O dia seguinte iniciou com a tensão entre Lorraine e Viviane; ambas as meninas pareciam estar em guerra declarada, uma contra a outra. Estavam tensas, tanto na hora do café da manhã como no ensaio para a próxima apresentação, cuja ainda não tinha previsão de acontecer.

Edward logo notou que a mais destacada do coro ficou num lugar onde quase não era vista, e pensou que ela, talvez, tinha esquecido onde ficava, uma vez que ela mudou de posição recentemente. Mas notou algo errado, já que no lugar de Viviane estava Lorraine. O professor já estava começando a desconfiar daquela mudança e sabendo que se tentasse trocá-las de lugar, isso geraria uma confusão com as duas, deixou como estava. Fora Emilly, Matt e a maioria dos alunos também estranhavam o motivo das garotas trocarem de lugar, e pensavam que o motivo era a falsa acusação de Lorraine contra Viviane. Porém, ninguém comentou sobre o assunto.

Depois de uma hora e meia de ensaio, e, já prevendo que Edward iria questionar o por quê da troca, Viviane continuou na sala, próxima ao professor, calada; consequentemente, Lorraine também ficou, quando percebeu que a rival iria falar com o professor. Este cruzou os braços tornando-se mais sério que de costume:

— Estou feliz que tenham ficado. Precisava mesmo falar com vocês sobre essa tal troca. — Olhou para as meninas com a mesma intensidade, e ao mesmo tempo, acusando a ambas.

— Por acaso está insinuando que a culpa foi minha?! Eu não fiz nada demais! — Lorraine interpretou errado, e gritou com o professor de tão irritada que ficou.

— Não acuso só você, Lorraine, como também acuso a Viviane. — Volta o olhar completamente a garota. — Você não abriria mão de ser a corista principal. Não sei se é algum acordo, ou se é simples timidez. Mas seja qual for, cumpra o seu papel e fique onde lhe escalei. — Retornou a olhar para ambas as meninas. — Espero que na nossa aula à tarde tudo esteja resolvido.

— À tarde? — Viviane perguntou.

— Sim. De manhã, muitos dos professores, incluindo eu, vamos estar em um compromisso pela parte da manhã.

— Ah, é mesmo. — Lorraine disse. E depois de uma pequena pausa, esta resolve perguntar: — Então... Podemos ir embora?

— Podem. Mas é bom que tudo esteja resolvido até a próxima aula, ou vou ser obrigado a suspender as duas.

Por um breve momento, Viviane jurou ter visto o quão emocional ele tinha ficado quando disse que iria suspendê-las; olhou duro para Lorraine, e depois que virou o olhar para a outra, teve um olhar um tanto penalizado. Quando as meninas estavam no corredor, a mais nova resolveu comentar:

— Pelo visto, seu plano não deu muito certo. Agora pode devolver o meu lugar? — Perguntou, sorrindo de canto. Lorraine soltou um breve riso forçado antes de respondê-la:

— Até parece. Já estou preparada para isso. Você fica no mesmo lugar que a coloquei!

Viviane para subitamente, e puxa Lorraine pelo ombro, fazendo-a que pare também.

— Já pensou que isso poderia fazer o Edward nos suspender? O que acha que vai ganhar se estiver fora também?

— Quem disse que eu vou sair? — Lorraine deu um sorriso malicioso. — E além do mais, o Edward fala isso o tempo todo, e nunca cumpre o que diz. Por que acha que vai ser diferente só por ele ter dito isso a "garotinha especial"?

Controlando a raiva, Viviane fechou os punhos e andou para longe da mais velha, antes que pudesse tomar uma atitude precipitada. Lorraine, por sua vez, seguiu o caminho oposto, em direção ao palco. Emilly assistiu toda a situação, e quando a viu ir para o palco, correu para chamar a amiga, que foi para o quarto.

Viviane estava tirando as sapatilhas de balé, e soltando o cabelo, quando sua amiga estava batendo na porta, chamando-a. Normalmente, a bailarina abriu a porta. Mal deu tempo dela falar alguma coisa, e a outra a puxou para fora do quarto, levando-a para o palco. Chegando lá, Emilly sussurrou:

— Está acontecendo! Vem! — Ela sorria abertamente, como se o que quisesse mostrar à amiga fosse algo inédito.

— O que é que está acontecendo?...

Emilly tampou a boca de Viviane, e disse para ela fazer silêncio. Elas andaram a passos lentos e cuidadosos, e se esconderam numa das coxias. Do outro lado do palco, estava Lorraine com um dos técnicos de lá; um homem jovem, e uns três a quatro anos mais velho que a moça. Que enrolava um dedo cacho do seu cabelo, falando calmamente com o homem, com um sorriso bastante sedutor.

