Hotel Best Western, St. Peter - 08:03 hrs

Já era dia seguinte.

Michael foi o primeiro a abrir os olhos. Sua visão ainda estava turva, mas foi apenas esfregar os olhos, que percebeu a decoração diferente do teto do quarto e lembrou-se de que não estava mais na mansão de seu pai. Lentamente levantou-se, espreguiçou-se, notou que estava sozinho. Foi então que as memórias do dia anterior aos poucos retornaram. Prince havia alugado quartos separados no hotel mais próximo e digno que encontraram. Não tiveram tempo de pesquisar e nem haviam muitas opções parecidas com a vida que levavam, St. Peter era uma cidade bastante afável e simples, não era nada parecido com Los Angeles.

Michael não se importou, ele adorava a simplicidade e, naquele momento, estava mesmo pedindo um pouco de sossego. Foi até o banheiro, tomou um banho quente e foi conferir se suas roupas tinham secado. Vestiu-se novamente com elas, eram as únicas que tinha agora. Havia conferido os seus bolsos na noite passada, assim que viu o Prince salvando um dos próprios cartões, e torceu para os seus também terem sido poupados. Percebeu que estava com sorte quando viu um cartãozinho prata cintilar.

Agora, com a mente descansada, iria tomar seu café da manhã e sair para fazer compras. Precisaria estar preparado se quisesse fazer uma vida nova em Rochester.

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St. Peter era mais agradável do que parecia.

Quando saiu do hotel, as primeiras coisas que passaram por seu olhar foram as construções que mais pareciam ter saído de algum filme de Sessão da Tarde: os canteiros de flores em cada esquina, as ruas pacatas e limpinhas, as pessoas solícitas e a belíssima natureza ao redor. Michael inspirou o ar gostoso daquela cidade e iniciou sua caminhada, levou as mãos aos bolsos e começou a visitar algumas lojas.

Não podia se esquecer que o seu pai podia rastreá-lo se usasse o cartão, precisaria marcar um momento certo para poder comprar e sair daquele lugar o mais rápido possível, não podia vacilar agora.

Mas um detalhe, por um segundo, o fez esquecer todas essas preocupações: ele estava livre.

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Prince acordou ao ouvir algumas batidas na porta de seu quarto.

De repente, percebeu a luz do sol entrando pela janela e aquecendo sua cama. Ele se espreguiçou, e então percebeu que nada do que havia passado na noite anterior tinha sido um sonho.

— Prince…?

Pela voz, era Luna. O homem lentamente se levantou, passou a mão nos cabelos e notou que estava nu. Havia deixado toda sua roupa para secar.

— Um segundo!

Correu para se aprontar. Odiava ter que usar a mesma roupa, mas era o que tinha no momento, esperava voltar para casa o quanto antes.

— Vamos comer juntos? Eu tava te esperando pra tomar café comigo.

— Perfeito, perfeito! Só espera um pouco…

Assim que já colocou a calça, abriu a porta para que a garota entrasse. Ela parecia tranquila, mas arqueou as duas sobrancelhas quando viu o rapaz sem camisa. Prince podia ser baixinho, mas tinha um peitoral e músculos bem definidos, algo que ela com certeza havia reparado.

— Uau, Prince…

— Senta aí, já estou terminando.

Ela fechou a porta enquanto ia se acomodar na beira da cama do cantor.

— Então… qual o plano de hoje? Você vai mesmo alugar um carro?

— Vou, né? Isso se tiver um aluguel de carros por perto, esse lugar parece ter saído de um livro infantil.

Disse, enquanto se vestia no closet que havia ali. Luna suspirou.

— Nós não estamos no interior, né? E Paisley Park não tá tão distante.

— Nem pensar, não vou pegar transporte público. Ou vamos de carro, ou nada feito.

Ela gargalhou.

— Você é esperto, hein? Eu nem falei disso. Bom… eu ia chamar o Michael também, mas ele não tá no quarto.

Prince suspirou.

— Eu espero que ele não faça nenhuma besteira hoje.

— Relaxa, Prince, ele não é criança. Ele deve ter ido dar uma volta… A gente ainda precisa conversar com o Michael, eu ainda não tô entendendo o que diabo tá acontecendo.

