Nova Orleans Hotel, Luisiana (4 anos atrás) - 22:53 hrs

Aquele era o show que encerraria com a turnê Dirty Mind. Apenas esse, e a banda retornaria para seu tão sonhado descanso, com exceção do astro principal que já almejava colocar outro projeto na mesa dos seus produtores.

Contudo, nem todos os membros da banda estavam satisfeitos. Um dia antes do show em Nova Orleans, André, até então melhor amigo de Prince, o chamou para uma conversa particular. Resolveriam aquilo agora.

— O que foi…?

— Não fala como se não soubesse.

Disse o rapaz, agora virando de frente para ele. Prince e André tinham história juntos, eram melhores amigos desde a tenra infância, mas aquele meio de fama e sucesso havia mudado muito o rumo em que corriam as coisas entre eles, já não se reconheciam mais. As discussões estavam frequentes e ficaram piores durante essa turnê. Cada vez mais André percebia que não poderia mais estar ao lado do seu amigo.

— Fale logo o que você quer, eu não posso perder o meu tempo.

— Ah, Prince, faça o favor… Por que é tão difícil pra você admitir que usou as minhas ideias nas suas músicas?

Prince revirou os olhos.

— Suas ideias?

— Sim! E você sabe que é verdade! O álbum tem o seu nome, você é a voz principal, você é o líder da banda e, agora, quer o seu nome nas músicas também? Você é conhecido como o cara que produz o próprio álbum, mas a gente sabe que isso não é verdade, não é? Você não faz tudo sozinho, mas nos créditos é só o seu nome que tá em evidência.

— Talvez seja porque eu sou o cara que corre atrás de tudo? André, eu componho, eu faço os arranjos, eu dou a receita do bolo e vocês cozinham, é só isso. Desde o começo, quando ninguém conhecia a gente, era assim! E você só vem reclamar agora?

— Prince, isso não é justo. O arranjo é meu, você sabe…

— Não, não é seu. É nosso. Você faz parte de um grupo. Se você quer seu nome nos créditos, monte o seu próprio grupo e seja o líder ou faça carreira solo. Ah, e boa sorte. Agora, se me permite, eu tenho muito o que fazer.

Já aborrecido, o cantor virou as costas e se retirou. Assim que ouviu a porta bater, André suspirou de frustração, já sabia o que faria no dia seguinte.

Aquele seria o seu último show com a banda.

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Rochester (atual) - 13:40 hrs

Após o almoço, o trio foi levado até uma enorme sala reservada em um hotel de luxo do outro lado do Silver Lake. Era uma sala extensa, com vista para o lago de água doce, um sofá enorme, decoração soft e suntuosa com cores neutras e iluminação agradável.

Prince, Michael e Luna foram solicitados a aguardar. No almoço, o cantor sequer tocou na comida. O fato de estar em um ambiente dominado por André o incomodava, perguntas surgiam na sua mente juntamente com as lembranças que tinha do rapaz.

— Você tá bem…?

Luna sussurrou para Michael. Lentamente levou a mão ao seu braço, tentou fazer um carinho, mas o moreno fez uma sutil expressão de dor, prontamente notada por ela. A garota engoliu seco e lentamente se afastou.

— Desculpe…

— Tudo bem… às vezes, parece que eles gostam de me machucar.

Aquele comentário fez a garota pensar nos motivos para Michael chegar àquela conclusão. E, quanto mais pensava, mais conclusões perturbadoras vinham à sua mente.

— Eles… já te machucaram mais vezes?

Michael não respondeu. Ela pensou em insistir, mas a chegada de André à sala terminou com os seus planos.

— E então, como vocês estão?

Indagou o rapaz, agora chamando toda a atenção da sala para si. Desde que se separou da antiga banda do Prince, André realmente fez o que havia sido rudemente aconselhado: seguiu carreira solo. Embora não fosse tão divulgado quanto o Purple One, André Cymone conseguiu uma considerável fama e prestígio, o suficiente para colocar a sua marca nos EUA. Ele ganhou muito mais do que quando estava unido ao cantor e isso, por si só, já o deixava confortável o suficiente para enfrentar o seu ex amigo.

Quanto à aparência, não havia mudado muito. Estava mais alto, ganhou mais corpo, desistiu do black, assumiu os cachos, seu visual já não era mais tão ousado e pervertido como quando deixou a banda, assumiu uma androginia mais discreta e elegante.

André deixou o casaco em um canto do sofá e se acomodou um pouco longe, de frente para o trio. Ele estalou os dedos e um funcionário colocou uma caixa de primeiros socorros na mesa de centro.

Eles se entreolharam.

— É para o seu ferimento.

Disse para Michael. Quando ouviu aquilo, Luna prontamente agarrou a caixa.

— Eu cuido disso.

— Por que está fazendo isso?

De repente, tudo ficou em silêncio. Prince, muito desconfiado, fitou corajosamente o olhar de seu antigo amigo. André estava com um sorriso discreto e sereno no rosto, não parecia nada abalado.