— Podemos gravar e usar para chantageá-la. — Emilly sussurrou, já pegando o celular.

— Por mais invasão de privacidade que seja, grava agora. — Viviane sussurra de volta para a amiga, que começa a registrar tudo.

Não passou 30 segundos de gravação, e Lorraine foi pega beijando o homem com quem conversava. E no final do vídeo, ouviu-se que o tal homem faria se destacar, iluminando mais para o lado dela do que os outros. Essa informação quase fez Viviane enlouquecer; mesmo que conseguisse o lugar, quem se destacaria era Lorraine, por ter o holofote todo – ou quase todo – só para ela! O casal se separou, enfim, indo cada um para seu lado. E assim que Lorraine saiu do palco, as meninas a pararam, com Emilly dando início a uma provável discussão:

— Não sabia que você tinha um namorado.

Lorraine fez uma cara de desentendida antes de responder:

— Eu não tenho. Ainda não... — Enrolou os dedos nos cachos mais uma vez, fazendo a mesma expressão que fazia ao técnico.

— Ah, então estão começando agora? — Viviane provocou. Isso fez Lorraine paralisar de vergonha:

— Espera. O quê? Como...?

— Nós vimos tudo. E esse vídeo é mais verídico que a foto que me mandou — Emilly mostrou o celular com o vídeo gravado. Lorraine segurou e rapidamente apagou.

— E para quem vai enviar? — Antes que ela pudesse sorrir, Viviane respondeu a pergunta:

— Ela enviou para mim. E boa sorte ao pegar meu celular e descobrir a senha. — Viviane notou que o sangue de Lorraine começou a ferver. — Só me deixe voltar ao meu lugar, e apago isso. E, claro, apague aquela foto.

— Até parece que só por causa desse vídeo vou trocar de lugar com você!

— Bem, — Emilly começou. — soube que você está meio que afim do Edward. Imagina quando ele ver esse vídeo.

Lorraine ficou quieta por um tempo. Não sabia o que fazer. Respirou fundo diversas vezes, antes de pegar o celular e apagar a foto tirara; isso na frente das meninas, que sorriam vitoriosas.

— Apaga esse vídeo e estaremos quites. O lugar é seu. — Ela saiu dali, antes que não só as amigas como todos os outros a vissem vermelha de vergonha e raiva.

Cumprindo suas promessas, Lorraine ficou no lugar de trás, e Viviane não mostrou o vídeo para ninguém. Exceto para o amante de Lorraine, o técnico que prometeu o destaque a ela. Na aula à tarde, tudo foi normalizado, e Edward não falou com ninguém depois das aulas; tampouco com Lorraine ou Viviane.

À noite, quando a maioria estava dormindo, Viviane olhava alguns vídeos no seu celular, quando ouviu batidas leves na porta. Pensando ser Emilly, a garota levantou e abriu a porta, quase a chamando. Porém, ao chegar na porta, não viu ninguém, nem um bilhete no chão, mas ouviu um piano tocando a sua música, vindo do fim do corredor. Um pouco depois do palco, onde o piano ficava? Curiosa, andou até o fim do corredor e, chegando lá, não viu nada além de uma parede, mas o som continuava a tocar, e tudo indicava que o caminho era por ali.

— Sim, o som vem dali. — Falou a voz grave atrás de Viviane, respondendo a pergunta mental dela. Que quando olhou para trás, não viu nada a não ser um corredor vazio. Aproveitando a distração da garota, o vulto abriu uma passagem secreta, que permitiu o som do piano passar livremente pela parede. Assustada mas intrigada, ela olhou a passagem em volta e entrou. No mesmo instante que entrou, o vulto fechou a porta atrás dela, que tentou abrir, sem sucesso.

Trêmula e sem opção, Viviane entrou no corredor escuro de pedras que era iluminado por tochas. Ela desceu uma pequena escadaria, então se deu conta de onde estava: no lago abaixo da ópera! Mas o que ela fazia ali? Era um dos lugares que nem os donos do teatro podiam ir! Somente pessoas autorizadas, preparadas e/ou qualificadas entravam lá. Pensou seriamente em voltar, mas quem tocava o piano estava do outro lado do lago, e tinha uma travessia estreita até lá. Bem, o que era uma gota d'água para quem estava toda molhada? E já que estava ali... Atravessou a calçada, até que chegou ao outro lado. Percebeu uma pequena claridade amarela no fundo, talvez fosse de lá que a música tocava. Chegou de onde a luz vinha e se deparou com uma sala iluminada por velas em candelabros, um divã, um tapete persa grande no centro, paredes de pedra com colunas, e um piano. Atrás da pequena sala tinha um quarto, mais escuro, com um caixão lá dentro. Tudo no lugar era antigo e empoeirado, como se não fosse limpado há anos; mas se fosse o caso, essas velas não estariam acesas. A música parara no momento em que a garota pôs os pés naquele lugar, permitindo, assim ouvir o som das águas batendo contra as paredes ao redor.

