disso!

— Amintas...

— Não tenho mais forças, Regina. Eu me cansei e não vou direcionar meus esforços para ser tentar convencer você de que vale a pena ficar comigo. Você não me quer por inteiro, então, deixe-me ser inteiro para Juliette. Não teve coragem ainda de rasgar as fotografias de seu verão com David e mesmo assim vem até minha casa para falar de sentimentos?

— Amintas, por favor...

— Saia de minha vida, Regina. Nossa amizade foi deliciosa, mas eu não quero mais fazer parte de sua vida. Acaba por aqui! Estávamos na mesma estrada, mas surgiu uma bifurcação e cada um de nós seguirá pelo seu destino. Acabou!

Regina avança e não titubeia: pilha os lábios de Amintas com um beijo guloso e dominador. Sente as mãos dele segurarem seu corpo e trazê-la para mais perto. Ele queria o contato e não conseguia resistir àquela proximidade. Mas o beijo acaba e eles se afastam.

— Você joga sujo demais, Regina... é muita crueldade de sua parte.

— Amo você, Amintas e agora sei disso.

— Não vou deixar o meu compromisso com Juliette, apenas em troca de um beijo. Eu quero tudo! Eu quero que você me assuma, que aceite meu amor, que me ame sem pudores e que aceite ser minha companheira. Rasgue as fotografias e enterre seu passado. – ele aponta para a porta do apartamento. – Meu casamento será às dezoito horas e peço que não apareça na igreja ou terei de ser um homem rude com você. Não a quero em meu casamento. Agora, por favor, saia!

E o dia esperado por Juliette chega. Iria casar-se com Amintas e estava confiante de que aquele seria o seu grande dia. Mesmo debilitado, o Senador Gold estaria na cerimônia, embora não fosse conduzir a filha ao altar. A pedido de Amintas, o amigo bonachão Killian iria fazer aquela honraria.

— Eu, Amintas Rochut, aceito Juliette Gold como minha esposa, para amar, respeitar, proteger e cuidar em todos os momentos de nossas vidas, sejam bons ou maus.

Juliette inspira profundamente e alarga o mais brilhante dos sorrisos. Mas seu sorriso se desfaz quando seus olhos localizam a pessoa aproximando-se do altar, caminhando pelo corredor central da igreja. Não! Ela não! Entrando como se fosse a estrela do evento, Regina se exibe fascinante em um vestido roxo.

— Puta que pariu! O que esta mulher está fazendo aqui?? – Juliette apoia a mão na cintura e altera o tom de voz. – Por que não ficou em Portugal procurando algum viúvo suicida?? O que veio fazer aqui??

— Não poderia deixar de presenciar o dia mais importante da vida de meu amigo. – Regina sorri.

— Misericórdia! Alguém poderia tirar essa mulher desta igreja?

— De maneira alguma! – Amintas se manifesta. – Ninguém irá encostar um dedo em Regina. Ela quer ficar, ela poderá ficar.

Juliette se volta violenta para o noivo.

— Esqueceu-se do que ela me fez em nossa primeira tentativa de casamento??

— Eu não me esqueci do que vocês fizeram uma para a outra. Regina é minha amiga e eu a queria como minha madrinha, portanto, ela poderá ficar ao meu lado no altar, caso queira.

— Não em meu casamento! – Juliette atira o buquê no chão.

Cínica, Regina espalma as mãos no ar, mostrando-se inocente.

— Saia daqui ou eu vou arrancar esse sorriso de seu rosto, com minhas mãos!! – Juliette esboça movimento de descer do altar, mas Amintas a impede. Ela se volta para o noivo. – Ponha essa cadela para fora daqui ou eu sairei!!

— Vamos parar por aqui. – Amintas engrossa o timbre da voz. – Não admito ordens e não aceito chantagens. É um momento importante para mim e quero as pessoas que amo, em minha volta. Espero que você consiga lidar com isso, Juliette.

— Espero que consiga lidar também com o fato de que nós nos amamos. – Regina aponta para si e para Amintas, que arregala os olhos, pedindo que ela se calasse. – Será um fardo que terá de carregar por todo seu casamento: Amintas me ama.

Naquele mesmo momento, Regina abre sua carteira e despeja inúmeros pedaços cortados de fotografias pelo chão. Eram as fotografias de seu verão com David e naquele segundo estava colocando ponto final em seu breve conto de fadas, para começar a viver outro conto ou um pesadelo. Quem saberia o futuro?

Estático, incrédulo e abismado, Amintas apenas consegue cobrir a boca com a mão em concha.

— Ahhh, não mesmo!! – impetuosa e afoita, Juliette não hesita e salta do altar. – Vou quebrar sua cara agora mesmo, vadia!!

Regina sorri e apenas gesticula com movimentos dos dedos, chamando a adversária para mais um round de uma luta que parecia não ter um fim breve.

Momentos depois, do lado de fora da igreja, Amintas avista o carro que levaria os noivos para o salão de festa e corre para o veículo, encontrando a motorista ainda distraída.

— Por favor, leve-me daqui!

— Já acabou o casamento? – ela pergunta, colocando o quepe e correndo para abrir a porta do carro.

— Não, mas me leve daqui para o mais longe possível! – ele entra no veículo.

Cerca de uma hora depois, na igreja sem convidados, Regina e Juliette estão sentadas no chão. Num dos bancos, Killian e Emma vigiavam as duas brigonas para que fosse evitado novo confronto. Noutro banco, o Senador apenas observava a tela do próprio celular, respondendo algumas mensagens recebidas.

— O que vocês querem fazer agora? – pergunta Leminsky, a mãe de criação de Amintas. – Quem vai realmente cuidar do meu filho?

— Regina precisa aceitar que Amintas me escolheu. Quando isso acontecer, poderei me casar e começar minha vida ao lado dele, Lemin.

A freira encara Regina e acha graça na maneira despojada como a mulher estava sentada. Mesmo descabelada, desarrumada, continuava linda e altiva.

— Acha mesmo que rasgando as fotografias de seu amante, iria provar que ama meu filho de verdade? Não teve validade alguma, já que o sentimento ainda está dentro de seu coração.

— Percebi que não, irmãzinha. Percebi que amo Amintas e que quero lutar por ele e pelo amor dele. – Regina funga e enxuga o nariz.

A freira se entreolha com Killian e Emma. Os três sorriem e permanecem incrédulos.

— Até quando pretende fazer isso? – a religiosa pergunta. – Apenas enquanto Juliette decidir lutar por ele também? Quando ela desistir, você desistirá e meu filho perderá a chance de ter a família que tanto sonhou ter?

Juliette acha graça na pergunta e ri. Sente dor e pressiona a bolsa de gelo contra o rosto.

— Alguma de vocês sabe onde meu filho está agora? Com quem está agora? Fazendo o quê?

As duas jovens se entreolham.

— Vocês estavam tão ensimesmadas tentando provar qual era a correta na discussão, que sequer perceberam que ele deixou o altar e fugiu dessa confusão. Sinceramente, espero que ele esteja nos braços de alguma mulher quente, fogosa e que mexa com a cabeça e o corpo dele. – a freira se levanta e caminha até Killian. – Meus queridos, poderiam me levar embora desse lugar deplorável? Jamais pensei que falaria isso de uma igreja...

O casal ainda repreende Regina com um olhar, antes de sair em companhia da religiosa.

Com movimentos lerdos, o Senador é auxiliado pelos seguranças. Aproxima-se das duas lutadoras e as olha com absoluta ternura.

— Vamos embora, meninas. Tenho de contabilizar o prejuízo de hoje.