— Não, eu não li o jornal. O que tem?

Michael balançou a cabeça positivamente, num sinal de que ele devia fazer isso se quisesse ver as respostas. Prince suspirou e acabou se lembrando da inquietude de Luna mais cedo, talvez as coisas estivessem interligadas.

O cantor lentamente se afastou para buscar o jornal, mas Michael removeu um celular do bolso.

— Tempos modernos, Prince…

O moreno franziu o cenho, ainda não gostava daquela tecnologia toda, exceto se lhe ajudasse de alguma forma na música. Ele tomou o celular da mão do rapaz e começou a explorar o feed de notícias.

Havia muitas, muitas informações com o nome do Michael. Prince estava um pouco disperso das notícias recentes, pois passou essas últimas semanas trabalhando no seu próximo álbum, mas sabia que não havia dormido por tempo suficiente para que Michael se consolidasse no ramo musical. Era um período de tempo muito curto para que o cantor alcançasse engajamento midiático e no estrelato suficientes. Isso só podia ser possível se…

— Você, até um mês atrás, não existia, certo?

Indagou o cantor. Michael mordeu os lábios.

— Talvez…

Prince voltou a ler, dessa vez acessando, na íntegra, toda a notícia do primeiro site que apareceu na tela. Passando um pouco pelos textos, o cantor encontrou uma foto curiosa e bem mais interessante que qualquer palavra ali. Uma foto chocante.

Encarou o amigo com surpresa. Logo em seguida, levantou lentamente a tela para sua direção, buscando fazer uma comparação.

— Esse é você?

A foto fazia um "antes e depois" com duas imagens do rapaz. Era claro identificá-lo na segunda foto, mas a primeira era intrigante: um belo e jovial rapaz sorridente, negro, de cabelos encaracolados e curtos. Prince, a princípio, só tinha certeza se tratar da mesma pessoa por reconhecer aqueles olhos únicos, escuros como uma Ônix.

Abaixo, uma legenda cruel e tendenciosa: "Back to Black: como o reaparecimento do cantor pop Michael Jackson reacendeu debates sobre auto aceitação, empoderamento e a opressão da branquitude na comunidade negra."

Prince fez uma expressão enigmática, o que fez Michael se perguntar o que ele havia achado do que leu. Sem nenhum palpite em mente, ele achou essencial complementar o que quer que o cantor tenha lido ali.

— Eu vivia de show business desde os meus… cinco, seis anos… Eu era uma estrela mirim. Eu adorava… era divertido estar no palco, mas as coisas nem sempre eram flores. Enfim… Um dia, eu sofri um acidente grave, eu me queimei muito… e eu chorei tanto…

O rapaz suspirou, contar aquela história sempre era difícil, mas se sentia bem em desabafar com alguém.

— Quando eu acordei, estava no hospital. Foi naquele lugar que eu comecei a refletir sobre o que eu estava fazendo com a minha vida.

Prince estava intrigado. Ele esperou o rapaz complementar aquela parte da história, mas, cansado de vê-lo divagar, adiantou seus desejos. Não queria confessar, mas estava curioso.

— E…? O que aconteceu?

— Eu fugi.

Ele havia suspeitado.

— Você tinha uma carreira consolidada na música... e fugiu?

Michael aquiesceu.

— Às vezes, eu ia para lugares que não gostava… eu assinava coisas que não queria… eu fazia coisas que me incomodavam… e isso foi se repetindo e se repetindo até o dia desse acidente. Como eu era de menor, o meu pai controlava os meus contratos, então… bem, eu não tinha muita escolha.

O rapaz deu ombros. Prince ouvia tudo atentamente, impressionado com aqueles detalhes, embora sua expressão aparentemente permanecesse intocável. Ele não conseguia entender o ponto de vista de Michael, não conseguia entender como ele ficou insatisfeito com a fama em tão tenra idade. Mesmo um acidente grave não privaria a si mesmo do prazer pela música, pelos shows e pela fama, pensou consigo. Prince havia se encontrado no estrelato, naquele universo glamourizado e agitado, e ele não entendia como Michael não havia se encaixado ali.

