Viviane foi em direção às escadas, que levava diretamente ao terraço do teatro, onde não havia ninguém, a não ser um grupo de amigos, e dois casais que tiravam fotos. Ela continuou a caminhar por lá — um dos cantos da ópera que ainda não tinha ido —, até que parou de frente a uma gárgula, observando o pequeno movimento naquele lugar, que dava a vista perfeita da cidade, e do pôr do sol, com a luz tingindo os telhados com cores quentes. Ela se encantava com as cores e a tranquilidade da vista, que faziam esquecer dos barulhos de motores de carros e motos, as buzinas, o som dos passos das pessoas lá embaixo... Então, ela sentiu mãos frias tocarem nos seus ombros, seguida daquela voz grave, que sussurrou no seu ouvido.

— Saiba que acredito em você.

Viviane também sentiu uma das mãos sair do ombro dela, e começar a deslizar pelo rosto. Ela se controlou, e conseguiu sair de perto daquelas mãos, e falou baixo, para evitar chamar atenção dos casais.

— Se afasta de mim! — Quando virou para encará-lo, ele não estava ali. Outra vez. Ela ficou trêmula; agora estava acordada, e não poderia negar o que ouviu e sentiu. Andou de costas, para longe de onde estava, e assim que sentiu algo encostar nas suas costas, ficou tão assustada, que ao se virar, bateu com as costas da mão na gárgula.

Viviane saiu do terraço, descendo as escadas até o banheiro, onde lavou a mão, que ficara inchada com o impacto, com água gelada. Não doía tanto, mas queria evitar que inchasse. Quando olhou no espelho à sua frente, tomou um pequeno susto ao ver que Lorraine estava atrás de si, com um pequeno sorriso vitorioso.

— Anda, fala. O que você quer? — Viviane perguntou à Lorraine, sem nenhuma vontade de encará-la.

— Além de querer que você nunca tivesse posto os pés aqui? Absolutamente, nada. — Lorraine a respondeu, com as mãos na cintura. A brasileira virou os olhos, suspirando, e a outra pegou o celular no bolso, ainda com o sorriso no rosto, e mostrou a foto que tirara de Viviane e Edward; no modo como foi tirado, poderia ser interpretado que estavam juntos.

— M-mas... O quê...?! — Viviane ficou sem ter o que falar, estava envergonhada pela foto ao lado de Edward.

— Ainda quer admitir que não há nada entre vocês?

Depois de alguns segundos surpresa, Viviane mudou sua expressão para raiva.

— Escuta aqui, de uma vez! Não há nada! E quem você pensa que é, para tirar essa foto? Eu já falei que eu não gosto disso!...

— Tá, tá, tá! Que seja. Substitua seu lugar na frente comigo, e estaremos quites.

— Como é? Se quiser ficar no meu lugar, faça por merecer!

— Ah, é? Está esquecendo que posso enviar essa bela foto de vocês? Um novo casal...

Viviane ficou com o rosto num misto de vergonha e ira. Então, ela explodiu:

— Você não se atreveria a isso! Logo que isso nem é verdade! E você sabe!

— Bem, sim. Mas boa sorte tentando convencer toda a ópera. E para provar que estou falando sério... — Lorraine mostrou à Viviane a foto, enviada para Emilly, e esta tinha visualizado. O que ela estaria pensando? — Decidi começar pegando leve. E então?

Demorou quase dois minutos para Viviane responder, de tão constrangida que estava. Ela até nem se importou mais com sua mão num vermelho vivo.

— Piranha...— Viviane murmurou para si. E mesmo não entendendo, Lorraine a respondeu.

— Ah, desculpe. Por acaso disse “pode enviar para todos”?

Viviane fechou os olhos com força, e soltou de uma vez:

— Tá legal! O lugar é seu!

“Por enquanto.” Pensou Viviane, no momento em que ia para a porta, saindo do banheiro. Ela ainda continuava constrangida por conta da foto, ao mesmo que estava irada. Como Lorraine pôde jogar tão sujo? Mas que isso não ficaria assim, não ficaria! Aquela víbora ia pagar! A garota se esforçava, inutilmente, para evitar deixar algumas lágrimas serem derramadas, e enxugou o rosto diversas vezes com o pulso das mãos. Assim que viu que Emilly estava mais à frente, respirou fundo, esforçando-se ainda mais para conter as lagrimas. Tentou evitar ser vista pela amiga, o que não deu muito certo.

