Mentiras no Jornal

Fuga para Rochester - Parte II


Michael estava escrevendo uma carta enquanto Prince se acomodava no banco dianteiro do carro para dirigir.

— Qual a pior parte disso? Você ter tido tempo para comprar roupas novas e nós não, você ter dinheiro e não nos contar, ou essa droga de carro ser mais velha que o seu pai?

— É o melhor que temos, a não ser que prefira ir a pé.

Respondeu Brooke, em defesa. Prince revirou os olhos.

— Que seja, querida. Pelo menos essa caminhonete tem cabine dupla.

— Brooke…

Michael desceu o vidro do banco traseiro e lhe deu a carta.

— Entregue ao Devin, por favor… mas não diga que fui eu. Diga que foi o Michael Jackson.

Ela assentiu, sorrindo.

— Isso é muito fofo, Michael. Promete que vai voltar, não vai?

— Claro! Tem minha palavra.

Ela aquiesceu, ia se afastar, mas mordeu os lábios, sentia que talvez poderia não vê-lo de novo. Se aproximou e, sem aviso prévio, beijou sua bochecha. Por fim, se afastou.

— Tchau…

Michael não conseguiu responder, ficou lá, com um olhar disperso, enquanto a observava se afastar do carro. Aos poucos sua visão foi ficando mais e mais distante, o carro foi se afastando até que o abrigo sumisse no horizonte.

Ele não estava apaixonado pela Brooke, era cedo demais para sentir algo nesse nível, mas ela com toda certeza tinha um espaço especial em seu coração. Porém, seu devaneio acabou em um segundo, haviam dois pares de olhos furiosos o queimando.

Lentamente virou o olhar para frente, contemplando Prince e Luna os encarando do espelho.

— Terminou de olhar sua musa?

— Ela não é minha musa…

— Ótimo. Luna, quer começar? Comece, antes que eu perca a postura.

Ela suspirou.

— Começa explicando quem é essa garota e por que você tava nesse abrigo.

— Eu a conheci por acaso. Devin é uma criança das ruas, eu alimentei ele e o levei para brincar um pouco, só isso. Ela cuida do abrigo onde ele fica… são muitos detalhes, vocês querem saber da minha doação, não é?

— Nós estamos fugindo, seu imbecil. Quando você chegar em Rochester, como você acha que vai sobreviver lá? Vendendo o corpo? Todo centavo é importante.

— Ainda tenho dinheiro, não doei tudo. Eu não sou idiota, eu pensei nessas coisas.

— Não parece… Olha só o nosso estado, Michael! Você, pelo menos, podia ter deixado ciente que havia encontrado um cartão nos seus bolsos, não acha?!

— Gente, deixa isso pra lá…

Murmurou Luna.

— Já foi. Olha, eu achei muito bonito a atitude do Michael, e se ele ainda guardou dinheiro, pra mim não tem problema. Mas eu preciso comentar… acho esse plano muito furado. Vamos deixar Michael em Rochester e voltar? É o mesmo que tacar o foda-se.

— Não quero meter vocês em mais problemas. Eu escolhi fugir, eu dou o meu jeito.

— Nisso, os dois têm razão. Michael, você é adulto, você começou com isso, você que termine. Nós só estamos facilitando sua fuga. Se você não conseguir mais manter isso, sabe que pode voltar a qualquer momento, eu duvido que o seu pai te recusaria.

Luna deu um soco no braço do cantor.

— Ei! O que foi?!

Ela revirou os olhos, em seguida virou-se para Michael.

— Eu sei que você tem um motivo pra ter fugido, não é…? Tá ná hora de dizer isso agora…

Disse-lhe, o olhar fixo no seu. Michael suspirou e concordou, talvez conversar sobre aquilo aliviasse o peso daquele fardo.

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Minneapolis (4 anos atrás) - 14:11 hrs

Prince saiu de casa em passos apressados.

A carta, enfim, havia chegado. Era aquela carta que o tiraria de uma vida pacata em Minneapolis para as ruas badaladas da Califórnia e a fama mundial, ao menos eram esses os seus pensamentos mais fortes.

