Meu amado é um lobisomem

Capítulo 13: Caminhos escolhidos


Era um dia chuvoso quando nossa Ame nasceu. Fora no primeiro mês do verão. Não havia sequer luz do sol, o céu estava completamente nublado e a chuva não parava. Haru e Shouya espiavam pela brecha da porta de nosso quarto. Yuzo fez meu parto mais uma vez e prometi a mim mesma que nunca mais me descuidaria. Nossa caçula tinha cabelos e olhos castanhos, como eu. Porém ela nos deixava de cabelos em pé!

Ame não era como Shouya e nem Haru. Ela tanto amava a floresta como amava ser humana, mas quando criança ela não sabia balancear os dois. Com três anos, por exemplo, Ame subiu na estante da cozinha como loba e se sentou no topo. Quando voltei para a cozinha, lá estava ela com a língua de lobo para fora, sorrindo. E quando foi descer sozinha, a estante virou e Ame não foi esmagada apenas porque Yuzo entrou em casa naquele momento e correu em sua direção, pegando-a e se jogando longe. Meu coração quase parou e precisei me sentar no chão mesmo ao vê-los bem.

Eu não podia tirar os olhos de Ame, se não algo sempre acontecia. Com quatro anos eu estava cozinhando o almoço enquanto Ame estava sentada na cadeira de bebê e Haru fazendo os deveres da escola. Yuzo e Shouya estavam na floresta, pescando no rio. Nosso menino tinha doze anos e esquecera por um tempo a ideia de largar a escola, ainda bem. Haru fora para o quarto, guardar seu caderno e quando me virei para pôr a panela sobre a mesa... Onde estava Ame?

Procurei pela casa e Haru me ajudou, porém apenas a achei quando fui para o lado de fora. Yuzo estava voltando da floresta com Shouya, que carregava uma cesta cheia de peixes. E sobre os ombros de Yuzo, lá estava Ame, bagunçando seu cabelo e rindo. Ajoelhei, pondo as mãos no chão. Aquela menina ainda me mataria do coração. Yuzo dissera que a encontrara como lobo, farejando pela trilha. Ela usava uma camisa e fraldas. Se alguém a tivesse visto, não imagino a quantidade de gritos que escutaríamos.

Ame já derrubou a tv ao subir no móvel onde ficava, já ligou para desconhecidos ao pegar o telefone e apertar números aleatórios, já derrubou todas as coisas da mesa de estudo de Haru, já entrou na geladeira e por sorte eu a encontrei logo, já desenterrou verduras e legumes da horta e se sujou completamente de terra e já perseguiu o gato do vizinho transformada em loba. E tudo isso foi apenas como lobo. Como criança, Ame foi escondida para a floresta para tomar banho no rio, foi para a casa do avô, para o ponto de ônibus e andou até a cidade. Ela simplesmente desaparecia e não imaginávamos onde estava – assim como o pai. Apenas quando nos ligavam, descobríamos que ela estava na casa de senhor Kenjiro ou que Sana havia achado Ame no parque.

Ame aprendeu a não se transformar em lobo quando pessoas fora da família estivessem por perto. Ela se transformava apenas em casa ou na floresta quando Yuzo e Shouya estavam com ela e Yuzo permitia.

Aos poucos – bem aos poucos—, Ame se tornou uma menina comportada. Porém isso demorou quatro anos após ter começado a frequentar a escola. Ela era agitada, não parava quieta e os professores nos ligavam pelo menos três vezes por semana para contar o que Ame aprontara naquele dia. Porém depois desses quatro anos ela se interessou pela escola, pelos estudos e pelos amigos que conheceu.

Seus primeiros amigos foram Hayato e Hanabi. Kaya Hayato era o filho mais novo de Sana e Haku, que a convenceu de engravidar de novo em alguns anos. Um bom menino e muito parecido com Haku: cabelos e olhos pretos. E era parecido também em relação a ser tão bagunceiro quanto Haku na época da escola. Menino travesso.

