Hotel, Rochester - 02:12 hrs

Michael cantarolava baixinho a sua música preferida enquanto caminhava pelos corredores desertos do hotel em que estava hospedado sob convite de Cymone. Sem letras, agora havia apenas a doce e radiante melodia em sua mente, rondando seus pensamentos e o fazendo esquecer dos problemas.

“La ra raaa…”

Passou por corredores escuros e quartos fechados, com apenas a iluminação fraca do ambiente e das janelas abertas para clarear o seu caminho. Estava sem sono, o clima sufocante que Prince e André proporcionavam estava lhe tirando o descanso. Pensou que passear talvez lhe cansasse um pouco.

— Michael…

Ouviu alguém o chamar. Virou-se e se deparou com a única porta daquele corredor que estava entreaberta. Se aproximou e percebeu que era André do outro lado.

— Entra aí…

O rapaz entrou e fechou a porta. Logo seus olhos brilharam, estavam em uma sala de gravação.

— Uau… Por que tem isso em um hotel?

O baixista sorriu com a pergunta dele.

— Esse hotel costuma receber muita gente da indústria da música. Eles instalaram essa belezinha aqui depois que eu dei a sugestão. Não foi uma boa ideia?

— Pode apostar…

Michael passou os dedos suavemente pelos botões e alavancas do painel.

— Estava gravando a essa hora?

— É.. eu estava sem sono. Te ouvi cantando lá fora.

Michael deu ombros e sorriu, meio acanhado.

— Pensei que tu gostasse de rap, hip hop…

— Ah, mas eu gosto! Só que eu também gosto de clássicos.

— É… percebi. Chaplin, né? Meus avós enchiam o saco assistindo isso…

Michael riu discretamente.

— Isso. Smile é uma das minhas músicas preferidas.

— Quem diria… e pensar que eu corri de você mais do que o diabo fugindo da cruz, naquele dia do metrô. Agora descubro que você gosta de música de burguês branquelo.

— Eu não olho muito a cor ou a classe quando gosto de alguma coisa.

André sorriu.

— É uma boa, tem que ser assim mesmo.

Michael assentiu e voltou a mexer naqueles botões. Depois de um tempo xeretando, ele voltou a encarar o rapaz.

— Eu posso brincar com isso?

André arqueou a sobrancelha.

— Sabe mexer?

— Não muito, mas… eu entendo de música.

— É mesmo? Hum… quer gravar alguma coisa aí?

Michael fez uma expressão surpresa.

— A essa hora? Eu posso?

— Manda ver! Se souber o que tá fazendo, melhor ainda…

— Eu… posso gravar Smile?

O baixista revirou os olhos e deixou uma risada escapar.

— Vai aí, cara… Se diverte.

Michael sorriu. Há muito tempo queria gravar essa canção, porém, como sua carreira não estava sob seu domínio, ele se contentava com uma gravação informal, aproveitou também para trocar conhecimentos com André, uma vez que não sabia muito bem mexer naquele aparelho.

— Eu tenho uma dúvida… sobre você e o Prince.

O rapaz arqueou a sobrancelha.

— O que tem o Prince…?

— Parece que um vai avançar no outro a qualquer momento… Vocês eram amigos, o que aconteceu?

— Ah… é só isso…

André relaxou em sua cadeira. Pensou se deveria falar, mas, no fim, se estava alimentando uma amizade com o cantor, decidiu que Michael precisava saber.

— Cara, vou te mandar a real… Ele é um idiota. Nunca faça parceria com ele, é um cretino.

Michael discretamente franziu o cenho ao ouvir aquilo.

— Prince não é uma pessoa ruim. Eu o conheci.

— Eu sei… eu não odeio ele, sacou? Mas Prince é um predador…

Ele exibiu um sorriso de canto.

