Amanheceu e Viviane sequer pregou os olhos por conta do ocorrido na noite passada. Enfim conhecera o dono daqueles olhos dourados, mas a sua imagem não saíra da sua cabeça: um homem alto, translúcido, que surgira do nada, que atiçara mais sua curiosidade; parecia que quanto mais o conhecia, significava mais segredos para serem revelados. Céus, quem era aquele homem? E o que queria dela? Respirando fundo diversas vezes, Viviane conseguiu se controlar para não enlouquecer, e agradeceu mentalmente pelas aulas de manhã terem sido suspensas.

Ela saiu do quarto indo até o refeitório, onde encontrou Emilly que logo notou o olhar perdido da amiga. Desconfiada, gesticulou para chamar a atenção de Viviane, quem, de imediato, respondeu:

— Eu só dormi mal ontem, tá bem? — Deu uma breve olhada em Emilly antes de ir para o balcão e pegar o café da manhã. De fato, não estava mentindo; depois da noite que teve, mal dormiu.

Pacientemente, Emilly esperou pela amiga na mesa. Assim que Viviane chegou lá, a outra teve uma visão melhor do rosto dela, vendo que tinha olheiras um tanto profundas, e o olhar pesado.

— Nunca a vi com essa cara... — Emilly começava a ficar mais preocupada. — Nem mesmo nos fins de semana. O que houve?

— Não houve nada! — Sem querer conversar, Viviane respondeu à amiga de um modo um tanto rude. — Eu já disse! Eu... Devo ter dormido de mau jeito ou sei lá!

— Nossa. Calma. Eu só estava...

— Me ajudando, eu sei! — Se não estivesse com fome, a garota teria ido embora e tentar descansar antes do almoço.

Respirando profundamente, Emilly ficou calada, pois sabia que seriam um desses maus humores pelas manhãs; ela mesma tem isso de vez em quando. E a situação só piorou quando viu que Lorraine se aproximava, com o sorrisinho típico nos lábios.

— Nervosa, Viviane? — A mais velha tocou no ombro da garota, que não se virou, ignorando-a completamente. — Está com saudades de ter aula hoje? Queria ver o Edward, não era?

— Não tem coisa melhor pra fazer, Lorraine? — Emilly revirou os olhos com as provocações desnecessárias.

— Eu não estou falando com você! — Lorraine respondeu, apertando os dedos no ombro de Viviane, que tentou ignorar, até sentir as unhas quase encravarem ali, e só faltava a garota entortar a colher que segurava.

Subitamente, Viviane tirou a mão da outra do seu ombro, afastando para longe, então virou-se para encará-la:

— Se está achando que a minha vida está ótima, pensa de novo. Eu tenho problemas mais importantes para lidar ao invés de atormentar a vida dos outros.

Com isso, a garota se levantou e foi embora, voltando para o quarto. Ela deitou na cama, esperando que dormisse ao menos duas horas. O que não aconteceu de imediato, já que estava tão irritada, e com tanta dor de cabeça, que dormir virou a última coisa que queria fazer. Ela olhou pela janela várias vezes, andou para os lados, até que ouviu a voz do tal fantasma que viu na noite anterior, cantando para ela. Que, por incrível que pareça, ouviu pacientemente a canção. Logo, sua mente se acalmou, fazendo seu corpo pesar, e então, adormeceu. Ela caiu na cama, sem se cobrir. O fantasma abriu a janela e continuou a vigiá-la em seu sono, sentando ao seu lado.

Quando acordou, Viviane se sentiu mais disposta; realmente precisou daquele cochilo. Por conta do sono que tivera, não lembrou de muita coisa do que fizera pela manhã, fora a discussão dela com Lorraine. Levantou-se outra vez, vendo no relógio que estava quase perto da hora do almoço, e estava faminta – era fato que não comera muito no café da manhã. Com disposição, ela foi ao banheiro e se trocou.

O refeitório estava aberto, e muitas pessoas já estavam lá, porém, ainda tinha lugares sobrando – sobraria ainda mais, se as pessoas que já terminaram de comer saíssem ao invés de continuarem sentados. Viviane pegou o que queria e se sentou numa mesa qualquer, já que não achou a Emilly no meio das pessoas. Em compensação, sentou-se ao lado de Matt.

— Resolveu variar e não sentar perto da Emilly, ou vocês brigaram?

— Digamos que resolvi variar, e não a achei. — Viviane respondeu ao amigo, que apontou para a mesa do lado, onde estava, no meio das pessoas, Emilly. — Ah, esquece. Eu falo com ela depois. Estou faminta.