Minagashi Hanabi era uma linda menina que morava há um quilômetro de nossa casa numa rua como a nossa: poucos vizinhos e estrada de terra. Ela tem cabelos loiros curtos e olhos verdes, e ficou bastante feliz em saber que Ame morava perto de sua casa, mesmo ela morando mais próximo da cidade do que nós – não muito, mas era. Ela é uma menina carinhosa e gentil. E nos anos seguintes Ame e eu percebemos que ela estava interessada em Shouya, mesmo ele sendo oito anos mais velho que ela.

Shouya tinha 16 anos e Haru 15 quando Ame começou a mudar. Ela se dividia entre ele, que a levava para a floresta, e Haru, que a incentivava a estudar. Haru estava se preparando para os exames de admissão para colégios do ensino médio. Ela visava dois colégios: o da nossa cidade e o da cidade vizinha. Haru era inteligente, ela passaria em ambos os exames. Assim como Shouya passou. Porém ele optou em ir para o colégio da cidade.

Como Yuzo e eu imaginamos, Shouya se afastava cada vez mais do nosso mundo. Ele já era um adolescente, não precisava que Yuzo o acompanhasse sempre que ele fosse à floresta. Shouya acordava ao amanhecer e ficava na floresta até a hora do colégio. E quando ele voltava para casa, ia direto para a floresta. Ele praticamente vivia lá. Ao contrário de Haru, que se comportava como sempre.

Haru dizia que eles eram metade lobo, porém que não precisavam viver como lobos. Porém mesmo com Haru escolhendo viver completamente como ser humano e não se transformando completamente desde criança, eu a pegava às vezes olhando-se no espelho com suas orelhas de lobo à mostra. Não sabia como identificar aquele olhar, porém temia que fosse de desgosto. E não gostar de si mesmo não era algo bom.

Durante a semana, como fazia sempre, fui até o ponto de ônibus para buscar Ame no colégio. Beijei Yuzo antes de ir, dizendo a ele que Haru iria para a casa de uma colega para estudar. Normalmente eu iria de jipe, porém Ame gostava de ir para casa de ônibus por Hanabi estar lá. E não era ruim, a mãe de Hanabi estaria lá também e conversaríamos.

— Ame está ansiosa pelo verão. – sorri – Prometemos a ela que iríamos para Nagano no aniversário dela para ela conhecer a casa onde Yuzo morou quando criança. O pai de Yuzo a alugou e a família vai viajar.

— Isso é ótimo, mas Hanabi ficará triste.

— Por Ame não estar aqui? Voltaremos em duas semanas. Elas terão todo o verão para ficarem juntas.

Ela riu.

— Não é por Ame. Também, porém ela sentirá falta de Shouya-kun.

— Sho-chan?

— Sim. Ela tem falado bastante dele em casa.

Sorri.

— Bem, Shouya também virá, porém não tenho certeza se ele ficará as duas semanas conosco. Ele gosta bastante de casa e principalmente da floresta.

— Hum. – ela concordou – Ele é um bom menino. Ele está no ensino médio, não é?

— Sim.

— O que ele planeja daqui pra frente?

— Bem... Sho-chan nunca gostou muito da escola, mas ele é inteligente. Acho que se ele se empenhar no que escolher fazer, vai se sair muito bem.

— É o que também acho sobre Hanabi. Eu gostaria que ela fosse para a faculdade, talvez uma em Tokyo, porém ela quer ficar em Okayama.

— Sho-chan também. – sorri – Não podemos escolher por nossos filhos...

— Concordo. – ela sorriu.

As meninas ficaram em pé nos bancos e apareceram repentinamente para nós, sorrindo.

— Okaasan, Hanabi pode ir para casa conosco? – perguntou Ame com seus grandes olhos castanhos.

— Pergunte à mãe dela. – sorri.

As duas se voltaram para a mãe de Hanabi.

— Ahm... Pode. – ela sorriu, achando graça.

Com o pedido das duas, quando o ponto de ônibus para a casa de Hanabi chegou, apenas sua mãe desceu do ônibus, despedindo-se de nós. Nós três fomos para casa e quando chegamos, Shouya estava curvado em frente à geladeira. Ame deixou sua mochila no canto da entrada e Hanabi pareceu paralisar por um momento ao entrarmos.