— Sempre fomos amigos… e… eu não acho que isso mudou, mas amigo é amigo e carreira é carreira, Prince sabe muito bem disso. Enquanto você não se envolver profissionalmente com ele, vai ficar tudo bem, a não ser que você seja uma gata gostosa.

O rapaz gargalhou.

— Se for o seu caso, ele vai te promover, mas se você é um potencial rival, pode esquecer. Ele é um puta cretino esperto.

Michael cruzou os braços e ficou pensando naquela história. Parecia com dificuldades em acreditar que Prince poderia ser capaz disso, embora soubesse que haviam sim esses tipos de casos na indústria da música. André apenas continuou em seus devaneios, tomou o próprio álbum em mãos, que estava apoiado sobre o painel, e ficou o observando.

— Ele sabia que eu podia ser maior que aquele grupo… acho que, por um tempo, eu fui o rival dele. No fim, eu só tenho a agradecer por sair daquela merda, mas também tenho que agradecer ao Prince por me fazer perceber isso.

— Bom, espero que seja só isso mesmo, porque acho que nem a Luna suporta mais vocês dois…

André gargalhou.

— Nós esperamos, cara. Olha, é melhor gravar logo antes que clareie, eu quero fechar essa sala antes dos outros acordarem.

Michael assentiu e passaram a noite toda gravando. Às 06hrs, se despediram e foram tentar tirar um cochilo antes que todos acordassem.

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Eram 08:58 quando Prince passou a perambular pelos corredores em busca dos seus amigos.

— Alguém em casa…?

Deu duas batidas na porta e então forçou, surpreendendo-se ao notar que estava aberta. Quando entrou naquele cômodo aleatório, percebeu que era uma sala de gravação. Prince caminhou lentamente pelos cantos, observando cada decoração, cada disco exposto na parede, cada material de música, até notar uma singela fita cassete repousando sob o painel.

Segurou o objeto e percebeu que o nome do Michael estava escrito nela.

— Hum, olha só… eles deixaram a baguncinha deles aqui…

— Prince…

Ouviu a voz de Luna. Resolveu ficar com aquilo, queria ver o que era. Logo após, foi ver o que a garota queria.

Ela estava logo na frente da porta.

— Bom dia, Moon…

Aquilo fez os olhos azuis da garota cintilarem.

— Uau…

— O quê…?

— É que… faz um tempo que você não me chama assim.

Sorriu, em seguida levou um dos seus cachinhos para trás da orelha, meio acanhada. Prince observou suas reações e também sorriu em resposta.

— Obrigado por lembrar. Vou te chamar mais vezes…

Ela riu.

— Tá procurando o Michael?

— Na verdade, eu estava procurando você. Deixei a mochila com você, não foi? E minhas roupas estão lá.

— Ah… é verdade. Vem, tá lá no quarto!

Seguiram para fora do lugar. Em silêncio, Luna o levou para o quarto em que havia ficado, que não era muito longe do corredor daquela sala. Assim que entraram, ele se deparou com a mochila em cima da cama. Abriu e escolheu um conjunto.

— Se incomoda se eu me trocar aqui?

— Claro que sim!

Ela cruzou os braços e eles riram em seguida.

— Então vira…

A garota ficou de costas e deixou que o cantor se vestisse. Nesse momento, novamente ficaram em silêncio. Ela umedeceu os lábios e começou a massagear as próprias mãos, talvez conversar a distraísse um pouco.

— Prince, nós… podemos conversar?

— Claro. Só me deixe terminar isso aqui…

Ela assentiu. Após alguns instantes, ele se acomodou ao seu lado.

— O que foi?

Luna virou e o fitou.

— Eu… beijei o Michael ontem.

Sussurrou, como se quisesse manter um segredo. Luna não sabia exatamente por que estava contando aquilo, não era algo que dizia respeito ao moreno, mas queria ver sua reação e acabou conseguindo. Prince fez uma expressão de surpresa que tentou a todo custo disfarçar. Lentamente sua feição mudou para uma neutra, não queria de jeito nenhum mostrar que esse assunto o havia tocado de alguma forma.

