Viviane abriu os olhos e percebeu que estava deitada e coberta, como se aquela noite não tivesse dormido tranquila e profundamente. A voz... O que tinha acontecido na noite passada... Foi apenas um sonho? Esperou que sim. Ela levantou atordoada com o ocorrido; o relógio marcava 07:30 — tempo suficiente para se organizar até a aula começar.

Ela se prepara como de costume, e vai para a sala, um pouco antes da hora. Emilly chega mais tarde, acompanhada do irmão, que não perde tempo e diz para todos se organizarem; a peça da vez é Les Petit Riens. Edward usa sua rigidez toda hora, principalmente com Lorraine, Emilly, e até Viviane. Esta fica distraída quase a aula toda, e isso faz o professor desconfiar que ela está escondendo algo. A hipótese de ser ameaçada é a maior, mas não tinha provas ou via motivos para que ela fosse. Mesmo assim, tiraria essa história a limpo, mais tarde.

Viviane olhava cada sombra, cada canto mais escuro, procurando qualquer sinal do tal fantasma; seus olhos dourados, por exemplo. Para sua sorte, não via nada, mas não desistia de procurar. Pouco ou nada prestava atenção nas instruções passadas pelo professor, pois, aparentemente, o que importava era encontrar o vulto.

Depois da aula, enfim, os alunos foram dispensados. Edward falaria com Viviane, se a irmã não o tivesse puxado para fora da sala às pressas, levando-a para seu quarto.

— Ai! Calma! — Viviane protestou, após a amiga dar um puxão no seu pulso. E vendo que ela estava pouco se importando com isso, falou: — Eu não consigo acompanhar sua velocidade!

— Então se esforça para andar um pouco mais rápido. — Solucionou Emilly, continuando a puxar a outra até seu quarto. Chegando lá, abriu um enorme sorriso, antes de abrir a porta. — Pronta para conhecer meus novos colegas de quarto?


Viviane assentiu, um pouco cansada do percurso. Quando entrou no cômodo da amiga, não viu nada além do quarto que conhecia — muito semelhante ao seu. Confusa, perguntou:

— Eles estão escondidos ou...? — Ela parou na frase, esperando por uma resposta.

— Não acredito que você não os viu! Vamos lá, observadora! Dê ao menos "oi" aos meus peixes.

— Peixes? Mas como assim... — Viviane olhou para a cômoda, vendo um aquário pequeno, com um casal de peixes dourados. Primeiramente, ela ficou encantada com os animais, de nadadeiras hipnotizantes, mas o sorriso desapareceu, quase subitamente. — Em, amiga. Eles são lindos e tudo, mas... Como vai fazer se descobrirem? Não permitem animais aqui.

— Au contraire, mademoiselle! — Emilly falou, entusiasmada. — Eles não vão prejudicar ninguém, não fazem barulho, e muito menos sujeira! Com certeza vou poder ficar com eles!

— Está bem, então. — Disse Viviane, sabendo que não seria capaz de opinar contra aquela teimosa. — E quais são os nomes deles.

— Marie e Jacques! — Respondeu Emilly, olhando para seus peixes. — Não são lindos?

— Bastante! Ficaria o dia inteiro aqui! — Comentou Viviane, também olhando para os animais no aquário. — O que não pode acontecer. Eu... Tenho que ir.

— O quê? Ir aonde? ­

— Não se preocupa, se eu fosse sair daqui eu te diria. Vou no refeitório pegar alguma coisa para comer. Pelo menos para encher o estômago até o almoço.

— Então tá. E falando em comer, eles também devem estar com fome.

— Até mais tarde.

Com isso, Viviane sai do quarto, deixando Emilly cuidar dos seus peixes. E, ao invés de seguir para o refeitório como acabara de dizer à amiga, seguiu um caminho diferente, indo até o terraço. Lá, milagrosamente está vazio; raras eram as vezes em que o lugar fica assim. Ela senta nas costas de uma das estátuas e vê se seu celular tem alguma mensagem da irmã. Infelizmente, não tem nenhuma. Respira fundo, encostando a cabeça na estátua. Só então percebe uma coisa: está ainda com a roupa do ensaio. Mal levanta, e é surpreendida por Edward.

— Até que enfim, consegui te achar.

— Você estava me seguindo? — Perguntou Viviane.

— Não vou mentir: estava, sim. Precisava falar com você. — Edward se mostrou sério, porém sua voz saiu um pouco menos rígida da que ele aplicou mais cedo.

Viviane olhou para o professor com uma indisposição enorme de conversar naquele momento, então respondeu no tom mais cansado possível.

— Eu não acho que é uma boa hora.

— Mas ela será. O que está acontecendo com você? Está outra vez caindo no seu desempenho.

— Por que quer saber tanto disso? O que acontece na minha vida é problema meu.

— Sim, tem razão, sua vida, seus problemas. Mas não posso deixar uma bailarina como você se apresentar desse jeito. Está óbvio que não presta atenção nas minhas explicações. Se continuar assim, seu destaque vai ser perdido.