— Shouya! – Ame cantarolou.

— Hum... – ele se virou para ela com uma colher na boca e afagou sua cabeça – Oi. Já chegaram. Foi rápido hoje.

— Foi mesmo.

— Hana-chan. – Shouya afagou sua cabeça ao se aproximar.

— O-Oi... – ela gaguejou, corando um pouco.

— Hanabi, quer ver minha presilha nova? Tem formato de flor.

— H-Hum.

Hanabi foi com Ame para o quarto e eu peguei as mochilas, pondo-as ao lado da porta do quarto das crianças. Peguei um copo d’água na cozinha e me sentei à mesa, vendo Shouya pegar o prato de dango que fiz durante a manhã.

— Ei, isso é pra mais tarde! – exclamei.

— Eu vou comer apenas o meu.

— Hum... – cruzei os braços – Aonde vai esta tarde? Tem algum encontro com uma menina?

— O que? – ele franziu a testa sem entender – Como assim?

— Ah... – sorri – Eu vi a carta na sua mochila.

Shouya ficou vermelho de repente, desviando o olhar enquanto mastigava. Eu sabia que ele não tinha interesse em ninguém e nem pretendia ter, porém ainda tinha esperança. Os interesses de Shouya eram apenas a floresta, o rio e os animais. A natureza em si. O que ele dissera quando criança ainda estava em sua mente.

— Você disse há muito tempo que nenhuma menina iria gostar de você. – sorri intencionada – Nisso você estava errado.

Ele deixou escapar um sorriso ao suspirar.

— É uma garota da outra turma. – disse ele – Ela se declarou pra mim ontem durante o almoço.

— Hum... – cantarolei com interesse, apoiando o rosto na mão – Como foi?

— Ela estava envergonhada... As bochechas vermelhas. Quase não me olhava, apenas me entregou a carta e eu já desconfiei do que era. Ela não parava de gaguejar, quase não entendi o que queria. – ele achou graça.

— O que disse?

— Agradeci. Mas disse que não estava interessado.

— Que cruel, Sho-chan?

— Pára de me chamar assim, Okaasan.

Sorri.

— Como ela é?

— Cabelo curto e preto, olhos pretos também. Ela é bonita, mas não faz meu tipo.

— Pelas coisas que sempre diz parece que ninguém faz o seu tipo. – disse, docemente – Diga para a próxima que se declarar para você que agradece por ela gostar de você dessa forma e que você também gostaria de sentir o mesmo por ela. Porém que não está preparado para esse sentimento.

— Preparado?

— É o que eu acho. – sorri – Quando a menina certa aparecer, você finalmente vai compreender.

— Ninguém vai aparecer. Eu vivo mais na floresta do que em casa. Quem vai aguentar isso? Quem vai aceitar?

— Onde seu pai está? – perguntei.

Shouya abriu sua boca para dizer que Yuzo estava na floresta, porém logo a fechou, pois era isso que eu queria.

— Okaasan... Esqueça isso.

— Por enquanto. – sorri.

Ele deixou um sorriso escapar e avisou que iria para a floresta para encontrar-se com o pai. Yuzo estava na floresta há quatro dias. Eu já estava acostumada com isso. Era difícil no começo, porém agora com as crianças e minha compreensão, estava melhor.

Fiz um lanche para as meninas, que brincavam no quarto. As duas fizeram o dever de casa quando Haru chegou da casa da amiga. Ela as ajudou e parecia gostar de ensinar as meninas o que elas não sabiam ou não entendiam. Haru era assim. Dedicada, esforçada e inteligente. Uma doce menina de quinze anos e médios cabelos castanhos. Seus olhos não se desconectavam do livro e cadernos das meninas. Ela as ensinava e falava com paixão. E isso me deixava contente. Haru estava se encontrando.

