Morpheu se livra da camisa assim que eles entram, abandonando o casaco sobre a única cadeira do quarto, ao lado da porta, esfregando as mãos no rosto, suspirando cansado.

– Partiremos amanhã a tarde, já discuti o que precisava. – ele diz, vago, com o se falasse sozinho apesar de o doutor estar presente.

– Sim, senhor. – ele diz, tirando as luvas novamente e deixando-as sobre a mesa ao lado da janela.

Ele olha para fora por um longo momento, entretendo-se com a vista e o som do comandante substituindo suas roupas por um moletom qualquer que ele tenha encontrado em sua bagagem.

– Klaus.

Ele se vira emitindo um som fraco de questionamento, virando-se e assistindo o comandante soltar o cabelo, então caminhar até ele, o doutor caminha para trás, até encostar no vidro gelado da janela, que o tecido fino de sua camisa não supre em isolar.

Apesar disso sua prioridade é não quebrar o contato visual, assistindo em seu campo de visão enquanto as mãos do comandante se estendem aos botões da camisa, abrindo-a devagar, dando tempo para que ele protestasse seus avanços entre cada botão.

Mas ele não disse nada, nem perguntou nada.

Na verdade nem ao menos respirava, o fôlego aprisionado na garganta com a sensação temerosa de que se dissesse algo, se viesse a se mover rápido demais, fosse tudo se perder.

Com o último botão aberto as mãos de Morpheu circulam sua cintura, aplicando pressão, o atrito bem vindo subindo suas costas, arqueando-se de leve na direção do toque, levando a camisa embora, e deixando-a descartada no chão.

Toque novo, imprimindo novas marcas na pele mais grossa.

Morpheu se inclina na direção do médico, a respiração quente contra a pele fria, expulsando arrepios e respirações falhas de pulmões a muito negligenciados.

Atreve-se a estender as mãos que pendiam ao lado do corpo, hesitante entre tocar ou não as costas do comandante, sentindo a temperatura que emana dali, já familiarizado com a sensação, mas nunca desse jeito.

Nunca assim.

Nunca tão perto.

Nunca tão terno.

– Vá em frente... – a voz de Morpheu é suave e encorajadora, confortável.

Suas mãos repousando, geladas, na pele quente, sentindo o comandante abandonar o fôlego de seus pulmões contra seus ouvidos, diminuindo um pouco mais o espaço que havia entre eles.

Contato tão bem vindo.

Contato tão necessário.

Levou as mãos até o rosto do comandante, recusando-se a pensar antes de atar seus lábios aos dele, compartilhando o ar de seus pulmões, sentindo o comandante pressiona-lo contra o vidro da janela, levantando-o no ar até que seus pés não mais tocassem o chão.

Ambos, literal e metaforicamente.

Tinha cheiro de morte e perfume.

E poderia viver o resto de sua vida apenas com isso.

As mãos do comandante o sustentavam no ar, segurando suas coxas, que ele não demora muito a atar ao redor do torso de Morpheu num único movimento fluido e suplicativo.

Havia esperado tempo demais.

Mordendo a língua em silêncio quando de seus lábios o comandante passaram ao seu rosto, sua mandíbula, seu pescoço, distribuindo pequenas mordidas em sua clavícula e por seu ombro.

– Morpheu...

Teve que apoiar os antebraços nos ombros do comandante quando ele o tirou da janela, carregando-o pelo quarto até a cama, agachando para coloca-lo sobre ela devagar, escalando a superfície macia, mantendo o contato visual e dizendo baixo, em tom de segredo:

– Perto o bastante pra você?

– Não.

– Eu esperava que não.

Ele se inclina novamente, voltando de onde tinha parado, por seu peito para subir de novo pelo outro lado, aplicando a mesma quantidade de esmero atencioso.

Klaus começava a ver pontos luminosos em sua visão, deixando um dos braços sobre os olhos, contendo sua respiração, sua voz.

Sabia que se ouvissem, se soubessem, tentariam tirar Morpheu de seu alcance...

E não podia aceitar que tentassem algo assim.

Colocaria fogo nesse reinado para tê-lo de volta.

E a julgar pelo próprio torpor, não sabia ao certo quando, ou se o resto das roupas haviam sido removidas, mas a súbita mudança de posição o fez segurar nos ombros de Morpheu, fincando suas unhas na carne macia, arrancando um sibilar não totalmente contrariado do comandante.

Mas sentia o sangue escorrendo dali, numa cadencia fraca, nada que realmente fosse fazer falta. Mas a culpa o atingiu mesmo assim.

Contudo ele não parecia incomodado, quando fez menção de tentar se desculpar, Morpheu prende seu lábio inferior entre os dentes, mordendo de leve, arrancando as palavras do alcance de Klaus antes de que ele pudesse terminar de formular a frase.

