Memórias

De Volta à Lichfield


MEMÓRIAS

CAPÍTULO TREZE:

Olhou nos olhos de Clara por algum tempo. E virou para o jardim. Sentiu-se sem chão. O que poderia fazer quando chegasse em Lichfield? Se seu relacionamento estava a passar por uma triste crise e não tinha casa para se estabelecer? Ficou a pensar. Então observou Edgard jogar a sua mala na grama, com a maior ignorância que possuía. Nina, no entanto tentou acalma-lo, porém acabou não ajudando nenhum dos lados. Ficava mais raivosa cada vez mais e sua cabeça totalmente descabelada ajudava ainda mais a expressão. Foi então que Edgard soltou a mala e com uma cara de malicioso andou até Julia.

- O que há com você? – Perguntou Edgard.

- Comigo? Você me traí com a minha própria irmã, que pelo jeito é totalmente falsa, e o problema ainda é comigo? Eu é que pergunto. O que há com você?

- Sabe Julia, você sumiu ontem à noite... Não acha que fiquei preocupado?

- Tudo bem, façamos o melhor. Você não precisa mais se preocupar.

- O que quer dizer? – Perguntou. Estava ficando com uma expressão surpresa e triste ao mesmo tempo.

- Edgard, estou me desfazendo de você. Eu não quero mais ser uma Hoffman.

Deixou passar normalmente, enquanto Edgard olhava emburrado. Adentrou o hotel, em seguida, arrastou sua mãe até o jardim, pegaram as duas malas e então andaram até a estação do trem. Julia não queria ir de barco, queria manter a máxima distância possível do futuro ex-marido. Portanto, foi de trem à Lichfield, até porque era um transporte melhor em relação a saúde e a estabilidade de sua mãe. Entraram.

Ao longo que o trem passava pelos altos montes esverdeados, Julia relia as páginas do diário de Barnabas, enquanto sua mãe mantinha-se do seu lado, tentando encostar a cabeça no ombro da filha na então esperança de poder ler alguma coisa. Nada feito. O tempo que passava parecia possuir um limite de velocidade ao qual ia abaixando a cada metro percorrido. Logo – Porém não tanto – as duas chegaram em Lichfield. Pegaram suas malas e seguiram. Mas bateu uma inquietação na mente de Julia. Para onde eu vou? Perguntava-se. Pensou um pouco nos Hoffman e decidiu ficar um tempo em sua residência, afinal, ainda havia coisas de todos os Salvatore lá que precisavam ser pegas.

O pior de tudo foi chegar lá, e então ver a casa totalmente acabada, com manchas cinzas para todos os lados e tijolos antigos carbonizados ao chão. O fogo agora se mantinha numa temperatura média, estava a abaixar. Porém, quem? Por quê? E como? Tudo que pudera encontrar em meio a toda aquela fumaça foi uma caixa, jogada na calçada logo à frente da casa. Como o caso era curioso e ainda indeterminado, Julia decidiu abrir, mas o que via parecia inútil para o momento. Mas a curiosidade não bastava. Era uma carta.

“Queridos amigos, Don e Clara Hoffman, envio esta carta não só para vocês, porém também, para todos os residentes, inclusive minha sobrinha, Julia. É com o enorme prazer que eu admito que queria estar convosco, porém como ninguém me avisou, escreveu ou telefonou, eu decidi pôr fogo em sua casa. São apenas efeitos colaterais do remédio que tomo aqui no abrigo, afinal como vocês me deixaram sem moradia e me abandonaram totalmente, eu vim parar aqui. Espero que me desculpem por este pequeníssimo e detalhado favor”.

Não esperou dois segundos para descobrir quem enviou a carta. Era a tia Elena. Novamente estava ela a aprontar armadilhas e mais armadilhas. Como sempre. O rancor era mantido e nele a vingança era projetada. Causando incêndios, mortes, acidente de trânsito, explosões, entre outras coisas. Julia chegou até rir quando percebeu que o “abrigo” na realidade era uma instituição para pessoas doidas que procurava a tia Elena há um bom tempo. Pelo menos assim, podia se sentir segura.

De qualquer forma, Julia queria sair, se soltar um pouco, foi então que pegou o carro dos Hoffman – Não totalmente desgraçado pelo incêndio – e saiu. Ela iria para o bar, porém antes ia deixar a mãe na casa dos Burton, uns amigos de longa data da família. Deixou-a e seguiu caminho. Infelizmente toda a alegria de Julia para beber foi insatisfatória. Claro, não eram os mesmos homens, atendentes, garçonetes, dançarinas, músicos... Além de que a bebida parecia conter cuspe. Era estranho, mas como o dinheiro entrava facilmente no momento e ela não tinha com o que gastar... A vontade foi feita.

Chegou a um ponto em que os homens do bar já estavam começando a bajular e seduzir Julia. Foi no mesmo instante que ela perturbou-se e deu um basta. Logo depois, ela andou um pouco até onde estava havendo as partidas de pôquer. Lá, pôs o dinheiro sobre a mesa e então, anunciou:

- Quem perder, me dá o dobro!

Foi então que os homens caíram em cima. E não é que deu sorte? Ganhou. Pegou mais uma cerveja, como de costume e dirigiu-se ao carro. Engatou a macha e começou a andar. Chegou rapidamente na casa dos Burton e lá ficou durante um tempo. Desabafando e fofocando:

- E então, vocês sabiam que a nossa vizinha, a dona Elizabeth, morreu? – perguntava a senhora Burton.

- Não acredito! De quê? – avançava a senhora Salvatore.

E continuaram a falar enquanto Julia aprendia com o senhor Burton alguns truques de pôquer. Porém, o papo falou mais alto:

- Você sabia que houve um acidente de barco no meio de uma viagem? Acho que foi entre “Collinsport” e Lichfield... – Dizia a senhora Burton.

A senhora Salvatore se endireitou, pôs o ombro de certa forma e fez uma cara de alerta para a senhora Burton. Julia que havia se desconcentrado da “aula” de pôquer começou, com o seu questionamento:

- Por que fez esta cara para a Selina, mamãe?

- Por nada meu bem. – Retrucou a senhora Salvatore.

- Alguma coisa tem aí... – Continuou o senhor Burton.

- Tudo bem. Tudo bem. Eu digo.

Julia agora olhava com uma cara de espanto para mãe, porém entre a surpresa e o nervosismo da situação, surgiu a resposta.

- Julia, o Edgard está morto.

ARTHUR C.