Memórias
A Fuga e a Era da Tuberculose
MEMÓRIAS
CAPÍTULO DEZOITO:
Desde então, dias se passaram. Julia ainda não havia planejado como fugir dali. Sua barriga crescia, assim como o coração de seu filho, que a cada dia ia aumentando a dificuldade da fuga. Seus enjoos eram constantes, assim como a dor de cabeça e o estresse que logo batia.
– Seus exames deram tudo certo, Hoffman. – Dizia o doutor que entrou no quarto despercebido. – Pelo menos, poderá ficar em casa... Mas após três semanas, que é quando te darei a alta.
– Tudo bem doutor, esperarei o tempo que for necessário. Desde que meu filho nasça com saúde. – Respondeu Julia, dando de ombros, de forma falsa.
O doutor fez um gesto de concordância, e então, saiu. A Sra. Salvatore caiu em um leve sono e uma certa moça aproveitou o tempo para pensar alto. Será que devo pular a janela? Porém nestas condições?! Dizia a si mesma. Quem sabe eu poderia vestir-me de enfermeira e sair pelos fundos? Perguntava-se. A variedade do que poderia fazer era enorme, assim como o seu desejo de fugir dali. O telefone ao lado da cama logo tocou. Julia atendeu no primeiro toque para que sua mãe não acordasse. A técnica do turno da noite havia chegado. E como todas as vezes as recepcionistas faziam, perguntaram:
– Você precisa de uma técnica de enfermagem para te ajudar? Caso sim, responda, caso não, aperte o botão 1.
Julia manteve-se calada. Essa poderia ser a oportunidade perfeita.
– Sim. – Respondeu.
Com um pequeno esforço conseguiu sair da cama, puxou os cabos ligados aos seus braços e andou até o armário onde estava a sua bolsa. De lá puxou uma seringa. A técnica então abriu a porta. Julia sorriu levemente e caminhou até ela. Inseriu a seringa em seu pescoço. A mulher já inconsciente, desabou no chão. Morta.
Julia agiu rapidamente. Tirou a roupa da mulher e colocou em si própria. Escreveu uma carta para a sua mãe em seguida explicando porque tudo aquilo estava a acontecer, pegou a sua bolsa e esperou pelo momento em que o corredor estivesse vazio. Antes de ir embora, observou a Sra. Salvatore e a mulher morta e nua mais uma vez, despediu-se sem dizer alguma palavra e logo em seguida, partiu. Saiu do hospital, rumo à Collinsport.
Passou na casa dos Burton antes para pegar algumas roupas “emprestadas” da filha de Selina. Pegou um táxi em seguida e esperou na estação por um trem. Aproveitou o curto espaço de tempo para ir ao banheiro público, se trocar. O trem chegou e Julia entrou, sem bilhete, enganando a comissária de bordo. Destinava-se a ir para o porto. De lá pegaria uma embarcação direto para Collinsport. Virou-se e percebeu um homem ao seu lado. Loiro, alto e usava roupas de porte finíssimo, Parecia com Roger, porém não. Este parecia uma espécie de homem responsável, ao qual cumpria o que prometia.
– O senhor está indo para onde? – Perguntava Julia, puxando assunto.
– Estou indo enterrar a minha mulher, em Collinsport. – Respondeu ele, devagar.
Julia olhou para os lados, sem saída.
– Eu sinto muito.
– Tudo bem... Mas, ao menos, ela morreu feliz. Apesar da doença. – Dizia.
– Claro...
Continuaram calados por um tempo. A pequena conversa fez com que Julia lembrasse um pouco de Edgard.
– Eu também sou viúva, senhor. – Continuou Julia.
– Meus sentimentos.
– Tudo bem... – Deixou passar. – O senhor disse que está indo para Collinsport, certo?
– Isso... – Respondeu o homem. – Eu gosto de lá, tem uma beleza tenebrosa, deve servir para funerais.
Riram um pouco.
– Eu vou à procura de um morto-vivo, um jovem, vampiro.
O homem a encarou por um instante.
– Mas e então... Tens casa onde se instalar pelo lado de lá?
– Na realidade não... Mas eu possuo vários amigos que podem me ajudar com essa “parte”.
– Bom, eu sou um deles. – Dizia o homem, sorrindo.
Ele acabou por entregar um cartão com o endereço de sua casa na cidade e saiu. O trem havia chegado no porto. Julia encaminhou para o barco que em seguida saiu. A tênue luz do porto rapidamente distanciou-se, foi então que bateu uma saudade no peito, porém Julia estava determinada. Determinada a encontrar o amado Collins. Mesmo que ele não fosse mais tão amado.
A embarcação seguia em alto mar, rapidamente, enquanto Julia lia um velho jornal que estava jogado ao seu lado. O mesmo afirmava que uma espécie de praga havia chegado em Collinsport. Uma era. A era da tuberculose. Várias pessoas já tinham morrido vítimas da doença, Julia chegou a pensar que a mulher do senhor que estava no trem poderia ter tido isso. A contagiosa doença da tuberculose. O assunto preencheu a sua mente e durou por toda a viagem. Logo mais, o sol nascia, enquanto Julia acordava, de uma noite cheia, cheia de pensamentos incertos e pouco prováveis. O barco agora atracava, junto à Angel Bay, onde era-se permitido ver uma moça loira, a mesma que viu em seu primeiro sonho com Barnabas, Angelique.
Julia começou a perceber que, as pessoas que estavam no barco agora seguiam diretamente para a fábrica, como se tivessem viajado apenas para aquele destino. E Angelique agora agia como uma espécie de presidenta, uma presidenta ao qual escravizava os seus trabalhadores. Era isso. As pessoas vieram para ser escravizadas. Claro, sem saber. Lembrou-se. Na noite passada, Julia estava com a cabeça no senhor do trem e acabou não percebendo o que o capitão do barco disse. Mas veio à memória. Era uma proposta para os médicos, esses que iriam ajudar a salvar a população da tuberculose. Porém não. Os que vieram, na verdade, foram escravizados, pegos, para trabalhar de graça na fábrica. E enquanto isso, a cidade poderia acreditar que na verdade Angelique estava a cumprir sua promessa, mas, a culpa não era dela, e sim das pessoas que não haviam se inscrito para ajudar.
Um homem grosseiro puxou o braço de Julia, quando percebeu que ela estava pensando, que ela estava distante. Voltou-se. Em pouco tempo lá estava ela, entrando na fábrica, mas, conseguiu. Após correr entre várias pessoas e derrubar vários guardas, finalmente, livrou-se. Encontrava-se agora em baixo de uma tenda, ao qual pode observar um homem de meia idade, ele estava jogando a âncora do barco para o mar. Era o Capitão Jack. Julia aproximou-se.
– Minha filha! Que falta senti de você. – Dizia ele, alegremente. – Há alguma novidade boa que possa me dizer?
– Bom... Eu estou grávida.
– Que maravilha! – Respondeu o Capitão, entusiasmado.
– E como vão as coisas por aqui?
– Não se pode dizer que está tudo bem... Sabe, a escravidão e a tuberculose voltaram para todo esse povo.
Uma criança acabou por se intrometer na conversa.
– Mas isso tudo irá mudar. – Dizia a criança.
Era Kadhi.
ARTHUR C.
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