Antes do anoitecer, levei Hanabi para casa de jipe. Quando voltei, Shouya e Yuzo haviam chegado e estavam na cozinha. Fui em direção à Yuzo e o abracei, recebendo um beijo carinhoso e sentindo seu cheiro. As crianças foram tomar banho uma a uma e Yuzo me ajudou a pôr a mesa depois que preparei o jantar. Ele me contara como a floresta estava bonita e que os vagalumes estavam perto de aparecerem.

Todos os anos no verão, Yuzo me leva para a floresta para ver os vagalumes. Quando as crianças eram pequenas, as deixávamos com o senhor Kenjiro e passávamos a noite toda na floresta. Yuzo sempre preparava um acampamento para nós. Uma simples barraca, colchões, lanternas. Ficávamos entre árvores, admirando os vagalumes. E quando eles se iam, observávamos as estrelas até a hora de entrarmos na barraca, fazendo amor até cansarmos.

Minha vida era tão feliz que tudo parecia um sonho. Será que eu não estava em Tokyo, sonhando em meu apartamento com uma vida com Yuzo? Era tudo muito feliz para ser verdade. Mas não, eu não estava sonhando. Essa era nossa vida e era maravilhosa. Porém naquele jantar, temi que tudo desmoronasse.

Após comermos, Yuzo e Haru lavavam a louça enquanto Shouya e eu recolhíamos os talheres restantes sobre a mesa. Haru falava sobre o que planejava para o futuro. Era tinha alguns planos e contava todos para nós.

— Se eu passar nos dois exames, vou escolher ficar no colégio da cidade. Meus amigos estão aqui e vocês também. Se eu fosse para o colégio da outra cidade, o tempo nos ônibus diminuiria meu tempo em casa. E aqui, com esse tempo de sobra, eu posso me concentrar em clubes acadêmicos. Acho que vou entrar para o clube de música ou para o de literatura. Eu gosto tanto de literatura. – ela sorriu – Talvez eu entre nos dois.

— Com tantos clubes você não vai ficar em casa do mesmo jeito. – disse Shouya ao colocar os talheres dentro da pia – Por que não confessa que quer ficar por causa dos seus amigos. Você não é muito boa em fazer novas amizades.

— Olha quem fala. – resmungou ela – E você, Shouya? Não entrou em nenhum clube ainda?

— Não. – ele cantarolou – Nem pretendo.

Ela franziu as sobrancelhas, indignada. Haru presava tanto os estudos que achava que todos deveriam fazer o mesmo, principalmente Shouya, que odiava a escola.

— Melhor você se dedicar na escola, se não você não vai ser ninguém na vida.

— Eu sou um lobo. Eu sou alguém.

— Um lobo é um animal. Você precisa pensar em que profissão vai ter. – disse ela, deixando de lado a louça – Ou por acaso pensa em viver pra sempre na casa dos nossos pais?

— Quando me formar, vou morar na floresta. Não se preocupe com isso.

— Idiota.

Shouya franziu as sobrancelhas, ignorando-a.

— Chega, vocês dois. – disse Yuzo – Haru, deixe seu irmão.

— Vocês não ligam para o que ele escolher? Ele não vai ser ninguém. – disse ela.

— E eu por acaso não sou ninguém?

— O senhor cuida da horta e vende o que planta assim como minha mãe. Vocês tem um emprego. Shouya quer ser um animal!

— Não diga isso como se fosse algo ruim! – exclamou Shouya – Só porque você não gosta de si, não tente me convencer a não gostar de mim.

— Eu gosto de mim!

— E quando virou lobo pela última vez? Me lembro que tínhamos seis anos.

— Só porque somos assim não quer dizer que precisamos virar isso toda hora.

— “Isso”? Você fala como se fosse uma doença.

— Cala a boca e estude mais!

— Não.

— Você tem que estudar!

— Não! – exclamou Shouya, furioso.

Haru franziu as sobrancelhas, furiosa, e Shouya começou a rosnar. Segurei a toalha de cozinha, apertando-a. Shouya virou lobo e Haru também, por mais surpreendente que fosse vê-la como lobo. Ame arregalou os olhos e correu até nós, ficando atrás de mim. Os dois começaram a brigar, indo para cima um do outro. A mesa foi virada brutamente quando Haru foi para cima de Shouya e ambos caíram no chão, havendo mais rosnado e mordidas no cômodo principal da casa.