— Como você fugiu? Você tinha um cúmplice, não tinha?

— Sim… Bom, eu planejei isso durante minha recuperação. Um funcionário do meu pai, que praticamente me viu crescer, me ajudou. Para resumir, eu sumi e fiquei todos esses anos fora do alcance da mídia.

Ele suspirou.

— Eu não me lembrava mais o que era passear pelas ruas sem que uma multidão me acompanhasse. Ou… Não me lembrava da sensação de acordar tarde e ter um dia todo livre. Eu passei esse tempo me preocupando apenas com a minha vida, então resolvi aprimorar mais a minha mentira.

— Tipo o quê? Fugir de canto em canto e usar identidades falsas?

Michael gargalhou.

— Quase."Joseph Daryl". Se lembra desse nome?

— Ah, não…

Prince suspirou. Essa havia sido a primeira mentira que não havia colado. Prince se lembrava bem de quando Michael o cercou no metrô e havia se apresentado com aquele nome, uma vez ou outra pegou-se questionando-se sobre o motivo daquele pseudônimo.

— "Daryl"… O seu alter-ego bandidão.

— Sim… Eu me mudei pra cá e tentei recomeçar.

— Mas você não me respondeu uma coisa…

Prince se aproximou do rapaz, muito, por sinal, o que o fez desconfiar do que o moreno queria. O cantor levou a mão ao seu peito e o empurrou, de modo que ele caísse no sofá próximo, em seguida lhe jogou o celular, o devolvendo.

— Você é um mentiroso.

O rapaz lentamente moveu a cabeça em concordância, sem questionar.

— Eu mereço. Me desculpe, Prince, mas eu precisei esconder isso.

— Ainda não fiz minha pergunta. O que você veio fazer aqui, então?

Ele guardou o celular e se levantou.

— Eu vou fugir hoje.

Prince arqueou a sobrancelha. Por algum motivo, mesmo que aquilo fosse esperado, aquela decisão parecia ter o chocado um pouco.

— Você é doido?

— Eu já decidi. Eu já preparei tudo. Bom… mais ou menos, eu não tive muito tempo, improvisei algumas coisas, mas estou te deixando ciente porque preciso de você…

Ele olhou em seus olhos, sabia que era muito mais provável que Prince não aceitasse, mas torcia para que a amizade deles ainda exista em algum canto de seu coração púrpura e enigmático.

— Eu quero apenas que seja meu cúmplice. Que… que me dê tempo. Jones Jr. e o meu pai estão de olho em mim, principalmente meu pai. Eu preciso que você me ajude a criar um álibi, pelo menos até que eu esteja bem longe.

— Michael…

Por algum motivo, Prince começou a se sentir desconfortável com aquela conversa. Era algo sério e não mexia apenas com a vida pessoal do rapaz, mas com toda uma equipe técnica por trás de sua imagem. Michael era um produto, ele não podia simplesmente pedir as contas. Prince sabia disso.

— Você não vai me envolver nisso…

— Por favor, Prince, eu… eu não tenho mais a quem recorrer…

Ele suspirou. Sua expressão era, de alguma forma, melancólica, embora ele estivesse se esforçando para manter a neutralidade. Prince não conseguia deixar de se preocupar, mas estava tentando pensar racionalmente.

— Olha… eu vou ser sincero. Eu, particularmente, discordo de como você está enxergando a fama. Você passou anos parado e escondido e, quando voltou, teve um boom de ascensão assustadoramente rápido! Não é qualquer artista que consegue isso, Michael. Significa que você não ficou obsoleto e isso é bom, mas você quer jogar tudo no lixo. Por que isso? Por que essa fissura por uma vida comum? Eu vivi uma vida comum por 19 anos, não é tão interessante assim.

