Mentiras no Jornal

Espectros do Passado


Los Angeles, Califórnia (8 anos atrás) - 15:05 hrs

A casa era enorme. As paredes eram brancas e extensas como um palácio. A decoração era suntuosa. Os retratos eram todos de pessoas que aquele proprietário provavelmente nunca conheceu e nem conheceria, pois estavam mortos.

Michael era só um menino de 17 anos quando visitou aquele inferno. Os cachinhos escuros, a pele chocolate, o olhar tímido, estava esperando que seu pai retornasse. O velho saiu minutos depois, ele nunca o viu tão radiante. Ao seu lado, um homem branco e baixo, parecia ser alguém importante. Conversavam como se fossem antigos amigos de bar, Michael não estava entendendo por que motivo precisava estar ali.

— Esse é o meu filho.

— Ah, Michael!

O homem se aproximou como se fosse íntimo da família. Apertou sua mão com vigor, o garoto quase mordeu os lábios de dor, mas conseguiu se conter.

— Você tem futuro, garoto, tem futuro! Joe, traga esse menino amanhã para o concerto, eu tenho certeza de que não vou ser o único a falar isso!

Joe sorriu, parecia feliz, Michael quase nunca o via sorrir… na verdade, não se lembrava se houve algum momento que o viu assim. O garoto sorriu com a animosidade dos mais velhos, se estavam felizes, havia um bom motivo para isso.

Infelizmente, os planos não diziam que ele também sorriria com a notícia.

Na madrugada do dia seguinte, Michael fez uma viagem. Só a caminho do estúdio que seu pai veio lhe explicar em que rolo o havia metido.

— Seu trabalho começa cedo, ouviu? São dois comerciais, três apresentações e uma reunião.

— Tudo isso?! Como eu vou dar conta disso?

O homem revirou os olhos.

— Você fala demais. Eu sempre dei um jeito, não dei? Então só faça o seu trabalho!

— Sim, senhor…

Michael murmurou, aborrecido. Seguiram em direção ao primeiro afazer do garoto. As horas se passaram e, fora as pausas obrigatórias, o jovem artista simplesmente não parava. Cada vez que terminava uma etapa da lista que o velho havia criado, mais uma coisinha parecia ser acrescentada. Já eram 08 horas da manhã quando Michael resolveu recorrer aos remédios para se manter acordado.

— Está fazendo o quê?

O homem invadiu o seu camarim. Michael suspirou.

— Estou tentando ficar acordado.

— Tome uns dois ou três, eu preciso de você agora!

Exclamou. O garoto pensou por alguns instantes, sabia que aquilo não era certo, mas enfrentar o seu pai gritando do seu lado parecia pior na sua cabeça. Tomou dois comprimidos e torceu para funcionar.

Mas não era a primeira vez que Michael tomava esses tipos de medicamentos.

De uns tempos para cá, devido às doses recorrentes, o remédio estava com curto prazo de efeito. Ele já havia tomado tantas vezes que, de tempos em tempos, recorria a café e outros meios para se manter acordado. Infelizmente nada adiantava porque seu organismo já estava viciado em drogas mais potentes, mas isso não era desculpa para seu pai.

Passaram-se mais algum tempo, ele já estava há 16 horas acordado e trabalhando.

— Michael, acorde!

O garoto se levantou rapidamente. Estava tirando um cochilo em pé, encostado na parede, enquanto os bastidores estavam uma bagunça. Haviam pessoas correndo de um lado para o outro, ele iria ao palco em menos de 15 minutos.

— Vá na minha sala, vou lhe arrumar algo que vai tirar esse seu sono.

Michael suspirou pesadamente e assentiu.

Caminhou sem muita pressa até a sala do pai, porém sequer reparou que ele não lhe acompanhou. Seguiu em frente e se deparou com a sala vazia. Michael buscou qualquer cantinho que pudesse tirar um cochilo, logo se sentou em uma cadeira próxima e apoiou o rosto na banca do homem, até notar alguns dos papéis espalhados por ali.

Os juntou e afastou, mas um era intrigante demais para não dar uma olhada. Michael estava com tanto sono que não entendeu a gravidade daquele documento, a única coisa que lhe chamou atenção foram algumas inconsistências nos seus dados pessoais. Pensou que pudesse ter sido um erro de digitação.

De repente, uma mulher entrou no local. Michael virou em sua direção e a viu preparar uma seringa.

— O que é isso…?

Joe apareceu em seguida.

— Um medicamento injetável é mais rápido e mais eficaz. Eu disse para que ela dobrasse a sua dose.

Michael se afastou.

— Não…

— Você vai tomar ou senão eu mesmo vou colocar em você. Escolha.