— Vocês estão na TV, acho que já sabem disso.

— E daí?

— Daí que eu soube que o meu melhor amigo estava cheio de problemas nas costas e fui atrás dele.

— Nós não somos amigos.

— Eu sei…

André suspirou.

— Mas nós éramos. Isso pra mim já é suficiente.

Mais silêncio. Quando viu que o cantor não ia comentar mais nada, André voltou a falar com os três.

— Eu estou em Rochester a trabalho. Pensei em trazer vocês aqui até a coisa esfriar, mas não vou poder ficar por muito tempo.

— A gente agradece muito.

— Mas não precisaremos de muito tempo, nós vamos sair hoje mesmo.

Prince interrompeu Luna, que o encarou de canto. André não disse nada a princípio, apenas encarou o seu antigo amigo como se estivesse tentando ler o motivo de tanta autoproteção. Perguntava-se quais eram os medos de Prince e por que motivo ele os escondia debaixo daquela carcaça selvagem.

— Prince, nós podemos… conversar?

O cantor arqueou a sobrancelha.

— Eu sei o que tá pensando. Não, isso não é armadilha nenhuma. Nós podemos? É tempo que o bad boy descansa, ele está muito machucado.

Prince encarou Michael, que devolveu o olhar e fez um sinal com a cabeça, como se tentasse convencê-lo a ir. Luna estava ao seu lado e parecia dizer o mesmo com o olhar.

Vencido, o rapaz suspirou, se levantou e acompanhou André para fora da sala.

— O que foi…?

— Já ouvi isso antes…

André virou para o rapaz, encostou-se em um cômodo no corredor e relaxou os ombros. Prince apenas levou as mãos à cintura.

— Qual o seu problema…?

Indagou André.

— Digo… você é financeiramente melhor que eu, é bem mais conhecido que eu, e mesmo assim age como se eu tivesse roubado alguma coisa sua.

— Eu não queria estar aqui. Não queria que me ajudasse. Eu estava com tudo sob controle.

— Aham, eu notei. Você é assunto em todo país, tem sorte de que isso ainda não rodou o mundo. Isso pode estragar sua carreira, tá ciente?

— Obrigado por me falar o óbvio.

Prince suspirou.

— Michael pediu minha ajuda, eu não podia dizer “não”.

— É, eu sei como é isso. É o que um amigo faz pelo outro. Nós fizemos muito isso, não se lembra?

O cantor revirou os olhos.

— Lá vem você com essa história… o lance com o Michael é sério, okay?

— Com a gente não foi sério…? Você roubou minhas contribuições.

— Viu? É isso!

Ele exclamou, já impaciente.

— Eu não queria te ver! Eu não queria falar com você por isso! Você nunca vai perder a oportunidade de falar sobre essa merda! Todos na banda contribuíam de alguma forma, mas você era o único que se machucava com isso só porque não tinha o seu nome na porra dos créditos! Você é artista solo, é famoso, tem dinheiro, o que droga você quer de mim agora?!

André desviou o olhar para o chão, ficou em silêncio, parecia estar pensando. Prince era difícil de lidar, ele sabia bem disso, foi o seu melhor amigo por anos. Não sabia de onde estava tirando paciência para aturá-lo, o André de 4 anos atrás provavelmente o mandaria à merda, mas algo em seu coração dizia para não desistir, havia algo na história deles pelo qual valia a pena lutar, ele reconhecia isso, faltava Prince também reconhecer.

— Quando você parar de pensar com a bunda, vai saber o que eu quero.

O provocou. Prince o encarou um tanto surpreso, André estava tão calmo que ele simplesmente não esperava por essa.

— Você… você é um merda mesmo…

— Antes de me xingar mais, já que você considera tanto o bad boy, ao menos pense nele. Eu deixo vocês ficarem aqui, tudo bem? Ninguém vai desconfiar, tenho três andares particulares apenas reservados pra mim. Vocês podem passar pra lá e pra cá sem problemas. Se você for inteligente, não vai recusar isso.

— Não preciso da sua esmola.

— Agora precisa. Você não tem celular, está incomunicável, seus assessores não vão te ajudar com o superstar problemático, você não tem dinheiro…

— Espera, como sabe disso?!

André gargalhou.

— Prince, você estava dividindo um quarto com duas pessoas! Sua estadia toda no hotel foi divulgada! Você está passando mais vergonha do que pensa…

Prince ficou em silêncio, sua expressão era de raiva, mas por dentro estava cheio de vergonha. André estava ganhando aquela discussão dentro dos próprios domínios, para ele não havia vexame pior até então.

— Ótimo, já que você insiste tanto, nós ficamos! Mas não quero ver a sua cara até amanhã.

O moreno sorriu.

— Feito. Vou deixar vocês sozinhos agora, vai lá avisar a eles. Ah, e… Luna tá uma gatinha, hein? Conseguiu ficar com ela, ou ela ainda é um dragão?