Shouya atacava mais, Haru não conseguia se defender direito. Ela não se tornava um lobo há anos e fiquei surpresa por brigar dessa forma com o irmão. Shouya estava machucando Haru, e isso fez com que Yuzo precisasse intervir. Ele gritou, mandando os dois pararem. Porém como nenhum deles o ouvia, Yuzo se tornou o grande lobo que era e se pôs entre Shouya e Haru, rosnando ferozmente para Shouya, que percebeu os ferimentos de Haru.

Ame correu em direção à irmã, pondo a mão sobre ela e tentando acalmá-la. Ela gania, tentando levantar.

— Fique deitada, Haru. – disse Ame, docemente.

Yuzo olhou para Haru e depois para Shouya.

— Viu o que fez com sua irmã? – rosnou – Somos uma família! Problemas não se resolvem assim!

Shouya balançou a cabeça, rosnando para si e voltou a ser um menino, correndo porta a fora.

— Shouya! – o chamei, porém ele desapareceu.

Pus a mão sobre a boca, porém olhei para Haru. Ela voltou a ser uma menina e estava muito machucada. Havia arranhões pelo seu corpo tanto quanto mordidas e suas roupas estavam rasgadas. Corri até ela ao passo que Yuzo dissera que iria atrás de Shouya.

Levei Haru para o quarto e Ame me ajudou a pegar curativos. Enquanto limpava seus machucados, lembrava-me da briga. Shouya sobre Haru, arranhando-a e mordendo-a como se fosse um inimigo. Meus olhos marejaram, nunca imaginei que isso pudesse acontecer com nossa família.

Mais tarde, eu estava com Ame no cômodo principal. Eu não conseguia dormir e ela adormeceu em meu colo. Haru estava dormindo no quarto com seus braços e pernas enfaixados, assim como parte do torso. Quando Yuzo chegou, me viu sentada com as costas apoiadas na parede e Ame dormindo em meu colo. Não quis acordá-la levando-a para o quarto. Yuzo se aproximou e sentou ao meu lado, beijando minha cabeça.

— Onde ele está? – perguntei, as lágrimas escorreram por meu rosto.

— Ele não quis voltar.

Pus a mão sobre a cabeça de Ame, afagando-a enquanto chorava.

— Conversei com Shouya. – Yuzo abaixou o olhar.

Olhei para ele.

— Shouya pediu desculpas e disse que não queria machucar Haru. Ele se irritou e perdeu o controle. – dizia Yuzo – Ele não quer voltar para a escola, Tsuki. Nem mesmo para casa. Ele é ainda mais selvagem que eu.

— O que você disse?

— O convenci a voltar no final e terminar os estudos, porém ele vai voltar amanhã. Quer passar a noite na floresta.

Assenti, entristecida.

— O que será da nossa família, Yuzo?

Ele me olhou, abraçando-me e afagando minha cabeça. Eu chorava, perdida. Não sabia o que fazer, desejava que meus filhos se reconciliassem.

— Faremos nosso melhor. – disse Yuzo – Nós sempre o fizemos, lembra?

— Hum. – concordei.

— Eles cresceram, Tsuki. Apenas ficou um pouco mais difícil guiá-los. Mas vamos conseguir.

Assenti, deitando a cabeça em seu peito e sendo acolhida por seus braços.

Yuzo levou Ame para a cama e fomos dormir. Como ele disse, Shouya voltou na manhã seguinte sujo de terra e grama. As meninas já haviam ido para o colégio. Haru insistiu em ir, dizendo que se alguém perguntasse sobre seus curativos ela diria simplesmente que caiu num barranco na floresta enquanto passeava com Ame e se arranhou nas pedras. Uma mentira bem elaborada em minha opinião.

No café da manhã Ame me perguntou se Shouya fora embora de casa. Expliquei a ela que ele logo voltaria e ela perguntou se ainda continuaríamos sendo uma família. Meu coração se entristeceu naquele momento. Nossa menina não queria que eles brigassem tanto quanto nós.