Disse, firme e brando, como de costume. A enfermeira não parecia preocupada, apenas preparou a seringa e esperou para ver se o garoto colaboraria. Michael suspirou, já vencido, sabia que seria pior se sua apresentação fosse um fiasco, precisava garantir que tudo ocorresse bem.

Então, submeteu-se a isso.

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Hotel, Rochester (atual) - 03:15 hrs

— Ele drogava você…?

Prince indagou. Leram alguns pedaços daquela matéria tendenciosa e Michael resolveu explicar parte por parte e o porquê do seu pai ter inventado aquelas mentiras exatamente daquela forma. Michael resolveu contar tudo.

— Não é como se fossem essas drogas ilícitas. Eram medicamentos… mas ele conseguia de maneira ilegal. Depois que eu fugi, fiquei 1 ano e meio tentando me limpar. Eu tinha efeitos colaterais, não me alimentava mais, não conseguia dormir…

Ele suspirou, lembrar do passado era sempre doloroso.

— Dói falar sobre isso. Até um tempo atrás, eu choraria pra falar sobre essas coisas… hoje, o único medo que eu tenho é de voltar pra essa vida.

— Michael, isso é errado… esse cara tem que ir preso, você era de menor!

— Mesmo se fosse de maior, você era coagido. Isso é errado em todos os sentidos…

— Eu sei. Hoje, eu sei…

Michael passou a mão nos cabelos, parecia transtornado, abatido. Estava tentando manter uma expressão neutra, mas não conseguia fingir o tempo todo que não se importava, no fim cada recordação daquela o machucava.

— Ele está me difamando por aí com essa história das drogas porque ele sabe que eu ainda uso medicamentos. Não são muitos, mas… eu fiquei com sequelas. Ele fez essa merda comigo.

Luna o encarou com melancolia, estava sentindo uma pontada no coração a cada palavra de dor proferida pelo rapaz. Prince levou uma mão à sua cintura e a puxou para mais perto de si, sabia como Michael era especial para ela.

— E… o que mais ele fez?

Indagou a garota, se perguntando se ele conseguiria contar tudo para eles. Felizmente ou não, Michael estava decidido a isso.

— Ele não me deixava sair de casa. Nas vezes que eu tentei fugir apenas para dar uma volta, ele me escoltou e mandou os seguranças me agredirem. Eu já apanhei tanto… mas ele era esperto e não deixava que me batessem em lugares expostos. Quando eu ganhei a maior idade, eu comecei a revidar essas agressões e é por isso que ele diz na matéria que eu sou perigoso. São sempre meias verdades…

— Você voltou com o ensino das ruas… não é?

Michael concordou com a afirmativa da garota.

— Isso. Eu saí de Minneapolis sabendo me defender, sabendo desarmar alguém, mas essas coisas não me ajudaram a me livrar do meu pai. Eu só consegui conter algumas agressões.

Prince suspirou, estava tentando juntar aquelas informações e ver o que poderiam fazer, mas tudo aquilo era muito estressante.

— Okay, okay… o que temos agora? Cárcere privado, coação física e moral, assédio, crime contra menor de idade, obtenção de medicamento por meio ilícito… o seu pai vai ganhar uma ficha bem extensa…

— Isso…

— … mas não vai adiantar nada se não provarmos.

Luna arqueou a sobrancelha e o encarou.

— Já temos o depoimento do Michael e… talvez alguma testemunha, algum funcionário que queira colaborar com a denúncia.

— É, torça para que tenha. Pelo relato, o velho não era o único errado nessa história.

— Mas também tem os documentos! Se eles investigarem direitinho, vão achar esses remédios sem receita médica, ou qualquer outra coisa…

— Acontece que, até o fim da investigação, ele já terá saído do país e provavelmente vai continuar ameaçando o Michael. Isso na melhor das hipóteses, porque ainda tem o risco de não encontrarem provas o suficiente. A justiça americana é muito criteriosa, Moon.

Luna bufou, aborrecida. Michael passou a fitar o chão, tentando pensar em alguma solução, não podia mais aceitar que Joe o oprimisse daquela forma, até que relembrou as palavras da garota.

— Luna tem razão…

Eles o encararam novamente.

— Tem os documentos… um documento. Uma vez, eu lembro de ter visto um papel na mesa da sala do meu pai. Era um contrato, eu vi algumas vezes, mas nunca questionei o que era aquilo. Eu nunca mais vi esse papel depois que fiquei de maior, ele sabia que agora eu entenderia do que se trata.

— O que tem esse documento?

— Eu assinei quando tinha uns… 16 anos, se me lembro bem. Ele me disse que era importante, eu não entendia nada daquelas coisas… só que… no papel dizia que eu tinha 21, e minha data de nascimento estava adulterada também. Na última vez que eu li esse papel, dizia algo sobre o meu patrimônio, minha carreira, meu nome... Essas coisas pertenciam ao meu pai agora.

