Apresentação em Minneapolis - 23:32 hrs

— Ao meu sinal, saia do salão e chame a polícia. Se tudo der certo, eles vão levar aquele velho preso por no mínimo documentos adulterados.

— Okay. Ah…

Luna se jogou nos braços de seu amado e beijou os seus lábios com vontade.

— Boa sorte… eu te amo.

Prince sorriu.

— Também te amo, princesa. Fique na mesa, senão podem desconfiar de alguma coisa.

A garota assentiu e logo se retirou. Prince suspirou e virou-se em direção ao corredor que dava para os bastidores daquele lugar, precisava entrar ali de qualquer forma se quisesse que esse plano funcionasse.

Passou a mão nos cabelos e seguiu em frente.

De todos os convidados ali, Prince chamava atenção tanto quanto as mulheres do salão. Era extravagante e dificilmente passaria despercebido. Seu plano era apenas entrar nos corredores sem olhar no rosto de ninguém, sem parar para cumprimentar ninguém, ignorar qualquer um que o chamasse, e foi assim mesmo que fez. Algumas pessoas chegaram a se questionar, mas tiveram receio de indagá-lo por ele ser também uma celebridade de peso. Prince continuou a caminhar até encontrar a sala no qual controlavam os sons. Sua estadia era ali mesmo.

Ali, um estagiário controlava o painel.

— Ah, s-senhor…

— Você está dispensado. Diga aos seus colegas de som que foram ordens de Joe Jackson.

O novato assentiu e timidamente se retirou, sem sequer questionar a veracidade da ordenança. Prince estava falando consigo e aquilo para si era mais do que suficiente.

Assim que se retirou, o cantor se acomodou no seu lugar e fez alguns ajustes nas configurações. Após, tirou o presentinho do bolso e desfez o embrulho, teria que usá-lo agora.

Enquanto isso, Michael saiu do camarim, atravessou o pequeno corredor e foi em direção ao palco. Já sabia o que ia apresentar, só teria que fazer o seu trabalho e poderia sossegar pelo resto da noite.

Quando enfim chegou ao palco, viu como todo o ambiente parecia escuro. Se aquele show estivesse sob seu comando, faria em uma arena aberta onde pessoas do mundo todo pudessem contemplá-lo. Faria uma entrada triunfal, contaria uma história, instigaria o público a dançar, colocaria telões por todos os lugares… mas era o seu pai que estava ali, aquele ambiente frio era obra dele. Todos estavam muito bem elegantes e o velho era um dos primeiros na fileira da frente. Ele encarava como se o avaliasse, Michael estava se sentindo pressionado por aqueles olhos mais uma vez.

Suspirou, sabia como agradá-lo, agora não era hora para ter medo.

Esperou que a música começasse, porém se surpreendeu quando ouviu o instrumental da sua melodia favorita.

Smile.

Olhou discretamente para o seu pai, viu que ele também não estava esperando por essa, nenhum dos engravatados da primeira fileira esperava, olhavam uns para os outros como se buscassem por respostas. Já os demais convidados não pareciam tão preocupados assim, para eles era parte do show…

… e para Michael também.

“Sorria…

Embora seu coração esteja doendo.

Sorria…

Mesmo que ele esteja partido.

Se há nuvens no céu

Você vai dar um jeito.

Se sorrir com seu medo e tristeza…

Sorria, e talvez amanhã…

Você descobrirá que a vida ainda vale a pena

Se você apenas...

Ilumine seu rosto com alegria.

Esconda todo rastro de tristeza.

Embora uma lágrima possa estar tão próxima

Este é o momento que você tem que continuar tentando…

Sorria…

Pra que serve o choro?

Você descobrirá que a vida ainda vale a pena

Se você apenas…

Essa é a hora que você tem que continuar tentando!

Sorria…

Pra que serve o choro?

Você descobrirá que a vida ainda vale a pena

Se você apenas… sorrir.”

Ao terminar, o público até então morto daquele salão se levantou em completa harmonia e aplaudiu veementemente. Os olhos de Luna cintilavam de emoção, ela aplaudiu com vigor enquanto observava a transformação do semblante do moreno, em como ele parecia mais cheio de vida depois de cantar aquela canção.

Infelizmente não pôde ficar por muito tempo, aquele era o sinal que precisava para dar continuidade ao plano do amado. Aproveitou a distração dos demais, pegou sua bolsa e partiu.

No palco, Michael chorava em silêncio. Lágrimas escuras de sua maquiagem desciam e pintavam sua pele clara. Aos poucos o seu semblante emocionado deu espaço a uma expressão neutra, como se ainda não acreditasse que conseguiu, enfim, cantar aquela canção em um palco.

Olhou mais uma vez para Joe Jackson que estava furioso. Sabia que, embora não fosse sua culpa, aquele olhar assassino em sua direção significava que pagaria as consequências.

A próxima música não começou imediatamente, um silêncio profundo tomou conta da sala assim que o instrumental de Smile teve o seu fim. Prince o fez propositalmente, sabia que Michael precisava perder o medo e por isso o pôs para cantar uma canção proibida pelo próprio pai na frente dele. Se tudo saísse como planejado, Prince havia acabado de lhe dar um pouco de coragem.