— Não importa os motivos, Prince… É a minha vida…

O homem cruzou os braços.

— Ah, tá vendo? Você de novo me escondendo as coisas…

— Não é minha intenção, mas você não iria entender! Ninguém entende! Nem você, nem eles, ninguém…

Prince o encarou.

— Talvez eles estejam tentando te salvar de cometer uma besteira…

— Tá, tá bom, Prince…

Michael suspirou e passou a mão nos cabelos.

— Pensei que você fosse meu amigo. Esquece…

Aquilo havia feito o cantor sentir uma agulhada no coração. Prince suspirou, não iria explodir agora, ele passou por perrengues demais até saber controlar os próprios sentimentos.

— Ótimo. Só deixa eu te lembrar que essa sua jaqueta com strass de diamantes não se compra com um salário mínimo, tudo bem?

Comentou, enquanto via o rapaz caminhar até a porta. Prince não podia deixar de provocar, mas não o fez de forma vazia, estava tentando pôr um pouco de juízo na cabeça do amigo.

Contudo, Michael sequer reagiu. Se retirou e deu por encerrado o assunto.

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Apartamento da Luna - 17:03 hrs

Luna estava preparando uma pipoca, ia passar o resto da noite descansando e assistindo um filme, quando de repente recebeu uma ligação do Prince. Ela sabia como ele odiava não ser atendido e tratou de ver o que ele queria prontamente.

— Não pense que eu esqueci, viu?? E por que demorar tanto pra retornar minha ligação?

Ele suspirou.

— Ainda estou um pouco em choque…

Ela arqueou a sobrancelha.

— Hum… er… por quê?

— Luna, eu… Michael… Michael apareceu na minha casa.

— Michael, o meu ex?

— É… era sobre ele que você ia falar?

— Hum…

A garota logo deixou o pote de pipoca do lado da cama e puxou o notebook para fazer uma pesquisa rápida.

— Er… é, mais ou menos. Eu vi que um tal de Michael Jackson tá bombando nas paradas e, quando eu olhei pra a fuça desse cara, eu só consegui ver o meu ex! Como você está bem mais por dentro do universo da música, eu ia te mostrar pra ver se você conseguia alguma coisa.

— Sim, é ele…

— Eu sabia! Ai ai, aquela fuça não engana ninguém…

Luna continuou sua pesquisa. Evitou os sites sensacionalistas e focou na carreira do rapaz, em seguida abriu outra aba e passou a explorar suas fotos.

— Ele tá diferente? Já que você viu ele de perto…

— Não… bom, não muito. Ele está… bem mais andrógino. Ele não era andrógino, era?

— Que eu saiba, não. Senão, acho que vocês teriam feito amizade mais rápido.

— Sua boba…

A garota gargalhou.

— Okay, vamos parar de falar nele, minha cabeça dói.

— Tudo bem… só veio me falar isso?

— Não, claro que não. Eu tenho outro assunto, mas, esse, quero te contar pessoalmente.

Visto a seriedade do caso, Luna ficou em silêncio, fechou o notebook e redobrou sua atenção à conversa.

— Daqui a três dias eu irei para uma premiação. É uma coisa bem particular, terão poucos convidados. Você quer ir?

Ela parecia surpresa.

— Eu?

— Sim ou não? Eu trabalho com respostas.

— Claro! Vai ser legal!

Ele sorriu.

— Okay, princesa. Vá de azul metálico. Vou passar na porta do seu condomínio.

Luna assentiu, porém, quando ia responder, ele desligou. A garota suspirou, Prince tinha um jeito único de telefonar para alguém, mas ela já estava acostumada.

Colocou o celular ao lado e descansou. Às vezes ele a convidava para esses lugares, ela adorava sair com o cantor, mas, dessa vez, não era a festa que inundou seus pensamentos.

Era o seu ex… e sua vida dupla.