Mentiras no Jornal

Festival de Lembranças - Parte II


21:21 hrs

Prince e Luna retornaram à sua mesa. Lá, ele encostou suas cadeiras e despejou o que soube, tal como Michael, confiava na mulher, e Luna confiava muito no cantor.

— Ele me pediu para ser cúmplice em um plano maluco de fuga.

— O quê??!

Prince a encarou com espanto, suplicando para que ela falasse baixo. A mulher, por sua vez, levou as mãos à boca, estarrecida.

— D-desculpa… Como assim plano de fuga?

Sussurrou.

— Ele quer fugir, Luna, mas não me disse pra onde e nem por que motivo. Ele não tem aceitado muito bem a fama.

Ela suspirou. Cansada de tentar decifrar aquelas entrelinhas, procurou sua bolsa de mão e puxou o celular.

— Vamos descobrir isso agora.

Prince arqueou a sobrancelha. A garota jogou o nome do rapaz no site de pesquisas e começou a ler tudo sobre ele, tudo mesmo.

— Olha aqui… “Michael Joseph Jackson é um cantor, compositor e dançarino de 24 anos de idade conhecido por ser o artista mirim mais rentável do ano por 5 vezes consecutivas. Iniciou como membro do grupo musical The Jackson 5, juntamente com os irmãos, e separou-se anos depois para seguir carreira solo. Após sofrer um grave acidente em um estúdio de gravação para um comercial, Jackson ficou longe das mídias até repentinamente retornar esse ano. Por esse motivo, ficou, também, reconhecido por ser o artista mais jovem a ascender à carreira em tempo recorde após um longo período em hiatus.” Tá, o que a gente aprendeu com isso?

Prince segurou o celular dela e passou, agora, a ler.

— Ele é um artista desaparecido. O que não fica claro é por que motivo ele sumiu e por que motivo retornou. Hum… olha esse tópico. “Aparência: após seu reaparecimento repentino, a primeira discussão em pauta foi a sua mudança brusca de aparência. Em seu último show antes de pausar a carreira, Jackson, conhecido também por ser o maior artista afroamericano do país, tinha a pele escura. Ao retornar, esse ano, sua pele estava com uma coloração alva e os seus traços faciais estavam incisivamente modificados, lhe atribuindo um aspecto europeu. Alguns fãs saudosistas do cantor não aceitaram a possibilidade de Jackson ser o verdadeiro artista, e outros apenas acharam aquela mudança confusa, ofensiva e desnecessária.” Que idiotas...

Luna ia comentar a mesma coisa, mas arqueou a sobrancelha ao ouvir aquilo do amigo.

— Defendendo ele? Vocês não estão brigados?

Prince suspirou e a encarou em seguida.

— Você era namorada dele, sabe que ele tem vitiligo, não é?

— Claro que sei. Eu… eu só não achei que fosse tão grave. Pra você ter ideia, eu nem sabia que o Michael é negro.

— Você viu a foto dele antes?

Luna negou com a cabeça, o que fez o homem pesquisar rapidamente e lhe entregar a mesma foto que havia visto dias atrás. Aquilo, de alguma forma, pareceu afetar a mulher, pois ela ficou em silêncio por um tempo considerável.

— Luna…?

Ela suspirou.

— Ele escondeu… tudo.

Prince, sem muito o que falar, apenas pôde concordar.

— Você também sabia do vitiligo?

Ele aquiesceu.

— Pouco antes de perdermos contato, ele me contou.

Luna negou com um balançar de cabeça, parecia não aceitar muito bem aquilo.

— Aquele… idiota…

— Deixe pra lá, Moon. Ele teve seus motivos.

Disse o homem, tentando esfriar aquela conversa. De repente alguém apareceu no palco, as apresentações iriam começar e o primeiro seria Michael.

x ----- x

Bastidores - 21:57 hrs

Michael estava no camarim com alguns magnatas e seus filhos pequenos. Enquanto os homens conversavam entre si, escanteando completamente o rapaz, Michael tentava brincar de bate-mão com as crianças, que se divertiam com as suas brincadeiras.