— Está bem, então. — Matt disse, antes de comer o almoço. Demorou uns segundos antes de resolver conversar com a garota ao seu lado. — Eu não a vi de manhã. Saiu para algum lugar e não me chamou?

A pergunta arrancou um breve riso de Viviane, que se envergonhou levemente, antes de respondê-lo:

— Na verdade, passei parte da manhã dormindo.

Agora foi a vez de Matt rir, se identificando com a situação da amiga.

— Sei bem como é isso. Pronta para aula hoje à tarde.

— O quê?! — O sorriso da garota desapareceu, dando lugar ao desespero dela. — O que quer dizer com “aula à tarde”?

Matt não conseguia segurar, e deixou escapar uma gargalhada:

— Eu tô brincando. — Riu. —Devia ver a sua cara!

Viviane revirou os olhos, com um micro sorriso no rosto.

— Muito engraçadinho... Tem sorte da comida estar tão boa. Senão jogaria isso em você.

Os dois voltaram a comer, sempre brincando ou fazendo algum trocadilho. Quando terminaram, Emilly se juntou à dupla e continuaram a conversar. E como não tinham nada para fazer, saíram para a cidade, mas não foram muito longe, tampouco demoraram, uma vez que Viviane sentia-se mais desconfortável fora do que dentro do teatro. E a vontade de dizer aos amigos acerca do fantasma que vive por lá falava mais alto. Porém, sabia que a achariam louca; o pior que podia acontecer seria eles contarem aos outros, mas, claro, nunca fariam isso.

Voltando ao teatro, Viviane se afastou de Emilly e Matt, seguindo para o piano no palco. No meio do caminho, estava tão distraída, com dúvidas na sua mente, que só notou uma parada repentina na sua caminhada, que a fez quase cair, se não a tivessem segurado. Virando-se para quem a salvou na hora, estava Edward, segurando com suas forças, e pondo-a de pé, novamente.

— Você está bem.

Demorou quase dez segundos para Viviane raciocinar o que tinha acontecido.

— Ah! Sim... Sim! Obrigada.

— Tome mais cuidado, sim? — Edward deu um meio sorriso e foi embora.

Outra vez, Viviane deu sorte de que ninguém viu aquela cena, principalmente Lorraine — era até imaginável o que ela diria sobre aquilo. Chegando ao piano, a garota analisou cada tecla, tentada a tocar. O que acabou não acontecendo; não via motivos para fazer, e também, não tinha ninguém, aparentemente, interessado naquilo.

De noite, Viviane esperou todos dormirem e ficou preparada para conversar com aquele tal fantasma. Tinha várias perguntas e queria que fossem respondidas, ao menos ela esperaria que fossem. Quase que iria chamá-lo, quando a voz a respondeu antes que fizesse.

— Estou aqui. — O som invadiu e ecoou por todo o quarto. Viviane temeu que alguém tivesse escutado.

A garota viu toda sua prontidão sumindo rapidamente, e seu nervosismo começou. Mesmo tremendo e com a voz baixa, perguntou uma das suas dúvidas.

— Por quê... Por quê não posso saber seu nome? — Um silêncio tenso foi criado. Viviane nunca estivera numa situação parecida, e isso a deixava mais agitada. — Por favor, não me deixa...

— Nunca! — Mal terminou a frase e o fantasma a interrompeu, gritando. — Jamais a deixaria.

O grito que ele deu foi o suficiente para o coração de Viviane acelerar de forma impressionante, ao mesmo tempo que sua barriga gelou por completo, e sua respiração se tornar ofegante. Segundos depois, racionalizou a resposta do espírito, estranhando-a.

— E-Espera... Como assim “jamais me deixaria”?! Eu só... Ah, esquece. Só me diz: por quê não posso saber o seu nome!

— É complicado.

— O que é complicado? Me diz!

— Explicarei melhor depois.

Viviane, que antes estava sentada na cama, se levantou, olhando para o teto, impaciente.

— Acho melhor começar a explicar agora! Sabe que estou confusa com o que está dizendo, não é? Me responde, agora! Por quê quer me ajudar, e quem é você?

O fantasma ficou calado por um tempo, fazendo a garota ficar cada vez mais tensa, fazendo-a querer se esconder embaixo das cobertas até amanhecer. Lentamente, a respondeu numa única frase, que quase fez o coração da garota paralisar:

— Sou seu anjo da música.