Revirando os olhos, Viviane se vê vencida, sendo obrigada a dizer ao Edward o que estava acontecendo, uma vez que a garota sabia bem a situação que passava. Mas o problema era saber se alguém acreditaria. Então pensou em ocultar a verdade:

— Nunca ouviu dizer que as pessoas, às vezes,acordam sem disposição alguma para fazer qualquer coisa? — Ela olhou nos olhos de Edward, falando com o tom mais seguro em sua voz. Afinal, foi uma meia verdade: não estava com muita vontade de ir para a aula. Com sua cabeça cheia de perguntas, suas atividades no teatro foram as últimas coisas que queria saber. Vendo como Edward a fitou na explicação e não falou mais nada depois disso. Impaciente, e vendo que não recebeu nenhum comentário da parte dele, ironizou: — Então, posso ir embora , ou você ainda vai querer me dar um sermão por mais alguma coisa?

Ele deu um pequeno sorriso, antes de respondê-la:

— Não, sem sermões dessa vez. — Edward cruza os braços e abaixa a cabeça, respirando fundo antes de continuar: — Sinto muito por me intrometer na sua vida... — Faz uma pausa, respirando profundamente, outra vez. — Sabe? Eu.. Me preocupo com você. E já sabe: se precisar de algo, é só me chamar. Estou disposto a ajudá-la com o que quer que seja.

Viviane sorriu abertamente com o que Edward falou. Pelo menos soube que tinha alguém com quem contar, mas não falaria nada com ele sobre o "E.D.", nem nada parecido para não perder a amizade que fez com ele nos últimos dias; não era mais considerado uma relação de professor e aluna. Ainda sorrindo, Edward levantou a mão, colocando a mão no pescoço dela, que se surpreendeu com o toque. Ambos trocaram olhares por um tempo, e a garota viu nos olhos dele, uma expressão muito diferente da rigidez que ele geralmente tinha. Suas emoções ficaram agitadas, assim que sentiu um leve aperto da mão dele no seu pescoço, se aproximando lentamente do seu rosto; em momento algum Edward tirou os olhos dela, e sequer percebeu os lábios trêmulos da garota. Com um meio sorriso, ele interrompeu algo que Viviane pretendia falar:

— Escuta... — No segundo seguinte, Viviane sentiu os lábios de Edward tocarem carinhosamente nos dela. Que demorou um tempo até fechar os olhos, rendendo-se ao beijo, e pondo uma das mãos no ombro dele. E quando perceberam, ambos estavam abraçados.

Próximo a eles estava o vulto, na sombra projetada por uma das estátuas, com olhos possessos de raiva. Queria muito intervir, mas não sabia o que fazer, mas faria o possível para que aquilo acabasse. Para sua sorte, Viviane se afastou de Edward, porém com um sorriso nos lábios, enquanto o fitava. O que atiçou mais a raiva dele, foi ver que ele ainda acariciou um lado do rosto da jovem, dizendo calmamente que precisava ir embora. Ela assentiu em resposta, e o homem foi embora, deixando-a ali.

À noite, Viviane está deitada na cama, então escuta o som de notificação no celular: uma mensagem da irmã.

— Oi, irmãzinha! — Disse Vitória, dando início a conversa.

— Oi! Eu estava querendo falar com você mais cedo, mas você estava na aula, não era?

— E quando não estou, não é mesmo. — Vitória mandou emojis rindo. — Enfim, eu vim te trazer boas novas! A temporada de inverno é daqui a dois meses! E vão fechar as escolas e universidades!

— E onde isso seriam boas notícias?

— Acorda! Vai ser a oportunidade de viajar. E rever você!!

— Nossa! Agora sim! E, se quiser, guardo desde já um ingresso para você!

— Ótima ideia! Vou adorar vê-la dançando!

— Bem, agora tenho que dormir, Vita. Boa noite/tarde!

— É a primeira vez que a escuto falar isso. Teve algum problema, ou é uma programação especial para amanhã?

— Não, nada de especial. Não que eu saiba... É que não dormi muito bem ontem, e hoje foi um dia daqueles...

— Ah, entendo. Mas porque a senhorita não dormiu? — Vitória perguntou como se estivesse desconfiada que a irmã estava escondendo alguma coisa.

— Rolaram alguns imprevistos... Lorraine, por exemplo. ­— Viviane usou emojis revirando os olhos. E a irmã respondeu, revoltada.

— Mas que garota irritante, essa! Quero ver quando nos encontrarmos, em breve! Ninguém mexe com minha irmãzinha!

— Calma, irmã. Eu sei me defender. Mas não vou fazer nada precipitado. Espero até ela me atacar, para assim, eu revidar.

— Tá bem, então. Não vou gastar seu tempo. Sem falar que também tenho uma aula agora. Nossa! Só falta dois minutos! Tchau, Vivi!

— Tchau, Vita!