Central bar, Minneapolis (4 anos atrás) - 20:10 hrs

Assim que as bebidas foram servidas, Prince ignorou o copo lustroso que o garçom havia disponibilizado e agarrou a garrafa de típica coloração verde. Ingeriu o líquido quase que completamente. Michael levou a mão até a cerveja e deu um leve empurrão para baixo, incentivando o rapaz a abaixar e desistir daquela ideia.

— Você veio encher a cara ou falar comigo?

— As duas coisas…

Prince suspirou e deixou a bebida de lado.

— Eu tive um dia merda… Só isso.

— Você tem um empresário e está sendo requisitado para abrir shows. O que tem de ruim nisso?

Indagou o bad boy, aproveitando para molhar a garganta. Pediu uma bebida sem álcool, já que optou por vir de moto. Prince o encarou com um olhar assassino.

— Vai se foder…

Michael não se ofendeu, já havia adquirido intimidade o suficiente para se acostumar com aquele jeito imprevisível do cantor iniciante.

— O que eu disse?

— Pra você é muito fácil, não é? Você é um filhinho de papai, tá sempre ostentando. Se eu perder meu empresário, eu me fodo.

— Sim, é por isso que eu não entendi seu problema. O que aconteceu pra você ficar assim?

Ele suspirou.

— Porra, se você não viu… melhor deixar assim. Foi uma merda…

Michael arqueou a sobrancelha.

— Foi… aquele show, não foi?

Prince virou a garrafa mais uma vez e ingeriu o líquido.

— Mark me convenceu a voltar, mas pra passar tudo aquilo de novo? Ninguém merece, Michael…

— Deixa isso. Na vida de cantor, isso é comum. Se você tem um empresário, é porque você é bom, ninguém investe dinheiro em um desconhecido sem garantia de retorno. Não deixe que te digam o contrário.

Prince o encarou, um pouco surpreso. Ele esperava até mesmo um "sinto muito" ou "é assim mesmo", mas não todo aquele "apoio".

— Ah, bom… Obrigado.

Michael levantou a bebida, sorrindo, e tomou um gole.

— Além do mais… eu entendo um pouco de show business.

— Sério? Que história é essa?

— Comprida, muito chata, não vale a pena. Mas te digo uma coisa, se você faz dinheiro de alguma forma, não é um show ruim que vai te derrubar. Só… cuidado pra não te colocarem uma focinheira.

Prince arqueou a sobrancelha. Ele ainda era novo naquele mundo do entretenimento, mas sentia que estava preparado para tudo, ele sabia se impor.

— Se vierem tentar, eu vou morder.

Michael deu uma risada e foi acompanhado pelo amigo.

— Mas, sério, como você entende tanto desses negócios? Você já tentou iniciar carreira?

— Hum… é. Não deu certo.

— Então você canta ou toca? Por que nunca me disse isso? Há dois anos você me conhece, você podia fazer parte da minha banda…

— Não faz diferença, eu parei, mas eu agradeço o convite.

Prince não insistiu por agora, porém iria questioná-lo em um momento mais apropriado. Se era para ser amigo dele, tinha que ser do jeito certo, pensou.

Resolveu cortar aquela conversa, até mesmo para que o bad boy ficasse mais confortável.

— Okay… veio de luvas. Reparei agora…

Prince foi avançando em uma das mãos do amigo e puxou para conferir o ornamento. Eram luvas de couro preto que cobriam toda a mão. Eram adornadas com uma fivela metálica cujo nome do rapaz estava gravado.

— É bem bonita… bem seu estilo.

Michael deixou um riso de canto escapar. Quando ia puxar sua mão de volta, Prince tentou inocentemente remover uma das luvas, queria usar para ver se eram confortáveis, eles já eram amigos a esse ponto, porém Michael reagiu de forma estranha e impediu que o cantor prosseguisse com sua ideia.

— Não, Prince, eu…

— O quê?

— Eu tô escondendo uma… um acidente, okay? É uma cicatriz.

Ele franziu o cenho.

— Cicatriz? E não pode me mostrar?

— Por que você quer ver?

— Por que você esconde as coisas de mim? Eu sou seu amigo, não sua namorada. A gente se conhece há dois anos, você vai na minha casa.

— Prince...

— Michael… eu nunca fui na sua casa, você não me fala de si mesmo, eu nem sei o que você fazia antes de me conhecer, e agora isso… Ah, e você tá mais pálido, você fica doente e nem me fala nada.

O rapaz suspirou.

— Tá, eu te mostro. Mas não aqui, okay? Bebe sua cerveja, na sua casa, eu te mostro.

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Paisley Park, Chanhassen (atual) - 14:15 hrs

Assim que o nome do seu convidado foi proferido, Prince ficou em silêncio. Não disse mais nada. Paisley Park nunca esteve tão silenciosa quanto naquele dia. Normalmente aquelas paredes brancas ecoavam música, aquele santuário era adornado de música em cada extensão, em cada cômodo, em cada objeto, cor, sentimento… Mas, naquele dia, o santuário do Prince estava em profundo silêncio.

Era ele. Estava um pouco mudado, isso era perceptível, mas era ele. Seu coração foi inundado de perguntas: o que ele estava fazendo aqui? O que diabos ele escondia? Quem é ele? Quem, definitivamente, é ele?

Jones percebeu um clima estranho vindo dos rapazes, sobretudo Prince, que parecia um pouco chocado. Michael levou os braços por trás do corpo e, com um sorriso de Monalisa no rosto, manteve o silêncio, para a confusão do cantor.

— Eu… suponho que já se conheçam?

