Memórias - Interativa
Atingida
Eu nunca tentei desviar de uma bala antes. Acho que porque eu nunca precisei.
Mas agora, aqui estou eu, imóvel, na mira da arma da Cinza.
Se me perguntassem como eram - como são - as armas dessa dimensão, diria que são futuristas, instantâneas - indolores, por conseguinte - e que não derramam nem uma mísera gota de sangue.
Mas a líder dos Cinzas parece preferir uma arma à moda 'antiga': em sua mão, há um clássico revólver de Ëa. Ela deve tê-la escolhido por ser mais agressiva, sangrenta, X e Y, o que só prova que seu caráter é o que é; ou seja, a própria reencarnação da violência e sede de sangue em uma mulher de sei lá quantos anos.
Minha respiração acelera. É ridículo, inútil e ingenuidade da minha parte pensar que seria capaz de desviar de uma bala, mas é o que penso. Passei minha vida inteira me esquivando; por que não agora?
Minha pulsação está tão rápida e forte que, mesmo sem me esforçar, a sinto por todo o meu corpo - meu pescoço, minhas mãos e até minha cabeça.
O tiro é disparado.
.
Meus reflexos são ainda mais rápidos do que meu subconsciente. Quando se passa uma vida inteira vivendo algo e para algo, você acaba desenvolvendo um dom para isso. Dom, instinto ou o que quer que seja, por que na verdade não sei direito o que aconteceu.
Me jogo para o lado e para trás. Quando a bala me atinge, não é no peito - seu alvo inicial - mas no meu ombro esquerdo.
Em meu braço direito, tenho uma cicatriz. Agora, tenho outra no braço esquerdo, e simplesmente não faço a menor ideia de como explicá-la para meus pais.
Pois, em meu consciente ou subconsciente, eu ainda tenho esperanças de voltar para casa.
Um segundo tiro é ouvido, cerca de meio segundo depois do primeiro. Sarah está de pé, na porta do helicóptero, com a arma erguida, e um fio de fumaça sobe dela, e a líder Cinza cai no chão, inerte.
O impacto do tiro que me atingiu me faz cair para trás. Sou lançada a quase meio metro de distância; eu não fazia ideia da força de uma bala.
O sangue escorre por meu braço e inunda minha roupa rapidamente; não estou usando mangas, mas parte do sangue escorre para meu peito.
Sinto uma dor aguda e agonizante onde fui atingida. Tento levar minha mão boa até a ferida para estancar o sangue, mas a dor não me permite me mover o suficiente para fazê-lo.
Me lembro de como muitas das histórias que li diziam sobre 'pontos negros na visão', quando se é atingido por uma bala ou está a ponto de morrer. Eu vejo apenas a luz do céu, forte, cegante, acima de mim.
Sou carregada às pressas para o helicóptero. Não consigo ouvir ou ver muito do que se diz - tenho mais no que pensar no momento - mas ouço uma frase de Sarah que me chama a atenção.
– ... temos que levá-la logo. Há alguém no Instituto que pode ajudá-la.
A última coisa em que penso antes de desmaiar é em como essa é a melhor frase que já ouvi.
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