Memórias

Mais Um Sábado Chuvoso


MEMÓRIAS

CAPÍTULO DEZESSEIS:

Os “pesadelos” continuavam, porém Julia já tinha conhecimento da coisa. Não tinha medo. Mas mantinha-se chocada. O que podia significar aquilo... Do nada? Perguntas sem respostas e sonhos sinistros sem alguma lógica. Acordou-se. Sua mãe sorria de forma sincera. Foi então que viu o médico junto a porta.

– Julia? – Perguntou ele. – Como está reagindo?

– Vou muito bem, na verdade, eu gostaria de sair daqui o mais rápido possível. – Dizia.

– Isso não será possível querida. São muitos cuidados que você tem de tomar, sua mãe não irá conseguir tratar de você sozinha.

– Mas o senhor pode ir a nossa casa toda tarde trocar os curativos. – Respondeu.

– Isso também não será possível. – Suspirou o médico – Julia, você não tem mais casa.

Lembrou-se então. De toda a briga com a tia Elena. Olhou para o lado. Observou o doutor botar uma seringa em seu tubo de soro, mais algum remédio com efeitos perturbadores. Seus olhos fechavam compreendendo a situação a que devia se submeter. Deveria dormir. Deixar os músculos que sofreram danos no acidente um pouco mais tranquilizados. Porém o “divertimento” se chocou, junto ao sono. Mais um pesadelo com o amado Collins. Mais um sentimento à ativa. Mais uma aventura à flor da pele. Mais uma dos segredos da família Collins a ser descoberto.

– Julia! Julia! – Gritava Barnabas. – Acorde, precisamos ir.

– Ir para onde? – Mesmo em sonhos os efeitos do remédio faziam com que Julia ficasse um pouco distante.

– Para a biblioteca. Você precisa descobrir sobre todo o nosso passado. Todo o passado dos Collins. – Dizia ele.

Saíram da Collinwood às escuras. Sem que ninguém visse ou pudesse ver. O caminho era longo até o centro da cidade. Mas em meio à sonhos e ficções abusaram de seu poder, e então voaram. Como se fosse uma coisa fajuta e simples. Por cima das tenebrosas nuvens, puderam ver que haveria um temporal ou um dilúvio em pouco tempo. Então seguiram com a mais rápida velocidade que era concedida. Logo chegaram. Ao entrar não tinha ninguém, nem o conhecido de Julia e nem a velhinha da sessão de “roubados e não-deixados”. Sim, era por ironia. As pessoas levavam os livros e simplesmente não os traziam de volta. Continuaram. Eles entraram em uma sala exclusiva. Por uma brecha. Julia mal podia pensar em que existia uma sala escondida. Bem escondida. Para chegar lá, você tinha que descer uma escada que dava para o porão, de lá então, você entrava em um corredor, dobrava a segunda porta à esquerda e seguia, e ao fim de um segundo corredor você chegava a uma porta, de ferro que tinha um “C” enorme e coberto de teias de aranha.

Era uma área exclusiva dos Collins. Na verdade, a biblioteca antes funcionava como um banco, todas as outras portas eram outros cofres de outras famílias. Porém só os ricos poderiam ter acesso à exclusividade deste banco. Por isso ninguém nunca soube. Por fim, pararam. Lá em baixo havia centenas de milhares de cartas, umas escritas por Barnabas para Josette e outras de Joshua para Naomi. Além de riquezas, entre elas, pedras de rubi, diamantes, colares e mais colares banhados a ouro de vinte e um quilates, pratarias, quadros e o mais importante, o medalhão dos Collins, com o brazão da família ao centro. A vista foi feita para derreter qualquer mulher como Angelique, porém não. Julia interessou-se mais pelas cartas, queria ler e desfrutar, descobrir e conhecer, se interessar mais por um mundo surreal que nem sempre poderia ser visitado. Pegava as cartas e as abraçava. Assim também foi com o medalhão. Aquilo era uma nação, uma história, que não poderia ser apenas jogada para melhor conhecimento, ela tinha de ser aproveitada, exibida para todos.

– Rápido, Julia! Pegue logo as cartas que quiser e vamos! – Alertava Barnabas.

– Porquê? – Perguntava, curiosa.

– Antes que alguém saiba que estamos aqui. – Dizia Barnabas, olhando para os lados. – Esta área é proibida de se andar, afinal, ninguém mais sabe de sua existência.