— Vivi! — Emilly se aproximou dela, sorridente e a abraçou com força.

— Oi... Emilly.

— Escuta, — Emilly soltou do abraço. — Foi mal ter reclamado com você. É que...

— Não, não. Tudo bem. Me desculpe, também.

— Está perdoada. — Emilly viu a mão avermelhada da amiga. — Nossa. O que aconteceu com sua mão?

— Não foi nada. Eu só bati, sem querer.

— Bem, eu queria falar uma coisa com você. — Emilly puxa Viviane para a parede e mostra a foto dela com Edward, enviada por Lorraine. — Isso é o que estou pensando?

Emilly sorria, enquanto a amiga quase para de respirar. Se Lorraine enviara para ela, agora não tinha dúvidas de que poderia enviar para o resto da turma. E falando no demônio, a garota passava pelo corredor e olhou de canto para Viviane, que a fuzilou com os olhos, apesar do rosto completamente vermelho. Depois de um tempo, tentou responder à Emilly, mas estava envergonhada demais para isso

— N-não... Isso... Eu... Tenho que ir!

Ela se afastou da amiga, a passos rápidos, e chegou logo em seu quarto, trancando a porta, em seguida. Deitou de bruços na cama, enterrando o rosto no travesseiro, e libertou a vergonha e tristeza em forma de lágrimas, que estavam presas desde que saíra do banheiro.

Conhecendo bem a amiga, e sabendo que ela não está bem, Emilly a segue e bate na porta, chamando Viviane, que a ignorou. Mas por pouco tempo, já que não podia evitar a amiga por muito tempo.

— Vivi... Pode abrir? Por favor? — Emilly encostou a testa na porta e continuou a falar, pacientemente. — Se foi por causa da foto, eu sinto muito. Caso eu tenha te ofendido... Não achei que...

Emilly parou de falar, após escutar o som da maçaneta, então, viu sua amiga abrir a porta, antes de ir rapidamente até a cama e enterrar o rosto no travesseiro, agora molhado com as lágrimas. Viviane, dessa vez, não chorava, mas fechou os olhos, e o punho, com força. Emilly se aproximou e sentou ao lado dela, depois de fechar a porta, e encostou uma das suas mãos nas costas da amiga.

— Amiga... — Começou Emilly, com uma voz calma. — Eu sinto muito, de verdade.

— Não é culpa sua. — Viviane falou baixo, quase murmurando. — A Lorraine nem devia ter tirado essa foto. Dá impressão de que o Edward e eu estamos... Ai! Isso é um completo mal entendido!

Viviane sentou na cama, ao lado de Emilly, desesperada. Sabia que aquilo não era verdade.

— Fica calma! Eu acredito em você. Mas me explica, o que aconteceu de verdade? Pode me contar?

— Bem... Foi depois de falar com o Edward, depois da aula ter terminado, ele me acompanhou por um tempo, antes de encontrar você. Aquela garota deve ter nos seguido e assim que chegou na hora certa... Tirou essa foto. — Viviane fecha os olhos com força, e desliza os dedos nos cabelos, apertando-os.

— E por quê ela tiraria essa foto?

— Manipular-me, é claro. Ela tirou e disse que que mandaria para todos se não aceitasse trocar de lugar com ela. Em suma, ela é a corista principal. Não quero nem pensar no que falarão de mim ao virem essa foto.

Numa forma de tranquilizar sua amiga, Emilly selecionou a tal foto e apagou do celular.

— Bom, de mim, essa foto não vai ser compartilhada.

A atitude da amiga fez Viviane dar um meio sorriso. Pois, embora fosse nobre de sua parte, ainda não impediria da própria Lorraine enviar as fotos.

— Obrigada. Me sinto um pouco melhor. — Viviane disse, sem ânimo algum.

— Não é isso que sua cara quer dizer. — Emilly levanta da cama da amiga. — Mas não vamos deixar isso ficar assim. Vamos jogar o mesmo jogo dela. Escuta... — Ela conta alguns fatos sobre Lorraine. — Podíamos usar algo para constrangê-la. O que acha.

— Pode ser. — Viviane aumentou mais seu ânimo.