— Errado…

Murmurou Prince, virando o olhar para o empresário.

— Digo… Jones Jr., que… que surpresa. Eu nunca ouvi falar desse rapaz. Ele fala? Porque ainda não o ouvi falar. Se ele não fala, vai ser difícil cantarmos juntos, não acha?

Usar sarcasmo e humor ácido era o seu melhor jogo, então ele usou com prazer. Ver o seu antigo amigo nessa situação só lhe provocou memórias do passado, de quando ele lhe escondia detalhes de sua vida. Prince sentia que não podia confiar completamente em Michael, assim como ele mostrou não confiar no cantor.

— Mas ele fala. É que ele é tímido, não é, Michael?

O rapaz não reagiu com palavras. Deu ombros e deixou um sorriso mais evidente. Prince já estava começando a se enfurecer.

— Quantos anos ele tem?

— Er… Michael, quer responder?

O rapaz fez um sutil balançar negativo de cabeça.

— Bom… Ele tem 24 anos. É sua idade, não é?

Obviamente Prince já sabia a resposta, só estava esperando o empresário morder a isca para que ele colocasse seu plano em ação.

— Mesmo? Minha idade? Que interessante… Acho que vamos nos dar bem.

Prince sorriu, um sorriso perverso disfarçado de boas intenções, que Michael prontamente reconheceu, porém não recuou.

— Me dá um tempo com ele, Jones? Vamos conversar um pouco. Estou curioso.

O homem sabia que isso era raro vindo do cantor e prontamente concordou. Ele virou-se para Michael, já sentindo-se vitorioso, e fez um sinal positivo de cabeça.

— Claro! Michael iria adorar conversar. Eu irei dar uma volta, vejo vocês logo, tudo certo?

— Vai lá...

O cantor esperou para que o homem saísse, e, só após ouvir o perceptível som das portas se fechando, ele aceitou que, agora, estavam plenamente a sós. O moreno encarou o seu antigo amigo de cima abaixo, tentando relembrar de sua antiga aparência. Ele estava tão pálido, mas o rapaz já tinha uma ideia do que se tratava. Para além, seus cabelos pareciam ter crescido um pouco, seu rosto estava mais delicado, os lábios pareciam mais finos. Ainda não havia visto seus olhos, era por eles que Prince teria certeza se tratar do mesmo rapaz que conhecera anos atrás.

— Michael… vamos jogar?

O cantor sorriu e lentamente se afastou do rapaz, o guiando para sua sala de lazer. Michael custou a acompanhá-lo, parecia um pouco confuso com o que ele estava planejando.

Prince suspirou.

— Você não quer que eu te carregue também, né? Vamos...

Disse. O rapaz resistiu por uns instantes, mas acabou desistindo. Ele o acompanhou até uma sala menor e seus olhos negros percorreram por todo o ambiente. As paredes claras estavam adornadas de discos, pinturas e cartazes, Prince adorava uma decoração moderna e despojada. O chão estava coberto por um longo e felpudo tapete azul celeste, e as luzes do teto brilhavam em amarelo e rosa. Era tudo muito bonito, mas o principal estava ali, no centro da sala. Uma mesa de ping-pong tradicional. Era o objeto mais "comum" daquele lugar.

— Vamos. Eu começo.

Prince avançou em uma das pequenas raquetes que haviam ali, enquanto Michael timidamente se armou com a outra. O jogo começou sem prévio aviso, o cantor lançou a bolinha e raqueteou. Michael perdeu a primeira jogada, sequer havia visto a bola sumir pela sua direita. Ele suspirou, sem compreender o que o rapaz queria com isso.

— Ganhei. Eu faço o saque.

Jogou mais uma vez. Michael raqueteou com maestria, embora acreditasse que aquela tacada havia sido mera sorte. A resposta chegou depressa, pois Prince raqueteou o seu saque sem maiores dificuldades, e o moreno não conseguiu se defender dessa jogada.

— Ganhei. Minha vez de novo.

— Prince…

Assim que ouviu aquela voz, seu corpo travou. Prince ainda não teve acesso aos olhos do seu amigo, não podia garantir com certeza de que ele era, de fato, o seu antigo amigo, mas aquela voz era inconfundível. Era doce, branda, melodiosa e quase sobrenatural. Era inegável, claro, único.

— Você sabe falar? Que interessante…

Mais do seu humor ácido. Michael repousou a raquete na mesa e, enfim, retirou os óculos, os colocando no bolso da frente. Prince enfim pôde contemplar os seus olhos negros, profundos e cheios de mistérios. Era mesmo ele, pela primeira vez teve certeza de suas suspeitas.

— Michael, Michael… Te chamo de Michael ou de Sr. Jackson?

O rapaz ficou em silêncio, parecia reconhecer que, agora, não tinha mais para onde ir. Ou ele lhe contava toda a verdade, ou perderia completamente o pouco de consideração que Prince ainda tinha por sua pessoa. Michael ainda parecia interessado em reaver essa amizade.

— Você sabe que não precisa de formalidade.

— Na verdade, eu não sei de mais nada. Você some e aparece, do nada, com uma carreira musical consolidada. Você ao menos sabe por que eu estou tão puto?

Ele aquiesceu.

— Eu precisava esconder isso.

— Nós éramos amigos e eu queria que confiasse em mim, mas, agora, não somos mais nada. Você não tem a obrigação de me contar nada.

— Eu sei, mas… Eu confio em você, Prince. Eu confio, de verdade, e é por isso que eu vim aqui.

Ele arqueou a sobrancelha.

— Confia em mim pra quê?

Michael suspirou.

— Eu preciso de ajuda.