— Olá? — Viviane falou num tom normal, mas o silêncio fez sua voz ecoar por sabe-se lá quantos metros de distância.

— Enfim, podemos nos conhecer. — A voz logo a respondeu.

— Q-Quem é você? — Viviane começou a ficar com medo, mas a voz a respondeu de maneira calma:

— Creio que já lhe respondi essa pergunta antes.

— Mas... O seu nome... — Viviane andou um pouco para trás.

— Isso não posso lhe dizer. Não agora. Apenas me chame pelas minhas iniciais.

— E.D.?

— Exatamente, minha cara.

— Onde você está? — A garota olhou para todos os cantos existentes no lugar, porém, não viu ninguém.

— Em toda a parte.

— Por favor, deixe eu te ver.

— Apenas se estiver preparada. Afinal, quero ajudá-la.

— Me ajudar? Por quê? — Viviane adentrou no lugar, procurando uma pista do tal remetente.

— Acredite, será um caminho longo até alcançar o topo. — Quando menos esperava, a garota sentiu sua pele arrepiar ao sentir toques frios dos braços envolvendo-a num abraço mais forte que o que sentira dias atrás, mas com a mesma sensação. Tendo-a completamente relaxada, o vulto sussurrou no seu ouvido: — Estou criando atalhos para você.

Era uma sensação estranha, que arrepiou Viviane totalmente, fazendo o coração dela acelerar. Gaguejando, a moça falou:

— V-Vai me ajudar?! — Como o vulto tinha sussurrado, Viviane seguiu o jeito dele de falar, que soou um pouco paquerador.

— Vou sim. — Sussurrou de volta para ela. — Além de treiná-la nas suas aulas de canto. — Levou uma das mãos ao pescoço da jovem, deslizando os dedos delicadamente. — Soube que tem uma voz maravilhosa.

Viviane ouviu isso, e olhou para o lado, vendo os olhos dourados do vulto bem alto em relação à moça. Que ao virar-se mais, ele desaparecera completamente.

— M-Mas o quê...? — A garota se assustou, mas se controlou. — Por favor, deixe eu ver você.

— Você não está pronta. — A voz do vulto ficou mais baixa.

—Eu o escuto, sinto-o tocar em mim... O mínimo que podia fazer era vê-lo. Por favor. — Ela esperou por uma resposta que não foi dita. E um silêncio foi feito. — Eu quero conhecer meu admirador.

Outro silêncio foi feito até que ele respondeu:

— Prometa que não contará a ninguém. Nem que me viu, nem o que aconteceu. — O vulto viu a garota assentindo com a proposta. — Ótimo. — Na frente de Viviane, apareceu um homem alto, de olhos dourados, vestido com um terno, luvas, calça e sapatos sociais, tudo preto, usava uma máscara negra que cobria parcialmente seu rosto, lábios finos, e um capuz negro, que cobria sua cabeça. Era magro, e a pele era um pouco escura, por conta das roupas pretas. O que a assustou foi que ele apareceu do nada. O coração de Viviane nunca bateu tão rápido em toda sua vida. Não era só alguém desconhecido, como também estava diante de um fantasma! Ela queria gritar, mas quem a ouviria? Seria inútil. Quando quis correr, suas pernas ficaram bambas, sem querer sair do lugar, então, caiu. O pior de ver o fantasma, foi ver que ele sumiu. Sua voz surgiu acima dela, uma voz calma, mas não tão confiante. — Não há nada a temer. Pode acalmar-se.

— Fácil dizer. O que quer de mim? — Pelo calor do momento, Viviane gritou com a voz. Que não a respondeu. — Fala!

— Acho que já descobriu o suficiente de mim por hoje. — O vulto engrossou o tom da voz, mas ao ver que aquilo não ajudou a acalmar a garota, ele voltou a falar calmamente. — Mantenha sua promessa: não conte a ninguém o que presenciou, muito menos o que houve aqui embaixo.

Mesmo assustada, a garota concordou. O vulto reapareceu na entrada do lugar, indicando para Viviane ir embora. Já recuperada, ela levantou e, encarando o espírito, saiu do lugar, e foi para a superfície, seguindo o mesmo caminho que veio, com a porta da passagem abrindo “automaticamente” para ela sair. Chegou no quarto confusa, porém, com uma sensação que não conseguia explicar. A imagem do fantasma mascarado ficou na sua mente. Seu dia foi repleto de emoções, e tudo indicava que amanhã também seria.