— Que bom que concorda! Agora, anime-se um pouco. — Emilly puxa, de leve, Viviane. A fim de fazê-la se levantar. — Um copo d'água pode relaxar você.

Viviane deu um meio sorriso, mas não saiu do lugar.

— Grata, mas vou ficar mais um pouco aqui. A... Minha irmã deve estar online a essa hora.

— Tudo bem, então. — Emilly dá de ombros. — Mas, qualquer coisa, vai lá no meu quarto e me chama.

— Está bem. Obrigada.

— Por nada.

Emilly sai do quarto, deixando Viviane sozinha. Ela deita novamente em sua cama, retirando das cobertas um bilhete, que fora colocado debaixo de seu travesseiro, e ela escondera ali antes de deixar que Emilly entrasse no seu quarto. No bilhete estava escrito o seguinte:

“Não deixe ofuscarem seu brilho na primeira oportunidade que tiverem. E acredite: ela terá o que merece.

E.D.”

A bailarina colocou o bilhete sobre o peito e encarou o teto por um tempo, até decidir se levantar e pegar seu celular. Viu que tinha uma mensagem não lida da Lorraine; era uma imagem com uma legenda embaixo, na qual dizia:

“Somente para lembrá-la, caso não cumpra nosso acordo”

A imagem estava 97% carregada. Do nada, vários dos seus aplicativos não estavam funcionando como deveriam, e como consequência, a tal foto parou de carregar. Viviane tentava consertar, mas só havia uma alternativa: restaurar o celular e os programas. E depois de vários minutos falhando com outras opções, com um pequeno aperto, apagou os dados de tudo que tinha no celular. Trinta minutos depois de atualizar os aplicativos, ela voltaria à janela para ver a tal foto que a outra enviou, se tudo desta, estivesse na memória do telefone; em outras palavras, Lorraine tinha sido excluída de seus contatos, o que a tornava uma desconhecida.

Antes que pudesse sequer pensar no que faria, ouviu umas batidas na porta. Viviane então, levantou e abriu a porta.

— Você não vem? O jantar está pronto! E aposto que vai adorar o que é hoje. — Emilly sorria animadamente, e puxou Viviane para fora.

Realmente, ela adorou o que teve nesta noite: crepe e suco de manga como acompanhamento! Faz meses que não come algo tão bom assim. E ainda melhorou com a sobremesa que lhe serviram, tiramisù. Infelizmente, ela não era a única que adorou; as pessoas voltavam para repetir tanto o jantar como a sobremesa. Quando, enfim, Viviane tinha se acalmado com os acontecimentos à tarde, ela viu Lorraine, sentada na outra mesa, quase camuflada com outros artistas que também estavam ali. Só de olhá-la, a bailarina sentiu um desconforto, e “do nada”, perdeu o apetite.

E para não preocupar mais Emilly, Viviane levantou sorrindo. Disse que estava satisfeita, e que não aguentaria comer mais. Então, saiu do refeitório tranquilamente, em direção à varanda. A noite estava tão tranquila... Ela acalmou no silêncio que havia, enquanto a maioria ainda estava comendo, ou só conversando. Logo, aproveitando o tempo de paz, fechou os olhos calmamente, deixando duas ou três lágrimas caírem. Passaram-se apenas dez segundos, e escutou a voz do seu admirador sussurrando no seu ouvido.

— Não deixe-a se dar por vencida. Você ainda pode ganhar.

Ainda de olhos fechados, a garota percebe que ele encosta os dedos no seu rosto. E com esse toque, subitamente abre os olhos, e não vê nada, nem ninguém, mas sente suas bochechas mais secas. Demorou um tempo, até notar o que acabara de acontecer ali. Aquela voz... O que tinha acabado de falar... Cada palavra, na sua mente.

Mais tarde, naquela noite, algumas pessoas já tinham entrado nos seus respectivos quartos, entre elas Viviane, Emilly, e Matt. Quando Lorraine entrou no seu, estava empolgada pelo dia de amanhã. Ela deitou na cama, e assim que pegou no sono, sentiu um algo se mover pelo seu corpo, que a fazia se contorcer. Logo, acordou e levantou o cobertor, para ver que tinha uma centopéia ali. E como tinha pavor de insetos, pulou da cama, gritando. Ainda foi picada pelo inseto, o que provocou uma coceira intensa no local. Ela saiu do quarto desesperadamente, e o barulho tinha chamado a atenção dos outros, que ficaram preocupados.