– Shhh... - ele sussurra, baixo, imperativo.

Klaus apenas acena com a cabeça, em silêncio, tentando manter o tremor em suas mãos sob controle.

Então Morpheu faz menção de se levantar, mas Klaus segura ambos os seus pulsos.

– Não... Não me deixe.

Morpheu para, olhando na direção do doutor por um momento, sentindo a urgência, a súplica velada nos olhos do médico, na forma como suas mãos tremiam, como seus olhos pareciam se forçar a permanecer abertos, a permanecer em foco.

– Eu preciso de você, Morpheu...

Tão passional, tão próximo e necessário.

Tão predatório e corrosivo.

Algo na linha fina de controle que Morpheu acreditava ter sobre sua vida evaporando, escapando de suas mãos não importando o quanto ele tentasse pegá-la de volta. Um gatilho do passado, de outro tempo.

Já havia ouvido isso antes, de inúmeras outras vozes, sem rosto, sem nome.

Pessoas que não conseguia atribuir significado, atribuir importância.

Gente com palavras doces, com ações carregadas de uma lascívia forte e tóxica.

E em todas essas ocasiões no passado, Morpheu havia acatado os pedidos, as súplicas, gemidos, sussurros e promessas.

Seus olhos sempre imunes, distantes, indiferentes.

Um tempo que ele queria esquecer.

– Não diga isso...

Klaus se pôs sentado, encarando os olhos vítreos do comandante com uma seriedade comprometida, que se fosse um pouco mais abstraída, mais lúdica, Morpheu conseguiria atribuir o significado de amor.

Mas o conceito parecia tão perdido e desbotado, que não lhe causava mais do que uma sensação apática de neutralidade.

– Mas eu preciso.

Morpheu levanta, encostando na parede, de repente muito consciente da sensação pegajosa que aquela casa lhe causava, as memórias impregnadas junto dos sussurros pelas paredes... Seu estômago reclama, querendo que ele esquecesse.

Esquecesse de novo.

– Não diga isso. – ele esfrega o rosto nas mãos, sentindo as mãos esfriarem, tremerem com a sensação rançosa de infidelidade, de imundice.

De vulgaridade.

Klaus levanta, atravessando o quarto, contendo o estremecer involuntário do contato da própria pele com o ar gelado que tinha de encarar agora que Morpheu estava distante.

– Eu vou repetir até você entender.

– Klaus não faça-

– Eu.

– Não...

– Preciso.

– Klaus...

– De você.

Morpheu estala a língua no céu da boca, pegando o doutor pelos ombros, contra a parede, em seus olhos uma faísca de desaprovação.

– Sabe que estou me acostumando com você me jogando contra superfícies planas, comandante. – ele diz, inclinando o peso para frente apenas para ser prensado contra a parede de novo. – Talvez esteja começando até a gostar.

– Você ao menos sabe o que isso quer dizer? – sua voz volta a ser baixa e autoritária, a sensação abrasiva em seu estômago de quando perdia o controle de si mesmo.

A função de comandante o servia bem.

– Acha que por que eu não sou humano eu não sei o que eu sinto? Acha que eu diferente de você? Que eu não sinto? Que quando queima, não arde tanto quanto arderia em você? Morpheu não é por que eu não morro quando sou apunhalado que deixo de sentir a dor da lâmina da mesma forma que você.

– Klaus, eu não-

– Não. Cale-se. Me escute uma vez na sua vida. – Morpheu se coloca em silêncio, suspirando e apoiando o rosto num dos ombros do doutor, fechando os olhos e afrouxando um tanto a pressão que mantinha dos ombros do médico. – Eu me dei a você, para que me usasse como quisesse... Mas não sou um bem, não sou de porcelana, fiz seu nariz sangrar, me dê algum crédito. – ele sorri, correndo os dedos pelo cabelo loiro fino.

Morpheu ri, a tensão em seus ombros tornando-se menor.

– Começo a pensar... – Morpheu começa, tomando fôlego e encontrando os olhos cinzentos tempestuosos do doutor, com uma atitude nova, perigosamente comprometida. – Quem será a ruína de quem aqui.

– Ambos estamos arruinados, comandante. Faça uso do tempo que tem com sabedoria. – ele enrosca os braços ao redor dos ombros do comandante.

– Então me dê algo pra lembrar.

– Eu te darei o que você quiser, Morpheu.

Em alguns segundos, Morpheu tem o doutor preso contra a parede, com os braços em seus joelhos, parado entre as pernas do doutor atado aos seus ombros.

– Vou fazer um estrago tão sério em você... – ele diz, quase que pensando sozinho.

Klaus se resume a rir.

– Eu desafio você a tentar, comandante.