— Não é da sua conta.

André riu mais uma vez.

— Tchau, “musa queer”.

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Michael tirou o casaco, a camisa branca e deixou o seu tronco à mostra. Detestava tirar a camisa em um local desconhecido, mas a presença de Luna lhe deu um pouco mais de coragem. Ele odiava as manchas no próprio corpo, os pequenos pontinhos marrons clarinhos que se misturavam aos hematomas roxos e às marcas avermelhadas dos machucados. Luna os admirou com um pouco mais de vontade antes de iniciar a limpeza dos ferimentos.

Eram pontinhos marrons, mas eram claros demais para que ela desconfiasse das raízes negras do Michael. Suspirou, lembrou-se de que ele havia escondido esse detalhe dela, tentava entender seus motivos, mas esperava que ele tivesse confiado mais em sua pessoa.

Iniciou passando a pomada nas marcas de suas costas. Não havia nenhuma ferida aberta, então ela não precisou fazer mais que isso.

— Então… você… nunca me contou que é negro, não é…?

Tentou iniciar uma conversa, porém ele ficou em silêncio.

— Michael…

— Me desculpe.

— Tá tudo bem, só… eu queria saber o porquê.

Ele suspirou.

— O motivo para o meu disfarce ter durado tanto tempo foi esse. Depois que o vitiligo começou a se espalhar, eu fui… eu fui mudando. Eu fiquei diferente. Eu aproveitei isso para iniciar minha nova vida, mas pra isso o Michael precisava morrer para sempre.

Deu uma pausa.

— Você descobriu o meu nome quando mexeu nos meus documentos, senão eu teria mantido a identidade de Daryl. Eu queria matar o Michael… pelo menos por tempo suficiente até que eu sentisse coragem pra falar sobre isso. Não é que eu nunca iria falar isso pra você, mas eu só falaria no momento certo… quando eu me sentisse seguro.

Luna aquiesceu, em seguida cuidadosamente o abraçou por trás.

Ficaram em silêncio. Ela acariciou os seus braços com todo o cuidado do mundo para que aqueles hematomas não doessem mais, aproveitou que estavam sozinhos e tocou a pele clara da nuca do rapaz com os seus belos lábios carnudos. O beijo fez os seus pelos eriçarem, Michael não sentia um carinho como aquele há um tempo, desde que o seu pai o isolou do mundo.

— Luna…

— Michael… vira pra mim.

Sussurrou. O moreno não pensou muito naquele pedido, apenas o fez. Quando se virou, ela se aproximou e beijou sua boca. Levou as mãos ao seu rosto, acariciou o seu maxilar, suas orelhas, seus cabelos, enquanto seus lábios roçavam e sua língua explorava a dele. Michael não pensou no que estava fazendo, mas aquele beijo o fez lembrar dos momentos bons em que estava com a garota. Quando não brigavam, quando conversavam sobre seus sonhos, quando se apoiavam e passavam raiva juntos com os problemas em que ele se metia ou com os pretendentes abusados que ela atraía…

Já Luna, o beijava com vontade e intensificava à medida que ele cedia. Parecia estar buscando alguma coisa naquele carinho, alguma resposta que precisava para o seu coração.

Aos poucos, as mãos da garota desceram pelos seus ombros e, em seguida, pelo seu peitoral. Suas unhas carinhosamente arranharam os mamilos dele, o que lhe arrancou um gemido baixo que foi ouvido por ela. Luna agora desceu os lábios até o seu pescoço, queria ouvi-lo gemer mais um pouco. Começou com seus beijos molhados, Michael estava gostando das sensações, porém sabia que precisava parar.

Ele levou as mãos às dela e lentamente a afastou.

— Luna, pare…

Ela o encarou em silêncio.

— Você me ama…?

Indagou. Notou o peitoral dele discretamente expirar, percebeu seu suspiro tenso. Foi uma pergunta curta e direta, mas era algo que ela precisava ouvir, precisava tirar suas conclusões.

— Não.

Uma resposta mais direta ainda. O que quer que estivesse reacendendo ali, Michael preferiu manter adormecido. Tinha boas lembranças com a garota, porém também tinha lembranças ruins, memórias estas de um relacionamento abusivo e que preferia manter adormecidas.

Tinha profundo zelo por ela, mas não queria transformar aquilo em amor, sabia que havia outra pessoa preparada para tomar o seu lugar.

— E você…?

Luna suspirou, tentou pensar no que havia sentido quando o beijou. Pensou que talvez pudesse estar apaixonada, mas aquele beijo, por melhor que possa ter sido, foi diferente de quando estavam namorando. Ela sentiu algo diferente.

— Acho que… era o que eu precisava ouvir.

Se afastou. Michael catou sua camisa branca e passou a vesti-la quando Prince chegou da discussão que teve há pouco tempo.

— Nós vamos ficar aqui, mas não se afobem. É só por uma noite.