Memórias

A Triste Tarde


MEMÓRIAS

CAPÍTULO SETE:

“Querida irmã, receio que tenha que vir logo, pois mamãe está sendo hospitalizada neste instante. Algo explodiu na cozinha enquanto ela estava lá. E também traga algum dinheiro, não estamos em boa condição financeira desde que o nosso pai se foi, além do que, não posso pagar o hospital sozinha. Espero que ocorra tudo bem em sua viagem”.

Esteve preocupada com a situação de sua mãe, que a cada dia ia se agravando, não sabia que realmente tinha acontecido, Edgard dizia que pode ter sido uma pequena lesão no cérebro, pela forte pancada que havia levado na cabeça, outros médicos tinham opiniões totalmente diferentes, e Julia com sua cabeça ainda confusa, acabou enviando uma carta para a irmã. Disse o verbo hospitalizar por exagero, porém deixou-o lá. Era estranha a forma em que viviam: ninguém mandava correspondências, ninguém fazia uma ligação, parecia que a família era inexistente em certos casos. Estava a fazer tudo sozinha, mal podia se cansar que já tinha outra atividade para fazer, a tia inescrupulosa mal ajudava, nem se quer olhava, enquanto a outra coitada se desdobrava. Essa rotina predominou até a chegada de Nina.

Cada segundo era um parto para Julia. Houve vezes em que chegou a rezar para que a mãe dormisse, pois assim conseguiria ler mais uma página do diário de Barnabas. Porém, nem oração, nem promessa, nem três pulinhos, ajudava. Não dormia de forma alguma, sempre precisava de algo, pensava naquelas horas “Maldita seja aquela água”... Porém aguardou. Apesar de toda aquela agonia que a mantinha nervosa, tinha esperanças. Claro que nem tudo foi desta forma, havia dias em que Edgard passava lá para poder dar alguma força, alguma ajuda. Mas tudo acabou no seu devido lugar em uma chuvosa noite, quando Nina chegou:

- Olá irmã! Há quanto tempo não?

Pensava “Posso te garantir que ele não foi o bastante”. Porém a única coisa que pôde falar no momento foi:

- Oi, pois é apenas dois anos.

- Como vai por aqui?

- Está tudo ótimo. Tirando o fato de que o nosso pai morreu, termos ficado sem dinheiro algum e que nossa mãe está a ficar doente.

- Nossa... E isso tudo aconteceu em dois anos?

- Não, querida. Isso tudo aconteceu em uma semana.

- Julia você parece-me meio nervosa.

- E não faz sentido?

- Desculpe-me.

- Desculpas não adiantam agora.

Estava a ponto de estourar, porém manteve-se tranquila. Decidiu antes de tudo, aproveitar o tempo livre para se refugiar nas páginas do diário de Barnabas. Releu as que já tinha visto e procurou outras relativas, porém nada achou. Mas uma ali a havia interessado, outra que escrevia para si próprio, como é comum em um diário:

“Hoje cedo lembrei-me de meu pai e minha mãe, completam exatamente dez anos de suas mortes. Por isso planejei uma missa dentro de minha adorável Collinwood. Queria que a memória desses ainda ficasse na mente dos cidadãos, afinal, foram duas pessoas extremamente importantes. Mantive-me no mesmo lugar durante toda a ocasião, porém, não parava de pensar em Josette, como os meus pais, fazia tempo que a não via. Mas houve uma hora em que me chamou a atenção, foi quando o Reverendo Morton disse: Acho impressionante como dois entes queridos partiram tão rapidamente em uma tragédia como aquela. Havia esquecido como os dois vieram à falecer, porém, o assunto voltou a mente. Eles morreram quando Angelique estava a ponto de matar-me. O fato de uma peça que mantinha-se no teto cair sobre eles chamou-me a atenção, pois, poderia ter sido a própria Angelique. Ela tinha de que alguma maneira chegar a me magoar ou abalar de forma profunda. Voltei a ficar fascinado pelas coisas obscuras”.

Ficou confusa. Tentava relacionar esta página à outra a qual já tinha lido... Pensou, até que chegou a uma conclusão: Tal página só podia ter sido escrita antes da que ele relata como acontecera o jantar na Collinwood, por isso, que nessa diz que o próprio Barnabas estava com saudade de Josette, sinal que ela ainda não tinha morrido. Foi tudo o que conseguiu deduzir. Porém releu. E foi então que lembrou-se. Amanhã ocorreria a missa realizada em homenagem ao seu pai. Estava sem cabeça. Sua mãe estava adoentada e seu casamento com Edgard ainda continuava pendente. Talvez fosse o stress e a conturbação. Decidiu dormir um pouco... Não conseguia. Acabou fazendo o café da manhã de sua mãe, antes que sua irmã desajeitada ou a tia azarada acabassem fazendo algo insatisfatório.

Descansou um pouco mais antes de todas acordarem, e ligou para Edgard. Tudo o que queria no momento era encontrá-lo, porém ninguém atendeu até a sexta tentativa. Era a sua sogra, Clara:

- Bom dia, quem fala é Julia.

- Olá Julia, quem fala é sua sogra. Como vai?

- Está tudo bem comigo, e com todos vocês?

- Tudo vai bem. E a sua mãe?

Partiu logo para o ponto, antes que o interrogatório começasse:

- O Edgard está por ai?

