Memórias

Hoffman - O Legado Familiar


MEMÓRIAS

CAPÍTULO QUATORZE:

De certa forma, ficou abalada. Havia o flagrado com a própria irmã, mas ele não deixava de ser o seu marido, e agora, ela era viúva. Sentiu-se como um nada no mundo. E foi pior quando se lembrou do pequeno africano, Kadhi. Chorou por um instante, mas pela perda do menino, ele era especial, diferente. O tom de tristeza foi se acabando, ao longo de que Julia ouvia os passos vindos do corredor. Era o senhor Burton, Timothy, para ser mais específico. Então percebeu que em meio aos drinques da noite acabou dormindo no sofá.

– Você está bem? – Perguntava Timothy, como alguma pessoa curiosa – Me parece triste ou indefesa.

– Eu estou bem, Tim. – Disse Julia – Na realidade, eu só queria voltar a vida que eu tinha... Quando meu pai ainda não era alcoólatra e fumante.

– Assim como você? – Retrucou Tim, enquanto franzia as testas, só para aumentar o tosco tom de ironia.

– Eu sei me controlar... – Dizia, enquanto seguia para o banheiro. Acenou com as mãos com um simples “tchau”. Como se quisesse encerrar o papo.

Olhou-se no espelho, não via a si mesma. Não era mais aquela jovem baixinha estudiosa e determinada. Era apenas mais uma perdida e irresponsável, de acordo com ela. Nem seu corpo era mais o mesmo. Estava mais magra, e cada vez que a magreza surgia e aumentava, O hálito de uísque ficava em sua garganta. O hálito de cigarro. Despiu-se e foi ao chuveiro. Podia ver os seus seios indefinidos e a suas pernas finas. Era triste. Preferia ter cataratas a observar toda aquela miséria. Porém fez melhor, mergulhou todos os desaforos e rancores que possuía naquela água gelada. Acordou. Renovou-se. O sentimento de revolta batia no seu coração novamente, Julia estava de volta.

Colocou rapidamente um roupão e seguiu até o quarto de Selina. Procurava por um vestido de Helena – A filha dela – para usar em mais uma de suas saídas à festas e bares. Acabou não encontrando a senhora Burton, não sei o que lhe deu naquele certo instante, ela apenas avistou uma caixa da brecha da porta do banheiro e caminhou lentamente na ponta dos pés para ver o que era. Receio que não tinha nada para fazer. Enfim conseguiu distinguir, era uma caixa de tintura para o cabelo, que possuía o tom avermelhado. Em meio à loucura de seus pensamentos e os efeitos da bebida, pegou a caixa e o vestido que procurava, e então, voltou ao seu quarto.

Pôs o vestido. Seguiu até o banheiro e após procurar em seu armário, achou. Uma água oxigenada. Descoloriu o cabelo, pegou a caixa, abriu-a e espalhou a tinta em seus sedosos cabelos negros, agora, uma grande mistura. Caminhou, sentou-se sobre a cama e calçou um par de salto-alto vermelho. E andou. Sei de que, quando terminou de se arrumar, já era tarde. Tentou andar sobre o complicado salto até a sala, conseguiu, e continuou. Abriu uma garrafa de uísque do Tim, colocou em um copo, acendeu um cigarro e jogou-se no sofá, com a intenção de conseguir alcançar o telefone. Queria ligar para Dave, o famoso Doutor Woodard.

– Boa noite.

– Boa noite, eu gostaria de falar com o Dr. Dave Woodard, ele está? – Perguntava.

Julia sabia que era um pouco de ignorância e incômodo, mas ele havia dito que ela o pudia chamar sempre que precisasse, então...

– Olá. – Ouvia-se a grossa voz de Dave.

– Dave, quem fala é Julia, é... Você poderia sair comigo? – Perguntava com um tom inocente – Mas, é agora.

– Tudo bem, passo para te buscar em um segundo. – Dizia ele – Mas espera, onde você está agora?

– Nos Burton.

Desligou o telefone e seguiu até o espelho para retocar o batom, logo ouviu a buzina, era o Dr. Woodard. Pôde observar de reflexo o carro e correu até ele, sem que ninguém percebesse. Fechou a porta, pôs o cinto e encolheu-se no banco.

– Para a “Danceteria TV”. – Disse Julia, com o nariz empinado. Enquanto Dave observava as mudanças...

E então o carro seguiu. Logo chegaram lá, a famosa danceteria... Era lá que Julia ia quando podia bancar algum drinque caro, mas dessa vez fez melhor, se aproveitou do doutor.

– Julia! – Exclamou o barman. Todos se voltaram para olhar.

Já a conheciam. Ela era um tipo de “estrela” ali.

– E então o que vai querer? – Perguntava o doutor.

– Um Martini, com gotas de limão.

– E eu quero um uísque, de preferência, algum escocês.

– Muito bem. – Atendeu o barman.

Após drinques e mais drinques conversaram em mais alguns assuntos, esses foram: Medicina, bebida, cigarro, e claro, Barnabas. Porém tudo foi se confundindo ao longo que se misturava com a agonia de ir pro quarto, aliás, para casa.

Acordou. Novamente, entre lençóis e nua. Exatamente como aconteceu com Roger... Mas isso poderia ser sério, esse era o doutor, amigo dela, não um desconhecido.

– Já? – Perguntou Dave, com ironia.

– Eu não consegui dormir, estava com uma agonia extremamente perturbadora. – Respondeu.

– Eu percebi.

– O que você quer dizer com isso? – Julia olhou para o doutor de relance, e virou o rosto, como se estivesse envergonhada.

– Devíamos ser amantes, sabia? – Afirmava Dave, com o seu sorriso ambicioso em seguida.

– Claro que não! – Exclamou. – Você pensa o quê? Que eu sou igual a você em relações a escolhas?

– Sim. – Respondeu.

– Mas é claro. Para você eu sou apenas uma vadia alucinada com um marido morto... Não é?

Ele sorriu mais uma vez, e então perguntou:

– E o que seria?!

Afastou-se por instantes. Lembrou-se dos Hoffman, de Nina, tudo o que havia passado com eles. E de repente bateu uma distante saudade instantânea, como a que podia sentir de Kadhi. Todos faziam falta, a casa vivia cheia, alegre... Tirando o próprio Edgard que passava o dia trabalhando, dando duro, foi então que Julia começou a pensar se o Dr. Dave poderia já ter se aproveitado de Edgard para intimidá-la. Inspirou, encheu o coração com o orgulho por tudo o que tinha suportado com as próprias opiniões, sem nenhum arrependimento e, disse a única coisa que poderia calar qualquer pessoa:

– Eu sou uma Hoffman.


ARTHUR C.