— O que aconteceu? — Perguntou um deles.

Trêmula, Lorraine tentava explicar o porquê dela estar tão assustada, mas não conseguia. No meio das pessoas, ela notou que Viviane estava ali, e como o restante, preocupada. Naquele momento, o desespero se transformou em raiva.

— Você! — Lorraine disse, apontando para a rival. — Com certeza foi você quem fez isso!

Viviane ficou confusa. O que ela teria feito para ser acusada?

— Do que está falando? Eu não fiz nada.

— Não banque a inocente! Eu sei que você entrou no meu quarto!

— Espera um pouco, Lorraine. — Emilly falou, assumindo uma postura tão séria, que a fez parecer muito com o irmão. — Para quê ela entraria no seu quarto?

Lorraine deu de ombros, fingindo inocência.

— O motivo, não sei. Mas todo mundo, incluindo a Viviane, — Olhou com certa arrogância para a garota que mencionou. — que eu tenho um medo por insetos. E é bem provável que tenha colocado aquele... Bicho na minha cama! — Ela se contorceu ao lembrar do inseto passeando por ela.

Viviane, Matt, Emilly e mais algumas pessoas entraram no quarto de Lorraine para tentar encontrar o tal bicho que estava na cama. Mal chegaram lá e o encontraram. Viviane olhou com nojo para o inseto que passeava calmamente.

— Eca. Nem teria coragem de tocar... Por que acha que eu colocaria isso na sua cama?

— É mais provável que tenha deixado a janela aberta, não? — Matt perguntou, olhando a janela um pouco aberta. — Pode ser que tenha entrado por ali.

Os outros concordavam com a teoria. Lorraine estava sem argumentos, e não queria estragar seu plano antes de pô-lo em prática.

— Vou concordar com você dessa vez. Mas se isso se repetir... — Olhou para Viviane, furiosa. Estava certa de que a garota quis se vingar do que a mais velha fez: colocar a novata no fundo e conseguir o destaque.

— Caso isso se repita, sim. Mas eu manteria a janela fechada se fosse você. — Depois de ter dito isso, Matt pegou a centopéia e o jogou pela janela, e a fechou logo em seguida.

— Vamos embora pessoal. O show acabou. — Emilly diz, tocando no ombro de várias pessoas, gesticulando para todos darem meia-volta e seguirem de volta para seus quartos.

Viviane esperou que todos saíssem para conversar a sós com Lorraine. E quando aconteceu, a jovem cruzou os braços, indignada.

— Sério? Acha que eu colocaria um inseto na sua cama?

— E quais são as probabilidades de não ter sido você? Admita que queria se vingar por ter eu conseguido o lugar que tem era meu desde o início!

— Primeiro, o lugar é meu, e foi você quem me manipulou para tirá-lo de mim. E segundo, você sequer teve o trabalho de se esforçar um pouco para conseguir se destacar. Mesmo que tenha ficado como corista principal, você não durará um dia; se não posso fazer nada, o Edward pode.

Viviane não descruzou os braços em momento algum, enquanto olhava firmemente para a outra.

— E você se esforça? Porque até agora só a vi jogando charme para o Edward ao invés de fazer o que devia: dançar.

— Você sabe que isso é mentira!

Viviane começou a encarar Lorraine, e ambas não trocaram palavra alguma; só se encaravam como duas feras, prontas para atacar uma a outra. Um tenso silêncio foi feito no quarto, e apenas foi quebrado quando Emilly tinha aparecido na porta, então as rivais, enfim, pararam de se encarar.

Viviane seguiu seu caminho de volta para o quarto, sem olhar para Lorraine.

— Não se preocupa com isso. — Aconselhou Emilly.

— Falar é fácil...

— Nós ainda vamos dar o troco nela. Mesmo o plano dela dando certo ou não.

Viviane deu um meio sorriso e voltou para o quarto. E mais do que nunca queria se vingar dela. No canto, o vulto de olhos dourados a observou por um momento, antes de passear pelo corredor, até chegar no quarto de Lorraine, e olhar diretamente para a garota adormecida, como se dissesse: “Você vai desistir dessa ideia de ser o destaque, nem que eu tenha que lhe afogar numa piscina de insetos”