— Hum… gostou?

Ela suspirou discretamente.

— Eu não senti… nada.

Prince arqueou a sobrancelha.

— Nada? Como assim?

— Foi diferente. Foi uma sensação diferente de quando a gente namorava. Não sei se foi o tempo, não sei mesmo… Eu pensei que tava apaixonada por ele, mas não era isso.

— Ah, sim… acho que era só tesão mesmo, eu sinto isso o tempo todo com as meninas com quem eu saio.

Disse, mantendo o tom de voz natural. Ainda ao seu lado, voltou a catar a mochila e a xeretar o que tinha lá dentro, numa forma de se distrair. Ele queria passar a sensação de tranquilidade, mas Luna se perguntava se suas reações eram mesmo genuínas.

— Talvez… Sabe… eu achei que ia sentir o mesmo que senti com você.

Prince ficou inerte por alguns segundos. Ainda sem olhar em seus olhos, prosseguiu.

— Sentiu…?

— Quando te beijei no hospital.

Ela manteve o olhar nele.

— Prince… você me ama?

A temida pergunta. Ele não respondeu imediatamente, lembranças permearam sua mente naquele momento. Lembranças de quando se reencontraram, de quando estavam presos no elevador, de quando ele ia confessar o seu amor, mas algo sempre o puxava de volta…

— Acho que já te respondi isso uma vez…

— Me refiro a hoje, agora.

Ele deixou a mochila de lado e, enfim, fitou os seus olhos azuis. Luna não precisou olhar por muito tempo para os seus olhos castanhos claros para perceber que havia algum sentimento ali, e ela queria saber se o seu próprio coração ainda sentia a mesma coisa.

Lentamente levou as mãos ao seu rosto e o puxou para um beijo. Quando seus lábios tocaram os dele, Prince os deslizou para o canto de sua boca, queria evitar aquele toque, queria se afastar dela, porém sabia que não conseguiria. Luna só precisou insistir mais uma vez e não foi negada. Ele retribuiu seu carinho, desfrutou lentamente de seus lábios antes de explorar sua boca e sentir, novamente, aquele gosto doce que havia sentido no primeiro beijo deles. Luna lentamente desceu as mãos pelos seus ombros e passou os dedos pelo seu peitoral. Cada toque arrepiava o corpo do cantor, que estava se segurando para não jogá-la na cama e tirar a sua roupa. Há anos tentava negar aquele sentimento e, agora, estava o sentindo novamente e de uma vez. Odiava aquilo.

— Luna…

Ele levou as mãos aos pulsos dela e carinhosamente a afastou.

— O que foi?

Discretamente balançou a cabeça em negação.

— Eu não amei nenhuma das garotas com quem saí até agora, mas… com você é diferente. Eu tentei superar desde o dia em que você me negou… mas eu te amo. E é por isso que isso não vai dar certo.

— Vai sim.

Ela segurou suas mãos com força.

— Eu pensei que eu estava apaixonada pelo Michael… mas não era… era você. Eu amo você. Desde o hospital… mas você me negou e eu também tentei seguir em frente.

Prince parecia pensar no que ela havia dito. Desviou o olhar para baixo, mas a garota levou as mãos ao seu rosto mais uma vez e acariciou o seu maxilar.

— Não é você quem diz que… vale a pena lutar por tudo que é bonito…?

Aquilo o pegou desprevenido. Ele a encarou mais uma vez.

— Quer lutar por isso?

Sussurrou. Ela lentamente moveu a cabeça em concordância. Prince ficou em silêncio, pensou em dizer alguma coisa, mas no fim escolheu o que considerava mais apropriado para a ocasião: ações no lugar de palavras.

Se aproximou e novamente a beijou, era o sinal que Luna precisava para sentir que estavam selando aquele pacto e travando aquela batalha juntos.