O cantor vestiu sua camisa extravagante e fez o melhor que pôde na frente do espelho. Sem maquiagem, sem produtos de beleza, sem loções e sem opções, seu lado metrossexual precisou se conter um pouco. Ele suspirou e virou para a garota.

— Isso é mais sério do que parece, Luna. Quer saber o meu palpite? Esses homens mandam na vida dele, mas isso é uma acusação grave demais e você sabe como a América lida com isso. Sem provas realmente concretas, ele nunca vai conseguir condená-los.

— Você acha… que é isso mesmo? Mas ele é adulto…

— Vai saber… contratos, meu amor. Vida de famoso não é fácil, tem que saber o que está assinando. Ele também pode estar sendo coagido ou ameaçado, pelo que eu entendi, ele está nesse rolo desde muito novo.

Luna suspirou e aquiesceu. Quando viu que o rapaz já estava pronto e se direcionando para a porta, logo o acompanhou. Se retiraram e foram para o restaurante do hotel.

— Daqui, vamos atrás de alguém que alugue carros?

— Não. Vamos dar um trato em nós dois, e talvez também naquele projeto de Curtindo a Vida Adoidado, se ele quiser… Depois disso, vamos atrás de um carro.

Luna riu baixinho e assentiu.

— Tá bom, senhor Nelson. Você quem manda.

Prince sorriu com o comentário e segurou a mão da garota. Seguiram em frente.

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Depois de sacar uma boa quantia, Michael aproveitou para comprar algumas roupas novas e beber um capuccino. Estava caminhando em direção a uma praça para descansar um pouco, enquanto tomava sua bebida e usava os seus novos óculos escuros, quanto mais se disfarçasse, melhor.

Depois de uns 10 minutos sentado no banco de uma praça, desfrutando do ambiente e da bela vista, enfim ele percebeu que não estava sozinho. Ao seu lado, um garotinho vestindo roupas meio surradas parecia estar conferindo a lata de lixo próxima. Ele olhava disfarçadamente, como se estivesse com vergonha de ser notado. Michael arqueou a sobrancelha, era um garoto muito novo e aquela situação lhe partiu o coração.

— Ei…

O chamou em tom baixo para não assustá-lo. O menino se afastou, mas parou quando viu o rapaz movimentar o copo que segurava.

— Você quer…?

O garoto lentamente fez “sim” com a cabeça. Michael sorriu.

— Então vamos, vou te comprar um novo.

Não era algo benquisto acompanhar um adulto desconhecido, mas uma criança de rua normalmente não tem muito a quem recorrer, então o seguiu em sua inocência, e Michael lhe retribuiria a confiança. O levou até uma lanchonete local e, lá, lhe pagou o que comer. O garoto estava com muita fome.

— Tá bom?

O menino assentiu, eufórico.

— Brigado!

Michael sorriu, de repente sentiu seu coração aquecer por dentro. Bebeu o resto do seu café e esperou o garoto terminar de comer.

— Depois, vamos comprar roupas, ok? E… você não tem casa? Posso te deixar em um abrigo…

— Não! Não gosto de abrigo! Prefiro ficar com a minha mãe!

Michael engoliu seco e aquiesceu.

— Sua mãe… entendi. Onde ela está?

Indagou, porém não obteve resposta, o menino estava concentrado demais em deixar sobras de sua comida e guardá-las nos bolsos.

— Ei, não precisa guardar pra mais tarde, eu te compro mais.

— Não é pra mais tarde, é pra minha mãe.

Ao ouvir aquelas palavras, Michael mordeu os lábios, a situação era pior do que parecia.

— Entendo… er… onde está sua mãe? Pode me levar até ela?

— Posso!

Michael suspirou e assentiu. Após alimentar o garoto, comprou um pouco mais de comida para que ele levasse para a mãe e, em seguida, o acompanhou para fora.

Porém, as coisas não saíram tão tranquilas como ele pensava que seria. Assim que saíram do local, o menino se jogou rapidamente por trás de suas pernas ao perceber a aproximação de alguém. Michael levou um susto com o movimento brusco do garoto, até enfim perceber que aquilo era medo, e que ele estava se escondendo…

… de uma mulher.

— O que foi…? O que aconteceu?