Sua banda estava a pouco de lançar o álbum Controversy, que receberia uma maior divulgação e poderia levá-lo para os estúdios de gravação mais conceituados, tudo o que ele mais desejava. Estava louco para contar a notícia para os seus amigos mais próximos e sabia exatamente onde encontrar o primeiro de seus pensamentos.

O problema era que ele não estava lá.

Prince sabia que Michael costumava andar pela estação de Minneapolis com alguns marginais. Sabia até mesmo a hora que ele passava por lá. Aguardou por 40 minutos e ele não apareceu.

Saiu, foi em direção ao bar. Ele não estava lá. Resolveu procurá-lo depois, contou aos seus outros amigos, contou para seus pais. Quando resolveu contar ao Michael, já eram umas 17 hrs.

Mas ele não estava em lugar algum.

Porém, havia um lugar para onde ele jamais tinha ido. Depois de muito insistir, Michael lhe deu o endereço de sua casa. Era longe, muito longe, e estava tarde. Resolveu retornar para casa e tentar fazer uma ligação, seria a sua última tentativa.

Não tinha mais esperança, precisava ligar agora, porque passaria os dias seguintes ocupado no lançamento do álbum. Michael precisava saber, ele era o seu melhor amigo desde que cortou laços com André.

A chamada não caiu, alguém atendeu. Prince suspirou aliviado, finalmente conversaria com ele.

— Ei, bad boy! Eu tenho uma coisa pra te contar…

— Boa tarde, quem é e com quem gostaria de falar?

Ele arqueou a sobrancelha.

— Er… Prince. Meu nome é Prince. Michael está?

O homem ficou em silêncio e o cantor achou aquilo muito suspeito. Instantes depois, ele retornou.

— Sinto muito, mas ele não mora mais aqui.

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Estrada para Rochester (atual) - 17:28 hrs

Enquanto o ouvia falar, lembranças permeavam sua mente. A chuva fraca que iniciou em pouco tempo também não ajudou, só deixava aquele fatídico dia mais claro em seus pensamentos.

Subiram parcialmente os vidros, pois não havia ar-condicionado naquele carro e precisariam se molhar um pouco se quisessem respirar. Assim que Michael parou de falar, um silêncio tomou conta do lugar. Luna olhou para Prince, mas percebeu que ele não queria comentar nada.

Ela suspirou.

— Você saiu de Minneapolis… porque o seu pai te achou?

— Sim… eu vim de Gary. Quando eu me mudei pra Minnesota, estava tentando fugir dele. Mudei meu nome e tentei recomeçar. Eu não gosto de dar muitos detalhes, mas… digamos… que ele controlou minha vida desde os meus cinco anos. Eu não tenho sossego desde que comecei a fazer sucesso.

Luna concordou.

— Eu… nem sei o que falar. Que coisa horrível, Michael…

— Por favor, entendam… eu não podia contar nada, a regra principal de um recomeço é esquecer o passado. Se eu contasse, o risco de ser pego aumentaria.

— Mas, mesmo assim, você foi pego.

Todos ficaram em silêncio, Prince enfim havia dito alguma coisa.

— Prince…

Ainda mantendo o foco na estrada, ele continuou.

— Alguém te encontrou. Alguém te denunciou. Você não contou a ninguém e mesmo assim foi pego. Valeu alguma coisa?

— Eu não podia prever isso…

— A questão não é essa.

Ele parou o carro bruscamente. Por um segundo, Luna temeu o que ia acontecer.

Logo em seguida, o cantor se virou e encarou o moreno nos olhos.

— Chega. Já chega de segredos, já chega de esconder as coisas. Se você quer a minha ajuda, não quero nunca mais que guarde alguma informação de mim. Eu tenho informações suficientes que podem fazer da sua vida um inferno pior do que esse e, se você ainda não confia em mim o suficiente, eu vou fazer com que dessa vez você tenha razão, ouviu bem?

Disse, incisivo. Michael não recuou, bateu de frente com o seu olhar assassino. Prince não conseguia compreendê-lo, mas ele entendia um pouco da sua inquietude. No fim, havia sido um dos seus poucos amigos e havia vacilado. Ele ainda queria reaver aquela amizade.

— Eu confio em você.