Adoleta…

— O que é “adoleta”?

— Er… Ah, eu não sei, é só uma palavra divertida. Vamos, vamos, continua cantando!

O menino riu e assentiu. Michael ia continuar a cantiga quando foi puxado novamente por aqueles homens, os seus “amigos”, ou, falando melhor, os homens cujo próprio pai forçava a amizade. Para ele, pessoas importantes caminham ao lado de pessoas ainda mais importantes. Michael nunca gostou daquela frase mesquinha.

— Michael! Venha tirar uma foto conosco!

Disse um dos homens, com empolgação. Sorriu com educação e se aproximou, levou as mãos às costas e posou para a foto. Após uma série de flashes, os homens esqueceram, mais uma vez, a presença do cantor na sala.

Michael suspirou.

“Sorria… embora seu coração esteja doendo. Sorria… mesmo que ele esteja partido...”

Cantarolou, bem baixinho, era a forma que conhecia de conter sua ansiedade ou qualquer outro sentimento ruim que estivesse sentindo, e essa música, em particular, o tranquilizava. Ele a adorava e tinha o desejo de gravá-la um dia, mas o seu destino não estava nas suas mãos.

Foi até as crianças, mas não pôde prosseguir com a brincadeira, pois foi chamado imediatamente para o palco.

x ----- x

Prince e Luna pararam de conversar para dar atenção à apresentação de Jackson, que seria a primeira da noite. Embora Michael fosse extremamente conhecido, nenhum dos dois sabia do seu potencial, das suas obras, da sua carreira. Ele havia escondido tudo muito bem, o que os deixava, sobretudo Luna, furiosos.

Seu nome foi chamado e, em poucos instantes, ele apareceu no palco. Todos olharam e aplaudiram.

— Você diria que aquele ali é o Daryl...?

Sussurrou Luna, enquanto o admirava. Michael estava sorrindo, esbanjava simpatia e presença. Daryl nunca gostou dessas coisas, era rabugento e muito na dele. Luna jamais o imaginou em um palco se não fosse para comprar briga por cerveja em algum show de rock aleatório.

— Eu entendi sua pergunta…

Prince comentou, ele também não conseguia ver o seu antigo amigo ali, era como se Michael fosse dois homens em um corpo apenas. Aquilo o intrigava muito.

— Obrigado, obrigado! Uhm… desde o meu retorno, eu tenho recebido todo o carinho possível dos fãs e vocês não fazem ideia do quanto isso aquece o meu coração. Eu tenho lido e recebido muitas críticas também, e acho que, em meu lugar, isso é algo que terei que aprender a lidar e levar como um conselho. Sei que meu retorno foi inesperado, eu peço perdão a todos que gostavam do meu trabalho e não puderam me acompanhar ao longo desses anos. Eu…

Seus olhos percorriam cada pessoa naquele lugar, e ele não os encarava por muito tempo, mas travou ao ver seu pai ao longe. Engoliu seco, vê-lo o analisando e julgando só o fazia se sentir mais inferior. Sabia que precisava cuidar com as palavras que usaria, quanto mais mostrasse convicção de que seguiria em frente com sua carreira, menos o seu pai o puniria. Suspirou, buscou outro ponto com os olhos, mas deparou-se com Luna o encarando com decepção. Ele não entendia o porquê de seu olhar, mas sabia muito bem que era aquele sentimento, ele a conhecia completamente.

— M-mas eu… Eu estou oficialmente retornando à indústria da música. E eu irei compensar o tempo e o dinheiro perdidos com o meu período em inatividade. Por fim, eu quero agradecer… ao meu pai... à minha mãe e à minha família. Eu amo vocês.

Foi difícil proferir a última frase, mas ele o fez com maestria. Todos se levantaram e aplaudiram, Prince e Luna permaneceram sentados, não estavam nem um pouco empolgados.