Agora, ele poderia destrancar o Daryl de sua alma.

Michael devolveu o olhar de ódio para o pai. Era um olhar cortante, baixo e assassino.

Ali, não era mais ele. Era outro.

“Quem é mau…?

Quem é mau…?

Quem é mau…?

Quem é mau…?”

Ele sussurrava, enquanto mantinha os olhos nos do homem. Ele podia ser diferente de seu pai em diversos aspectos, mas uma coisa tinham em comum: um jamais abaixaria a cabeça para o outro. Ao menos, não enquanto Daryl estivesse no controle.

Seguiu em direção à mesa do pai em passos firmes e calmos, os punhos cerrados e o olhar fixo. O velho não moveu um músculo.

Porém, mesmo mantendo-se firme, não esperava que seu filho fosse pular do palco para a sua mesa. Os talheres balançaram e alguns dos copos com champanhe vieram ao chão. Todos, agora, estavam contemplando aquilo.

“Você está me dizendo!

Você está fazendo errado!

Vão te prender!

Em pouco tempo…

Você está fazendo errado!

Você está fazendo errado!

Só tome cuidado com o que fala, cara!

Apenas tome cuidado…

Você sabe!

Você sabe disso!

Você sabe!

Você sabe disso!

Você está fazendo errado!

Você está fazendo errado!

Você está fazendo errado!

Você está fazendo errado!”

O público, imerso pela paixão do rapaz, aplaudia à medida que Michael cantava, como se fosse o seu instrumental. Joe Jackson estava surpreso com a ousadia que seu filho estava o tratando, queria espiar suas laterais e ver como seus amigos estavam reagindo àquilo, mas a sua raiva não permitia desviar o olhar do dele.

Já satisfeito, Prince sorriu e deixou a próxima música do seu medley seguir em frente. Michael reconheceu o instrumental de Tabloid Junkie e passou a pular de mesa em mesa, apenas nas dos amigos do seu pai, enquanto dançava, cantava e chutava os vasos e talheres de propósito.

“Só porque você leu em uma revista

Ou porque viu na TV

Não faz isso ser verdade.

Embora todos queiram saber sobre isso!

Só porque você leu em uma revista

Ou porque viu na TV

Não faz isso ser verdade, realidade…”

Ele virou para o seu pai uma última vez antes de subir no palco.

“... Você é um maldito irresponsável.”

O público gritou, energizado. O ambiente silencioso e aconchegante deu espaço à euforia que Michael estava trazendo para aquela plateia, e tudo aquilo estava deixando Joe Jackson irritado. Seus amigos, por outro lado, aos poucos passaram a aprovar aquela apresentação, precisavam admitir que Michael poderia ser ainda mais rentável sem as focinheiras daqueles contratos abusivos.

Já cansado daquele desrespeito, o velho se levantou e deixou a mesa, iria ver com seus próprios olhos quem é que estava escolhendo as músicas da performance.

Uma vez que estava fora do salão, Michael passou para a mesa de Jones Jr., tomou os papéis que estavam ali e, sem ler nenhum deles, os rasgou na frente do adulto, que o encarou com espanto.

— Da próxima vez que quiser fazer um contrato comigo, fale comigo.

Dado o recado, desceu em um pulo e correu em direção ao palco onde o seu novo público o esperava. Outro instrumental iniciou, era o último daquele medley.

Era a história dele.

“Todo dia, crie sua história.

Todo caminho que você toma, está deixando seu legado.

Todo soldado morre em sua própria glória.

Toda lenda conta sobre conquista e liberdade.

Todo dia, crie sua história.

Toda página que você vira, está escrevendo seu legado.

Todo herói sonha com nobreza.

Todas as crianças deveriam cantar juntas em harmonia.

Todas as nações, cantem…

Vamos harmonizar ao redor de todo o mundo.”

O público vibrou e aplaudiu de pé. Michael fechou os olhos e elevou a cabeça para o alto, recebendo todo aquele carinho que jamais havia sentido antes. Pela primeira vez, em anos, ele gostou de estar em um palco.

Ele enfim aceitou que era ali o seu lugar.

x ----- x

Prince ouviu os aplausos vibrantes enquanto sua fita quase chegava ao fim. Satisfeito e já ciente de que Luna havia recebido o sinal, estava prestes a retirá-la do aparelho quando Joe Jackson entrou na sala.

— Você…

— Opa… essa é minha deixa.

Disse o cantor, bastante tranquilo, quando de repente viu aquele homem empunhar uma arma em sua direção. Naquele momento, apenas naquele momento, Prince percebeu que havia ido longe demais.

Lentamente levantou os braços e saiu da cadeira.

— Vai fazer o quê? Atirar em mim? Você sabe que será bem pior pra você do que pra mim…

— Você acha que eu me importo, rapaz? Você corrompeu o meu filho. Se eu o perder, o que mais você acha que eu tenho?