– Tudo bem então.

Pegou tudo o que podia e em seguida saiu. Barnabas fechou o cofre, e atou os quatro cadeados. Depois, pôs uma cadeira inclinada à porta para reforçar a segurança e seguiram. Correram. Chegaram na entrada, e acenaram para a senhorinha dos “Roubados e Não-deixados” que acabara de entrar na biblioteca. Ela acenou de volta.

Agora, já de manhã, fizeram uma caminhada diferente. Andaram até a Colina das Viúvas, um lugar inabitável e de lá voaram, de volta à Collinwood. O trajeto era rápido. A mansão que ficava do outro lado só permitia um caminho, atravessar o centro. Chegaram. Barnabas correu para preparar uma sopa de legumes, enquanto Julia acendia a lareira e jogava o saco com as cartas no chão.

A sopa de Barnabas borbulhava enquanto ele se encostava ao fogão à lenha, onde sua mãe, Naomi, gostava de cozinhar. Julia agora caminhava até a cozinha. Queria ver Barnabas e respirar o bom ar que seu caldo de legumes provocava. Aquilo iria aquecer totalmente a frieza de seu corpo. Como era boa a sensação. De sentir cheiro de uma comida quente, enquanto a água da chuva batia nas janelas e a parede velha e úmida fazia um friozinho fluir pela casa. Logo tudo estaria pronto e Barnabas iria poder conversar com Julia, de forma infinita.

– Barnabas? – Perguntava Julia.

– Estou aqui. – Dizia ele, em tom baixo.

Ele estava em um quarto, uma espécie de dependência de empregada. Porém este quarto era diferente. Ele mostrava como era o passado dos Collins, quando eles viviam em Liverpool e não eram totalmente ricos. O pai de Barnabas gostava de caçar por prazer, de vez em quando chamava o filho para irem juntos. Neste quarto havia tudo, desde espingardas e canivetes à jaquetas de couro e lençóis tricotados. Barnabas olhava para os lados como se sentisse falta de tudo aquilo, quando ele realmente sentia. Lágrimas iam caindo de seus olhos, mas foi então que percebeu, o caldo já estava demasiado quente. Quando virou para ir abaixar o fogo, os seus frios lábios se encontraram com os de Julia – Que estava bem atrás – E por um minuto, puderam desfrutar. Desencontraram-se. Barnabas virou friamente como se nada tivesse acontecido e foi em direção ao fogão, enquanto Julia pegava uma jaqueta que estava pendurada sobre a parede.

Barnabas dividiu o ralo caldo entre dois potes e chamou Julia. Comiam calados, um olhando para o rosto do outro, sem motivos. Inexplicavelmente. Foi então que ele interviu:

– Sabe... Até que você é uma companhia agradável para dias de sábado chuvosos. – Dizia.

– Nossa... Obrigada. – Respondeu Julia, sorrindo.

Os dois olharam-se nos olhos novamente e se levantaram. Barnabas agora corria para os seus braços, o calor transmitido era o melhor, era confortante. Foi então que viraram-se um para o outro e selaram o jantar com um beijo. Mesmo sem terem falado sobre as cartas. Mesmo sem terem algum motivo.

– Julia! Julia! – Uma voz ecoava em sua mente.

Seus olhos estavam entreabertos, mas conseguiu observar. Havia um homem, ele estava preocupado, puxando e recolocando o soro no lugar, ligando aparelhos sobre uma mesa separada. De repente um choque invade o seu corpo, enquanto, ela queria apenas se manter presa ao mundo Collins, ao mundo do amado Collins. Voltou-se. Podia observar direito agora. Quem estava a lhe socorrer era o doutor. De acordo com ele, Julia ficou sem respirar por um tempo e depois ficou completamente inconsciente. Continuou:

– Que grande susto você meu deu Julia. E logo agora...

– Desculpe doutor. – Respondeu. – Por que o “logo agora”?

– Em meio a sua bateria de exames que pedi pra você fazer, acabei descobrindo uma coisa. – Dizia o médico, sorridente.

Até a Sra. Salvatore olhava sorridente também. Julia olhou para os dois. Não entendia nada.

– O que foi? – Perguntava Julia, curiosa.

O médico olhou bem nos olhos dela, puxou um envelope de alguns dos exames que Julia tinha feito de sua bolsa e entregou em suas mãos.

– Julia, você está gravida.


ARTHUR C.