Memórias

Depois das Esperas, O Amor


MEMÓRIAS

CAPÍTULO CINCO:


O sol raiava, o céu azul permanecia, sinal que tudo correria bem nesse dia. Julia despertou, se vestiu apropriadamente, pegou o velho diário de Barnabas, o pôs em sua mochila e andou até a sala de jantar, onde se despediu pela última vez de seu pai. Diretamente, seguiu para a estação, na qual iria pegar o trem que lhe levaria para o centro da cidade. Chegou no exato momento em que ele tinha acabado de sair, e logo preocupou-se.


Mas provou para si mesma que nada a irritaria nesse dia. Então, pegou o diário de Barnabas e o abriu em uma página qualquer, como tinha feito na noite passada. Começou a ler:


“O dia não parava de chover, porém, para acabar com todo esse tom de angústia que a chuva estava a me dar, Deus deu-me o maior presente do mundo, Josette. O grande amor de toda a minha vida, pelo menos, enquanto Angelique não estivesse a saber, pois sei muito bem que poderia fazer qualquer coisa para ter a mim novamente. Não que estivesse indisposto a lutar pela minha paixão, porém seria totalmente desonroso e inaceitável para a sociedade, e claro, ela iria tirar proveito disso. Não tive escolha, mandei Josette fugir para algum lugar bem longe da minha Colinwood, onde Angelique nunca pudesse perturbá-la, penso que fiz o certo. Aliás por mais distante que estivesse, nada e nem ninguém mudaria o que sinto por Josette duPres”.



Tudo se desencaixou, quando começou a comparar esta página com a página que deveria ser entregue a Angelique. Porém, pensou de forma certa e percebeu que esta página foi até agora, a única que ele tinha escrito para si mesmo, como se fosse um diário normal, como todos os outros. Receio que chegou a querer ser próxima de Barnabas novamente, porém no exato minuto, o trem chegou, fazendo com que Edgard fosse o único homem que se lembrasse.


O trem parou. Porém não no ponto em que precisava descer. Percebeu que uma mulher de idade havia subido e que a mesma caminhava em sua direção. Escondeu-se e pegou o diário de Barnabas para não mostrar o rosto. Não sei por que estava a fazer isso, não tinha medo de estranhos, e como poderia? Afinal, queria ser uma médica. Foi ai que a senhora levantou o seu fino braço e abaixou o diário:


– Para quê se esconde? Não tenha medo.


– Não estou com medo.

– Espero que não, afinal, não vim aqui te fazer mal, vim aqui para te dizer uma única verdade.

– Qual?

– Sei que hoje pode te parecer um dia feliz, porém, não se engane com as aparências, tudo e todos têm segredos escondidos no canto mais escuro que seja, prezo para que você, nunca se esqueça.


Manteve-se calada. Logo o trem parou novamente e a senhora que estava ao lado desceu. Julia ficou confundida com o que aquela senhora tinha falado e com o que Barnabas havia escrito na carta, poderia ser um sinal. Será que Julia ama Edgard, como Barnabas amava Josette, porém tem de ter cuidado com os segredos, tal como Barnabas tinha com os de Angelique? Será que aquela mulher era uma vidente? Eram tantas perguntas mal compreendidas... Focou em tudo, e não resultou em nada. O trem parou em seu ponto exatamente quando desejava ter outra coisa para se preocupar, para tanto poder esquecer o que havia ouvido. E finalmente voltou a pensar em Edgard e na lanchonete em que ele a aguardava, saiu em disparada.


Quando finalmente achou e entrou na lanchonete, notou que Edgard não havia chegado, procurou pelo Chico e conseguiu uma mesa. Ao longo de que sentava, puxava o diário de Barnabas da mochila. Novamente, abriu em uma página qualquer, porém, o interessante é que a mesma só tinha um pequeno texto legível e não apagado ao qual dizia:


“O senhor continua vendo meu pai? Espero que sim, pois finalmente decidi declarar-me à Josette na frente de sua família, mais um passo comprido, para voltar a ser declarado como uma pessoa dedicada e bem falada, como todo Collins, deve ser”.



Tudo parecia ter dado certo no lado de Barnabas, e no de Julia? Será que seria similar? Esperava. Foi quando ouviu o sino da porta bater, era ele. Levantou-se quando Edgard havia chegado:



– Srta. Salvatore!


– Andou se atrasando, pelo que vejo.

– Pois é, vida de médico...

– Edgard, sente-se. Nós temos muito que conversar.

– Espero que seja breve.

– Eu não.

– O que você quis dizer Julia?

– Edgard, eu sinto algo por você, algo incondicional, inexplicável.

– Julia eu também sinto, porém, sou uma pessoa comprometida.


Foi daí que se lembrou do que a senhora havia lhe dito, e no que Barnabas havia escrito. E ao longo que pensava, relacionava tudo de maneira certa. Tudo fazia sentido, pois percebeu que a aparência de Edgard a enganou, quando na verdade pensava que ele era um médico solteiro que vivia em uma casa com sua tia, exatamente como ela. E logo depois percebeu que poderia fazer como Barnabas deve ter feito, declarar-se para a sua paixão. E então o fez:



– Doutor Hoffman, hoje eu larguei o meu pai morto dentro de um caixão, agora ele deve estar sendo sepultado... Eu sinto te dizer isso, mas eu te amo incondicionalmente, sim, em tão pouco tempo, eu sei, mas é algo inexplicável, inacreditável...


– É realmente inacreditável o que vou dizer, mas... Eu também te amo e não consigo viver sem você, ontem quando me ligou, eu já estava prestes a te ligar... Porém tive medo, e você se arriscou.


Julia largou o diário de Barnabas em cima da mesa e correu para os braços de Edgard, nas mãos confortantes e em um apertado macio, deu um dos melhores abraços que poderia ser lembrado. Enquanto todos aplaudiam, estavam envolvidos. Um nos braços do outro. Foi ai que o doutor recuou e puxou algo de sua bolsa, algo embrulhado.



– Toma Julia, o seu presente. Parabéns!


– Como você se lembrou? Nem eu mesma lembrava...

– Como não?

– São muitas coisas envolvidas para uma cabeça de apenas dezoito anos.

– Concordo.


Edgard já estava a ficar vermelho, porém tomou coragem e falou a própria Julia:


– Prometo que ficaremos juntos, quando resolver todas as pendências que tenho.

– Não tem problema querido, espero por você, o tempo que for.


E selaram a ensolarada manhã, com o mais importante: o primeiro beijo de uma relação não-definitiva, porém, compreendida.



ARTHUR C.