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Orla de Rochester - 10:30 hrs

Tiraram os sapatos e descansaram os pés na areia quente e macia das orlas da praia de Rochester.

Ficaram na área isolada. Os turistas e banhistas estavam em outra parte da praia, ali estavam apenas alguns poucos pedestres e apaixonados. Entre eles, Prince e Luna.

Ela o chamou para dar uma volta, ver um pouco o mar a fazia se lembrar de suas raízes brasileiras.

Quando seus olhos alcançaram o belíssimo mar azul, soltou sua mão.

Prince tentou acompanhá-la, mas parou quando viu que era um momento muito particular seu. Luna sorriu, sentir toda aquela maresia despertava-lhe recordações profundas da casa de seus pais. Ao longe, ele ficou a observando. Os lindos cachos se moviam com o balançar dos ventos, o sol os caramelizava com o brilho dos seus raios, o sorriso dela era lindo, alvo e iluminava o seu coração, Luna estava transbordando os pensamentos criativos do cantor com sua beleza, lhe trazendo ideias, metáforas e inspirações que ele pensava que nunca mais teria ao olhar para ela, como era na sua juventude.

“Até o final dos tempos

Eu estarei com você.

Você é dona do meu coração e da minha mente

Eu te adoro de verdade.

Se Deus um dia me cegar

A sua beleza eu ainda enxergaria.

Amor é muito pouco para definir

O que você significa para mim.”

— Prince!

Ela retornou, toda radiante. Correu em sua direção, segurou suas mãos e beijou os seus lábios novamente. Ele ainda não havia normalizado aquele carinho em sua mente, cada beijo que recebia era especial como se fosse a primeira vez. Prince havia namorado muitas mulheres, mas nenhuma que até então fizesse o seu corpo e pensamento reagir daquela maneira.

— Vem cá, vou te mostrar uma coisa…

O puxou carinhosamente pela areia fofa. Caminharam até a beira do mar, onde as ondas, já serenas, alcançavam os seus pés.

— É uma tradição de ano novo lá no meu país. Eu não sei o que acontece se fizer fora do reveillon, mas eu queria te mostrar.

Ela ficou de frente para o mar e segurou uma das mãos do rapaz. Prince manteve a postura serena, mas estava alegre e sorria, contagiado pela animosidade da garota.

— Vamos ver isso…

— É fácil! É só pular as ondas que vierem e fazer um pedido após cada pulo. São sete ondas, sete pedidos. Isso chama energias positivas pro ano novo.

Prince não costumava fazer simpatias, mas cedeu para aquele momento, parecia algo divertido. Não conseguiu sequer fazer um comentário, uma pequena onda estava vindo em direção ao casal. Luna apertou sua mão com carinho.

— Pronto? Uma!

Pulou, em seguida fechou os olhos e fez um pedido.

— Não vale falar, hein? Mas… o que você pediu?

— Nã-nã-nã, não vou falar.

— Aah, Prince…

Ela fez um biquinho emburrado, porém logo recebeu uma mordidinha carinhosa do cantor, o que lhe arrancou uma risada.

— Olha a próxima… duas!

Dessa vez foi a vez dele alertá-la. Pularam, ela quase caiu sobre seus ombros. Essa onda foi um pouquinho mais forte e respingou a água salgada do mar por suas pernas.

— Três!

Outra, o que fez o casal gargalhar. Foi um dia calmo e divertido, pularam as demais ondas e, quando terminaram, Luna o puxou lentamente para longe do mar, ainda admirando as águas salgadas, sem dar às costas ao horizonte.

— Dizem que, se virar de uma vez, dá azar…

— Mesmo? Você acredita nisso?

— Não sei… eu que não quero arriscar.

Ela riu. Quando já estavam afastados, voltaram a passear pela praia. Prince achou aquela atividade muito divertida, mas muitos dos seus sonhos já haviam se realizado, e um deles estava ali, caminhando ao seu lado.