Prince tentou disfarçar uma expressão surpresa.

— Michael… você passou sua carreira para o seu pai.

— Isso é totalmente ilegal, essa merda nem vale alguma coisa! É completamente inconstitucional…

— Vale. Vale, porque está registrado.

O cantor se levantou. Ele estava tão sereno antes que, quando enfim algo o surpreendeu, mesmo Luna quase levou um susto.

— O quê?! Quem diabos aprovou um contrato desse?!

— Eu vi, é oficial. Eu não sei que rolo fizeram, porém conseguiram oficializar. Eu pensei que isso ia acabar quando eu chegasse à maioridade, mas perdi completamente esse direito, é como se eu pertencesse ao meu pai e eu não sei até quando isso vai durar.

Disse, aborrecido.

— Eu me sinto uma puta, essa é a verdade. Com meu pai me vendendo por aí como se fosse meu dono, buscando acordos milionários, ganhando dinheiro às custas do meu trabalho… Eu cansei disso.

Prince cruzou os braços.

— Não sou nenhum especialista, mas isso me parece um crime de Estado. O Estado vai ter que te indenizar por isso, eles sabiam que você estava sofrendo esse assédio e deram bandeira verde pro seu pai prosseguir.

— E mesmo que não soubessem, no mínimo registraram um documento cheio de informações incorretas e não conferidas! Isso se esse registro não for adulterado também. De qualquer forma, temos uma prova!

— O problema é… conseguir essa prova.

Murmurou o rapaz, agora abraçando a si próprio, como se buscasse um refúgio. Luna estava muito sensível com tudo aquilo que estava acontecendo, sentia-se de mãos atadas por não saber mais como ajudá-lo. Já Prince, tentava pensar em alguma solução ou algo mais próximo disso. Todos os seus planos pareciam bons, mas haviam falhado em algum ponto dessa história. Dessa vez, pensou em não incrementar muito.

— Michael… vamos fazer o seguinte. Vamos voltar para Chanhassen.

Eles se entreolharam.

— Estou falando sério. Lá, eu vou te arrumar um advogado e você vai processar o seu pai criminalmente. É a coisa mais prudente que podemos fazer agora.

Michael suspirou pesadamente, abatido.

— Tem razão… me desculpem por ter colocado vocês nessa.

Prince deu um sorriso de canto e fez um balançar negativo com a cabeça.

— Aconteceram muitas coisas nessa loucura. Acredite… mais coisas boas do que ruins. Tudo isso graças a você, então pare de chorar.

Luna também sorriu.

— Vamos resolver isso, seu brigão.

Logo, os dois se aproximaram e, antes que Michael pudesse comentar alguma coisa, o abraçaram. Sentir aquele carinho foi mais especial para ele do que para aquele casal. Sentir que não estava lutando sozinho, de alguma forma, havia renovado suas forças. Levou as mãos aos ombros de cada um e retribuiu o gesto, ficaram em silêncio por alguns instantes.

— Obrigado…

Sussurrou. Depois daquela madrugada difícil, resolveram ir cada um para suas camas, Prince tinha mais ou menos uma ideia do que faria no dia seguinte.

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Aquela manhã estava caótica. Funcionários por todos os lados, uma baguncinha típica de mudanças: André estava prestes a partir.

— Se despeçam logo que nós já vamos deixar o hotel!

— A gente sabe, ô papai urso…

Murmurou Michael, revirando os olhos de tédio. Prince apenas deixou uma risada baixa escapar, enquanto Luna estava concentrada demais na sua ligação para se importar com essas coisas. Assim que desligou, foi até o amado.

— Conseguiu falar com sua mãe?

— Sim, falei pra ela que eu tô bem… Eu também liguei pra Manu, ela ficou louca quando me ouviu.

— Acho que isso é bom…

Luna assentiu, mas logo desviou seu olhar para Michael, que estava de costas, sentado no sofá da sala. Prince o encarou junto com a garota.

— Michael…

O rapaz virou na direção deles.

— Você não quer ligar? Você tem outros parentes ou tem apenas seu pai?

Ele suspirou.

— Meu pai me afastou da minha família. Quando ele se divorciou da minha mãe, tirou a minha guarda dela. Então… não tenho ninguém para ligar.

O casal se entreolhou.

— Ah… eu… sinto muito, Michael.

Murmurou a garota. Ele sorriu.

— Tá tudo bem. Você vai ligar, Prince?

— Vou… eu não posso ligar pra minha assessoria, é muito arriscado. Então estou pensando em pedir uma “ajuda alternativa” para retornarmos a Paisley Park.

— Que tipo de ajuda?

Prince sorriu como se guardasse algum segredo.

— Umas amigas…