- No momento não, deve estar no hospital.

- Muito obrigada.

Não quis esperar, bateu logo o telefone antes que a pobre sogra pudesse mandar alguns beijos para todas as suas parentas. Vestiu-se rapidamente e conseguiu uma carona com a irmã, que mal percebida, já estava acordada. Preferiu ficar quatro quarteirões antes do hospital, já que os outros eram totalmente desconhecidos por ela. Esperou certo tempo, até que um estranho ofereceu uma carona:

- Moça, o que faz aqui?

- Estou esperando algum transporte.

- Tem algum destino específico?

- Sim, o hospital.

- Logo vi. Aqui é o ponto onde todas as enfermeiras ficam esperando algum doutor ou como disse, transporte. Trabalho lá, eu posso te levar. Caso queira.

- Eu quero mesmo, muito obrigada.

- Então... Qual é a sua área? Estagiária?

- É certo que tenho um grande interesse por medicina, porém, não tenho área e nem estágio no momento.

- Então porque está indo?

- Meu namorado é cirurgião. Tenho que encontrá-lo.

Não que interessasse a ele. Porém pensava que caso não respondesse, o doutor poderia pensar que era apenas mais uma daquelas jovens desocupadas que gostavam de ver a tristeza.

- E qual o nome desse, se me permite, sortudo?

- Ele é o doutor Edgard Hoffman.

- E ele nunca me falou sobre você, acredite.

- Ele gosta de ser discreto...

- Realmente.

Mais uma pequena ladeira e estariam no hospital, Julia mal esperava... Há dias não via Edgard. Mas não sabia o que fazer. Afinal iria atrapalha-lo no trabalho apenas para vê-lo e retirar a enorme saudade que guardava em seu coração. Esteve planejando por um tempo... Então, o doutor a interrompeu:

- Nós chegamos.

- Muito obrigada doutor, doutor...

- doutor Dave, Dave Woodard.

- Pois bem, muito obrigada.

- Para qualquer problema, estarei aqui. Senhorita, senhorita...

- Julia, futura Hoffman.

Riram por um instante e se despediram. Julia andou até a recepção e pediu informações sobre Edgard à recepcionista. Esperou. Foi então que a notícia chegou, ele estava a operar uma criança muito doente, e iria demorar mais. Pegava o jornal que estava ao seu lado, enquanto dividia o tempo com o televisor. Leu um pouco até uma página que falava sobre o próprio hospital, nesta dizia que eles tratariam de crianças africanas que sofriam de alguma doença, isso iria ocorrer durante toda a semana, o que a fez pensar de que o seu namorado estaria ocupado, certamente, por todos os seis dias restantes. Daí foi lembrou-se da página do diário de Barnabas, que havia lido noite passada. “Era isso. Sabia que tinha esquecido algo”, dizia para si mesma. E era verdade. Ela esqueceu sobre a missa de seu pai, a qual estava ocorrendo no mesmo instante.

Pegou outra carona até a pequena igreja. Finalmente havia chegado. A cerimônia estava prestes a terminar, porém chegou. Foi pura sorte, afinal, se não tivesse comparecido, estaria perdida. Ficou no fundo, para que ninguém notasse. E então pode ouvir as últimas palavras do reverendo:

- E como o nosso querido amigo George, é assim que terminamos, de pó a pó. Amém.

Sua mãe, tia e irmã surgiram de fundo. Caminhavam em direção a Julia. Pareciam estar zangadas, porém, enxergaram-na perto da porta da igreja e pensaram que ela havia ficado toda a missa no mesmo canto, assistindo. Seguiram até o carro, onde Nina sugeriu uma parada para um café... Chegaram rapidamente, entraram e logo iniciaram a sua conversa. Primeiramente foi a sua mãe:

- E então filha, o que achou da missa?

- Confortante.

Porém em todo lugar, sempre há alguém que gosta de mentir sobre você, mas neste caso, desmentir:

- Mãe, como alguém pode ter achado a missa confortante, se nem estava lá?

Por debaixo da mesa, Julia bateu com os sapatos na perna da irmã.

- Você não a deve ter visto, Nina.

Nina conteve-se. Afinal não queria perturbar a sua mãe:

- Claro...

Terminaram o café, e voltaram para casa. Quando lá chegaram, tomaram um susto. A casa não tinha móveis em lugar algum, por mais que procurassem. Estranharam. A única coisa que podia ter sido era um assalto, porém isso era uma coisa rara naquele vilarejo. Ligaram para a polícia, e no exato momento, a campainha tocou. Era um homem, pareciam-nas rígido, e era um fato:

- Bom dia, eu sou um oficial de justiça e vim...

- Ótimo! Por que nossa casa acabou de ser assaltada.

- Deixe-me terminar. Eu vim aqui para falar com a senhora Elena McPheelan, ela está?

- Não. O senhor gostaria de deixar algum recado?

- Sim, já que tocou no sinal do assalto. Vim para informá-la: Suas dívidas não foram pagas, e então tivemos de pegar os seus móveis para cobrir o custo, porém a taxa continua alta, e com isso teremos de fazer algo drástico.

- O que quer dizer com isso?

- Senhorita, sinto lhe informar, mas esta casa está para ser leiloada e todas vocês tem quarenta e oito horas para deixá-la.

- Quer dizer que...

- Sim, você está sendo despejada.

ARTHUR C.