— Então prove.

Michael o encarou com uma leve melancolia no olhar.

— Eu recorri a você, Prince. Eu sigo os seus planos. Eu deixo você me guiar. Não sei como provar mais que isso…

— Prince…

Luna murmurou.

— Michael pode ter cometido algumas faltas, mas ele tem razão. Eu confio nele… deixa isso no passado e confia também. Nós somos um trio, não podemos brigar agora.

Ela sorriu fraquinho.

— Lembra do que você disse pra mim na praça? Temos que colaborar um com o outro, ficarmos juntos…

Prince suspirou. Lembrou-se de suas palavras para Luna, palavras que diziam respeito aos dois. Ele tinha profundo zelo pela garota, mas ela insistia em colocar o Michael naquela relação. Todavia, pensou que talvez pudesse estar sendo injusto.

Ele suspirou, dificilmente daria o braço a torcer, era orgulhoso demais para isso.

— Que seja.

Colocou a chave e ligou o carro mais uma vez. Ouviram um pouquinho de barulho, um pouco mais, mais um pouco…

— Anda!

— Estou tentando, droga!

… porém, nada do carro pegar. Os três se encararam quase que instantaneamente.

— Mas que p…!

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Já era noite quando um caminhão de porte médio lentamente parou o veículo. Três pessoas estavam na beira da estrada e, pelas roupas extravagantes, não aparentavam ser perigosas. Estava escuro, o caminhoneiro achou se tratar de garotos de programa, então não teve receio de se aproximar. Abriu a porta e os encarou mais uma vez.

— Estão trabalhando?

Indagou. Os três cobriam o rosto, seja com capuz, casacos ou echarpes, mas ainda não pareciam ameaçadores.

— Nós só queremos carona para Rochester.

Disse um deles. O homem arqueou a sobrancelha.

— Não sei quem são vocês.

Outro tirou algo do bolso e lançou no homem, que se assustou a princípio, mas manteve a postura. Conferiu e percebeu que se tratava de algumas notas de 100 dólares.

— Hum… entrem.

Seguiram em silêncio. Como eram três e lá dentro não havia espaço para todos, o caminhoneiro deixou que ficassem na área de carga, que era aberta e, no momento, tinha pouca tralha.

Prince sussurrou.

— Olha a situação em que você pôs a gente…

— Se eu não tivesse sacado o dinheiro, sabe como a gente teria chantageado ele? Sabe? Advinha… porque eu duvido que ele tenha maquininha de cartão aqui.

Brincou Michael, rindo discretamente em seguida. Luna logo deu um soco no braço dele.

— Ei, ei, fica calma… Eu só tô brincando.

— Eu não quero nem saber, vocês dois iam dar a bunda! Eu não ia pagar o pato por causa de vocês…

— Isso é um bom raciocínio. Você daria a bunda pela Luna, Prince?

— Vai tomar no cu.

Michael tentou rir o mais baixo possível, sem conseguir segurar.

— Que aventura! Desculpem mesmo, mas, oh boy, eu preciso escrever um livro sobre isso, um dia.

— Você é o único empolgado. Eu não queria estar aqui, de verdade…

— Eu também não, mas vocês estão comigo.

Michael entrelaçou os braços pelas costas de seus amigos, levando suas mãos ao ombro de cada um. Prince bufou, mas não negou o abraço, já Luna se juntou a eles para se aninhar.

Felizmente, para o trio, a viagem foi curta e sem paradas. Chegaram em Rochester em menos de uma hora. Quando desceram do caminhão, contemplaram, ao longe, uma cidade colorida, brilhante e muito mais radiante que St. Peter. Era moderna, com prédios altos e vidraças bonitas. Não era uma Nova York da vida, mas a esperança de ter um estilo de vida mais a cara daqueles superstars fugitivos era muito maior.

— P-Prince…

Murmurou Luna, os olhos já cintilando. Michael comentou em seguida.

— Okay… chegamos! O que faremos agora?

Prince sorriu, o sorriso mais genuíno que havia dado durante toda aquela viagem. Lentamente se afastou dos dois, andou alguns passos adiante, em seguida os encarou.

— Vamos ficar loucos.