Yuzo estava na horta, e quando Shouya entrou em casa, ele logo entrou também. Sorri levemente, abraçando nosso menino.

— Me desculpa, Okaasan... – disse ele, chorando.

— Tudo bem... Tudo bem.

Shouya fora tomar banho e quando voltou, se sentou conosco na frente de casa. Ficamos em silêncio por um tempo, porém ele o quebrou.

— Haru disse algo?

— Não. – disse Yuzo – Ela apenas comeu e foi para a escola.

— Ela nunca mais vai falar comigo. – ele abaixou o olhar – Ela me odeia.

— Ela pode estar com raiva, mas não te odeia. – falei – Logo vão conversar.

— Conversar? – ele riu – Haru não conversa. Lembra quando quebrei sem querer o vaso de flores que ela ganhou de aniversário? Haru ficou sem falar comigo por duas semanas. Quanto tempo será que ela vai ficar sem falar comigo agora?

— De qualquer forma, ela vai te perdoar um dia.

— Um dia. – pensou Shouya – Até lá vamos ser dois estranhos dentro de casa.

Yuzo e eu nos entreolhamos.

— Vai mesmo voltar para casa? – sorri suavemente.

— Hum. – ele assentiu – Apenas por causa de vocês. Quando a escola acabar, vou para a floresta.

Sorri, contendo as lágrimas e o abracei.

— Somos uma família. – falei – Não se preocupe.

Ele assentiu.

Shouya ficou em casa naquele dia. Não foi para a escola e ficou todo o tempo na frente de casa, sentado. Levei seu almoço para ele comer pelo menos, porém Yuzo e eu saímos para vender na cidade.

Enquanto ele estava sentado, observando a frente de casa, uma menina se aproximou. Tinha cabelos curtos e pretos, usava uniforme e bolsa escolar, abraçando uma pequena papelada. Ela se aproximou cautelosamente, vendo Shouya sentado e sorriu com vergonha.

— Y-Yoshiro-kun. – disse ela.

— Yumeko-san. – Shouya se surpreendeu – O que faz aqui?

— Ahm... Soube que não veio hoje. Então trouxe os deveres de casa pra você. – ela deu a papelada à ele.

— Obrigado. Não precisava.

— Hum. – ela negou com a cabeça – Eu sei que não vamos ser mais que amigos, mas... – sorriu – Fico feliz em ajudá-lo. Bem... Vou indo.

Ela se virou para ir, porém Shouya a interrompeu.

— Yumeko-san.

— Sim?

— Obrigado por gostar de mim dessa forma, eu gostaria de sentir o mesmo por você. Você é uma garota incrível. Mas não estou preparado pra esse sentimento ainda.

Yumeko permaneceu o olhando, surpresa, e sorriu feliz.

— Obrigado, Yoshiro-kun. Você... Também é incrível.

Shouya assentiu, sorrindo e ela foi embora. Enquanto a menina descia pela estrada para o ponto de ônibus, Ame e Hanabi subiam comigo para ir para casa. Notei as meninas olhando-a, admiradas. A menina realmente era bonita.

Quando chegamos, vi Shouya com papéis na mão, sorrindo. Ao me aproximar, perguntei:

— Que sorriso é esse?

— Eh? – ele me olhou – Nada. Uma amiga trouxe os deveres de casa de hoje pra me ajudar.

— Amiga? Ah! Então foi a menina que vimos na estrada. Ela parece com aquela menina que você descreveu.

— É ela.

— Bem bonita.

— Hum. Eu disse à ela o que você me disse ontem.

— Que ótimo! – sorri.

Ame e Hanabi não entendiam nada.

— Quem é aquela menina? – perguntou Ame.

— Uma menina que se declarou para o seu irmão. – falei.

— Ah. – cantarolou ela, sorrindo.

— Cala a boca. – Shouya riu.

— Vocês vão começar a namorar?