Sussurrou, mas o garoto não respondeu. De repente, viu uma morena alta, de pele clara e belos olhos azuis se aproximando. Ela estava usando um vestido preto justo ao corpo, até o joelho e de mangas compridas, um decote discreto e uma boina francesa. Era uma moça muito bonita, mas o seu olhar era tão assassino que esses detalhes ficaram em segundo plano na mente do rapaz.

— Eu posso saber o que o senhor está fazendo com essa criança?!

Indagou. Embora cruzasse os braços e os seus lábios vermelhos fizessem um biquinho emburrado, ela não lhe passava intimidação, era um ex bad boy treinado. Arqueou a sobrancelha e lhe deu um olhar debochado.

— É o seu filho?

— Não, mas…

— Não deixa ela me levar, tio! Ela quer me levar pro abrigo!

A garota suspirou, aborrecida.

— O abrigo não é um lugar ruim! Olha, esse menino é bem difícil, mas ele não é um sem-teto, ok? Tem pessoas que cuidam dele.

— Uma dessas pessoas é você?

— Sim, mas…

Ela suspirou.

— É complicado, ok? Ele não quer deixar a mãe, por isso não quer ir pro abrigo, mas o abrigo é o melhor lugar em que ele pode estar.

Michael aquiesceu em silêncio, tentando digerir tudo aquilo, porém sem mostrar-se abalado.

— Hum…

— Não deixa ela me levar, tio, por favor!

— Calma, calma… vai dar tudo certo.

Michael apertou carinhosamente sua mão.

— Por que a mãe dele não está lá também?

— É um abrigo para crianças. Se formos levar todo mundo que mora nas ruas até lá, não teremos verba para manter o lugar.

Ele mordeu os lábios.

— Isso é cruel, sabia…? Acho até que pior do que deixar esse garoto com a mãe, nas ruas, é separá-lo dela.

A mulher cruzou os braços.

— E o senhor, "superstar cheio da grana", tem alguma ideia melhor? Porque a gente faz o que pode… nós não temos condições.

— Talvez eu tenha uma ideia melhor que a sua.

Disse o rapaz, com um sorriso provocativo no rosto.

— Mas depois eu te conto. Vou levar esse garoto para fazer umas compras. Depois, podemos conversar.

Virou-se para o menino, enquanto a mulher ficava lá, o encarando com o olhar mais chocado que podia fazer.

— Um momento, um momento! Você sabe com quem está falando?

— Garotinho, qual é o seu nome?

Ignorou a mulher. O menino, ainda com medo, respondeu.

— Devin…

— Devin. Meu nome é Michael. Eu não vou sair do seu lado, tudo bem? Vamos comprar roupas novas pra você e algum presentinho pra sua mãe, depois vamos ver um jeito de manter vocês juntos, está bem?

O pequeno Devin assentiu, ainda muito acanhado. Ele não confiava de jeito nenhum naquela mulher, mas Michael lhe passava um conforto de irmão mais velho que ele gostava. Após conversar com o garoto, o rapaz voltou sua atenção para ela.

— Vai sair da frente ou vai ficar aí atrapalhando a passagem dos outros?

Ela ainda parecia muito aborrecida. Manteve os braços cruzados e encarou o rapaz bem nos olhos, pela primeira vez Michael sentiu que havia ido longe demais.

Todavia, embora estivesse furiosa, não revidou as suas palavras. Seu olhar bravo aos poucos se abrandou, seus músculos relaxaram. Ela estava com raiva, mas precisava admitir que ele tinha um bom coração.

— Pode ir, mas eu vou te acompanhar de longe, ok? O que acontecer com esse menino será culpa sua.

— Eu sei como funciona esse lance de responsabilidade, não se preocupe.

Disse o homem, sorrindo de deboche. A mulher o deixou passar e então ele enfim continuou o seu percurso.

— Pra onde vamos?

— Loja de roupas. E depois… vamos ao parque.

Os olhinhos do garoto cintilaram.

— Ao parque?!

Indagou, eufórico. Michael riu e aquiesceu.

— Isso! É tempo que você descansa do lanche… Agora vamos logo, o dia vai ser cheio.