Logo após, Michael se retirou rapidamente para se trocar, iria iniciar um número musical. Isso os pegou de surpresa, pois pela primeira vez veriam o que o Daryl sabia fazer e o que havia escondido deles. Que ele cantava, ambos já sabiam, mas o que presenciaram foi muito além disso.

Joe escolheu “Billie Jean” para Michael performar. Segundo ele, era a música que o rapaz tinha “menos chances de falhar”. O elogio jamais vinha travestido de elogio. Michael colocou seu lindo traje preto e branco de lantejoulas e pôs seu chapéu.

O que Prince e Luna viram a seguir foi algo mágico, profissional e muito além de um artista principiante, e isso pesou em seus corações porque confiaram cegamente no rapaz, e ele aparentemente não retribuiu o sentimento.

— Prince, ele é…

— … a porra de um excelente artista.

Murmurou o homem, em seguida suspirou.

— Sabe quantas vezes ele disse pra mim que fracassou no show business? Apenas para que eu parasse de fazer perguntas sobre isso…

Luna aquiesceu.

— Quando essa premiação acabar, vamos embora?

Prince a encarou com seu olhar baixo e decidido.

— Você leu minha mente.

x ----- x

Mansão dos Jacksons - 03:51 hrs

Era madrugada. Tudo estava silencioso.

Michael estava descansando após uma noite de festas e apresentações. Podia ter ficado por mais tempo, porém, quando suas obrigações tiveram um fim, ele pediu para voltar para casa e inventou uma dor de cabeça para não ser barrado pelo pai. Assim que chegou, tomou um banho e trocou de roupa. Michael prendeu seus cabelos, colocou uma camisa confortável e usou o seu jeans rasgado preferido, aquele cujos rasgos eram cobertos por uma camada sutil de tecido preto. Joe gostava que ele usasse roupas mais formais, porém Michael conseguiu salvar a maioria de seus trajes de bad boy e os esconder em um cantinho particular.

Após se vestir, jogou-se na cama e colocou o celular para tocar, em seguida usou os fones. Passou o dedo pela tela e começou a escolher uma música.

“Todo dia, crie sua história.

Todo caminho que você toma, está deixando seu legado.

Todo soldado morre em sua própria glória.

Toda lenda conta sobre conquista e liberdade.”

Ele cantarolou junto com a própria voz na gravação. Era sua música, era sua história, uma história falsa que ele estava vivendo para fazer outras pessoas satisfeitas com o resultado de suas próprias conquistas.

Michael tinha um dom e não era assim que ele queria usá-lo.

Suspirou, fechou os olhos e pensou em sua própria apresentação, nos bastidores, no alvoroço midiático, nas palavras de seu pai, e nos poucos anos que pôde ser feliz com uma vida comum…

Os abriu, retirou os fones.

Ninguém o impediria de voltar para aquela vida.

Michael buscou uma mochila e encheu-a com tudo o que tinha direito. Adorava música, então levou consigo um mp4. Sabia que seu celular tinha um rastreador e ele não sabia como se livrar disso, então o usaria para despistar os seguranças de seu pai que certamente o perseguiriam.

Fones de ouvido, roupas, materiais de higiene, alguns livros, cartões bancários e dinheiro. A fim de controlar os seus gastos, Joe havia posto a maioria da sua arrecadação em um banco, e era arriscado sacar qualquer quantia, visto que o lugar e a quantidade sacada ficavam registrados, mas ele precisaria fazer isso, mesmo que em um banco ao longe para dar-lhes outra pista falsa.

Michael sorriu, isso seria divertido.

Jogou tudo na mochila e, agora, foi em direção aos jornais que recebia. Aquelas manchetes duras e sensacionalistas, os comentários de supostos “fãs” que faziam chacota da sua nova aparência como se ele tivesse escolhido terminar daquela forma, os julgamentos homofóbicos e racistas… foi até a lareira do seu quarto e lançou tudo ao fogo.

— Vão pro inferno.

Murmurou. Tomou um casaco em mãos, vestiu-se, levantou o capuz e saiu.