Sorri para Ame. Ela mal sabia que Shouya não queria nada disso. Porém ao olhar para Hanabi, vi que seu olhar estava baixo e triste, sua franja quase cobria seus olhos.

— Não. – disse Shouya – Ela não é meu tipo.

— Q-Qual é o seu tipo de menina, Sho-chan? – perguntou Hanabi.

Olhamos para ela.

— Ah, bem... Não sei. – Shouya sorriu.

— Bem, meninas, vamos entrar. Está na hora de fazer os deveres e depois eu vou preparar dango pra vocês.

Ambas sorriam, contentes. Ame e eu entramos em casa e Hanabi parou ao lado de Shouya, olhando-o e perguntando:

— Sho-chan?

— Sim.

— Você gosta de meninas loiras?

Ele ficou surpreso e sorriu sem jeito.

— Por que está perguntando isso, Hana-chan?

— Porque... – ela corou enquanto o olhava – Eu quero namorar você quando crescer.

Shouya arregalou os olhos, surpreso. Ficou olhando-a e ao seu olhar sério sobre ele. Uma menina nova já se declarando para o menino que gostava. Shouya nunca vira algo do tipo.

— Hana-chan... – sorriu ele, suavemente – Você vai encontrar um menino da sua idade. Ele vai te fazer feliz. Mas eu não vou.

— Eu gosto de você.

—Me desculpe.

Ela negou com a cabeça. Eu apareci na porta, chamando Hanabi.

— Hanabi, Ame me convenceu a fazer dango agora e depois. – ri – Quer nos ajudar?

— Sim. – sorriu ela, docemente e virou-se para entrar.

Entramos e Shouya continuou na entrada, sentando e pensando. Quando levantou o olhar, viu Haru de uniforme escolar, parada a sua frente com o olhar sério. Ele reparou em seus curativos. Seus braços e pernas estavam enfaixados. Ele olhou em seus olhos, não sabia o que dizer.

— Me desculpe.

— Hum. – ela assentiu – Não foi para a escola?

— Não. Mas uma amiga veio aqui e trouxe o dever de casa.

— Que bom. Então... Vai deixar a escola?

— Não. Vou terminar... E me mudar para a floresta depois da formatura.

— Claro. – Haru abaixou o olhar e andou até ele, sentando ao seu lado – Me desculpe.

Shouya a olhou, surpresa.

— Me desculpe por ser tão chata. – disse ela – Eu sei que é uma escolha sua decidir o que fazer com seu futuro. Mas eu ainda não acho que seja o melhor você morar na floresta.

— Porque você acha que o melhor é ter uma profissão?

— Algo assim.

— Você se encaixa nesse mundo, Haru. Eu não acho que me encaixo.

— Apenas tente. – ela pediu.

Ele sorriu.

— Você iria para a floresta se eu dissesse para você tentar?

Haru desviou o olhar.

— Tudo bem...

— Hum.

Shouya continuou a observar o quintal.

— Hana-chan se declarou pra mim agora a pouco.

— Hana-chan...? Hanabi-chan? – Haru o olhou, surpresa – Você é um ímã de garotas. Ela é só uma menina.

— Eu sei. Mas falou comigo como se fosse mais velha.

Haru sorriu e o olhou.

— Não vá para tão longe quando se formar, tudo bem?

— Sempre vou voltar. – Shouya sorriu e a abraçou.

Ela sorriu.

— Eu vou acabar com você na próxima vez.

— Então comece a treinar. – ele riu.

Enquanto eu fazia os dangos com as meninas, olhei para a entrada e vi Shouya e Haru juntos, rindo. Ele estava abraçando-a com um braço e ela estava com a cabeça encostada em seu pescoço. Sorri, contente. Voltei a mexer na massa com as meninas e olhei para Ame. Shouya e Haru encontraram seu caminho, e agora faltava apenas Ame encontrá-lo.

Olhei para a estante e vi as fotos dos meus pais. “Acho que estamos indo bem, papai.”, pensei. Yuzo entrou em casa olhando para os dois do lado de fora e sorriu para mim. Estamos realmente fazendo nosso melhor.