Seguiram em frente. Ao longe, a garota os acompanhava. Michael tinha a melhor das intenções, mas ela ainda estava bastante desconfiada.

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Era 14:47 hrs e Michael estava, pela primeira vez em tempos, nos territórios de um parque de diversões. Não era apenas o pequeno Devin que parecia encantado, o adulto já estava quase o acompanhando em um daqueles brinquedos, quando o comentário do garoto o despertou.

— Ela ainda tá seguindo a gente…

Sussurrou. Michael arqueou a sobrancelha e, então, tentou disfarçar o olhar à sua volta. Ela realmente estava lá, ao longe. Fez um sinal, queria conversar. Ele suspirou.

— Escolhe um brinquedo.

— Hum… Montanha-russa!

— Outro, Devin, um pra ir sozinho, tá bom?

— Mas eu quero ir com você…

Michael suspirou, quase cedendo. Ele tinha um profundo apreço por crianças e sentia que Devin sabia disso, mesmo que indiretamente. Bagunçou os cabelos do menino, que riu com o afago.

— Depois, tá bom? O próximo. Que tal o carrossel? Você brinca lá e eu despisto a madame chata.

O menino enfim havia entendido o plano. Ele gargalhou em seguida.

— Tá bom!

Bateram as mãos e o garoto seguiu para o brinquedo. Não demorou muito para que aquela mulher se aproximasse. Michael virou em sua direção.

— Pode conversar agora, senhor superstar?

Ele suspirou.

— O que você quer?

— Eu quero falar sobre o Devin. Ele pertence ao abrigo, é sério. Vai ficar andando com o menino pra lá e pra cá como se ele fosse seu filho?

— Você devia estar feliz por eu estar tentando dar um pouco de infância pra essa criança.

Ela bufou.

— Olha, você está dando cor ao mundo dele, isso é verdade, mas não deixa de ser irresponsável. Depois do parque, eu vou precisar levá-lo de volta, a não ser que o senhor queira adotá-lo.

Michael balançou a cabeça negativamente.

— Não vou tomar nenhuma decisão que separe ele da mãe.

— Então qual é a sua fabulosa solução?

Ela cruzou os braços. Michael pensou por uns instantes, em seguida a olhou nos olhos.

— Você disse que o problema é o dinheiro, não é? Então vamos expandir o abrigo. Dinheiro não é problema pra mim.

Ao dizer aquelas palavras, notou que a garota parecia contrariada. Seu olhar bravo deu lugar a uma expressão um tanto envergonhada por ter agido com tanta agressividade no início.

— Ah…

Ela pigarreou e desviou o olhar.

— Então… você vai ajudar? Você vai expandir o abrigo?

Michael não respondeu com palavras. Olhou para os lados, em seguida tirou do bolso inferior da jaqueta um bolo de notas.

— Olha, eu saquei tudo o que tinha no meu cartão. Pega esse dinheiro e faz isso, tudo bem? Eu não vou poder ficar na cidade por muito tempo…

Ao ver aquele tanto de notas, a mulher arregalou os olhos. Ela logo empurrou o dinheiro para o bolso do rapaz mais uma vez.

— Opa, vamos com calma! É… isso é muito dinheiro, calma…

Ela deixou uma risada acanhada escapar.

— As doações tem que ser oficializadas, eu não sei de onde você tirou isso, você pode ter roubado.

— Pega logo.

Disse o homem, já impaciente.

— Você é muito afobado. Não quer nem ver o abrigo? Não quer nem se certificar de que esse dinheiro vai ser usado com esse propósito mesmo? Você nasceu ontem, por acaso?

Michael ia contra-argumentar, mas, quando ouviu a última frase, não conseguiu negar as suas palavras. Ele suspirou, ela tinha razão em certa forma. E sim, há tempos ele não estava vivendo. Ele “nasceu” ontem.

— Okay, me leva lá. Depois do parque, nós vamos ver essas coisas.

A mulher sorriu e aquiesceu.

— Ei!

O carrossel parou e o Devin desceu apressadamente. Michael a encarou mais uma vez.

— A madame não vai me dizer o seu nome?

— Ah, o superstar finalmente perguntou.

Disse-lhe, com o seu mesmo sorriso debochado no rosto.

— Michael, não é? Meu nome é Brooke.