Recarregou o revólver, que fez um estalo assustador, estava pronto para atirar e esperando apenas o comando de seu controlador. Prince engoliu seco, mas tentou se manter calmo.

— O seu filho não estava feliz…

— E o que isso importa? Você estragou o meu negócio!

— Espere…!

— Você não devia ter se intrometido onde não foi chamado! Eu lhe dei chances, mas agora não vejo outra escolha senão descarregar essa arma toda em você!

Prince estava a todo tempo concentrado naquela arma. Viu o homem puxar o gatilho, ele estava mesmo falando sério, por um segundo o medo tomou conta dos seus pensamentos. Instintivamente se jogou para o lado e tentou sair daquela sala a todo custo.

Um disparo foi feito, mas felizmente não pegou no cantor.

— Pare! Você está louco!!

Ao longe, no palco, por mais que a plateia estivesse eufórica e barulhenta, Michael estava próximo o suficiente dos bastidores para ouvir o tiro seguido das discussões acaloradas. Ele estranhou aquele movimento, mas só entendeu a gravidade quando identificou Luna, distante, sendo acompanhada por alguns policiais. Imediatamente deixou os palcos.

— J-Joe, se você me matar, não tem fiança que pague a sua cana, você sabe disso, não sabe?!

— Não tem cadeia que me tire o prazer de ver você agonizando por tudo que fez com o meu negócio, seu cretino!!

Engatilhou a arma mais uma vez. Prince sabia que, se não saísse de sua mira, certamente levaria um tiro fatal, ele estava seriamente disposto em acabar com sua vida.

Sem muita escapatória, correu em direção ao fim daquele corredor, levaria um tiro por trás, já estava pressentindo isso, porém as coisas não saíram como estava pensando.

Ouviu um disparo alto e forte, bem próximo de seu campo de audição. Nesse momento, alguém se jogou sobre o seu corpo e o abraçou, deu um giro e levou o tiro em seu lugar, um disparo certeiro nas costas.

E, apenas quando tudo ao seu redor ficou em profundo silêncio, percebeu quem estava ali consigo.

— Michael…

Sussurrou. Michael fitou os seus olhos uma última vez antes de tentar segurar-se em seu corpo, porém perdeu o equilíbrio e caiu, puxando consigo uma corrente dourada que o cantor estava usando no momento.

— Não… n-não… Michael!!

Prince se ajoelhou e agarrou o seu corpo. Notou o peito dele subir e descer, sua respiração estava descompassada.

— Respira… respira…

Murmurou. À essa altura, Prince já teria corrido para chamar por ajuda, porém algo em seu coração dizia para ficar e não perder mais nenhum momento ao lado de seu amigo. Aos poucos a plateia se aproximou juntamente com a polícia, que, ao ver a cena, logo correram na direção de quem estava portando a arma.

Joe foi algemado sem resistência, estava louco para matar aquele jovem cantor, mas disparar em seu filho o deixou chocado e ninguém nunca soube ao certo se era tristeza pela falência do seu negócio ou pela vida dele.

Já Luna, quando chegou ao local, encarou a cena com um olhar profundo de terror.

— Meu Deus…!

Levou a mão à boca e se afastou. A visão fora tão absurda para o seu coração, que ela acabou por desmaiar e precisou ser amparada pelos convidados que haviam ali.

Uma ambulância foi chamada, mas Prince sentia que não adiantaria. Ele não tirava o olhar dos olhos negros do seu amigo, ainda tinha vida ali, eles ainda conversavam consigo. Levou a mão ao rosto dele, acariciou a maçã de sua bochecha com o polegar, deixou que as próprias lágrimas silenciosas descessem de seus olhos castanhos claros e encontrassem a pele clara do rapaz. Naquele momento não havia mais ninguém ao seu redor, mesmo que estivesse rodeado de pessoas, não havia mais ninguém senão seu amigo.

Notou quando Michael se esforçou para levantar uma das mãos, queria repetir aquele gesto. Prince o ajudou, segurou sua mão com cuidado e a levou para o próprio rosto, onde o rapaz retribuiu o carinho em sua bochecha.

— Não chore… valeu a pena…

— Não… não valeu, eu vou perder você…

Murmurou, juntando lentamente sua fronte à dele. Sentiu a mão do rapaz - em seu rosto - enfraquecer, o que foi suficiente para que suas lágrimas saíssem com mais vontade, Prince nunca havia sentido tanto medo antes.

— E-eu não quero perder você…

— Prince… pare… você me disse que valia a pena… lutar pelas coisas bonitas… e eu acredito nisso…

Sussurrou. Seu peito já não se movia como antes, sua respiração estava enfraquecendo. Prince notou o seu corpo esfriar, sentiu que ele estava desfalecendo, não tinha mais coragem para olhar em seus olhos e vê-lo deixá-lo aos poucos.

Encostou o rosto ao lado do seu, chorou com todas as suas forças. Queria lutar contra a morte pela vida de seu amigo, mas, pela primeira vez em anos, se sentiu impotente.

Deixou que o tempo tomasse o seu curso… até que ele morresse em seus braços.