Memento

Felicidade


Tomohisa Kaname abriu a porta de vidro e sentiu o ar fresco, o cheiro da relva. A horta, que ficava em uma estufa construída em um espaço aberto no meio da casa, o recebia com cores vivas. Em meio ao verde se destacava o amarelo dos pimentões e o vermelho dos tomates frescos.

Carregando um cesto, ele entrou e começou a colher com satisfação o que seria o café da manhã. Nem parecia que aquele lugar havia sido destruído pela pior tempestade da história de Mitakihara, exceto talvez pela pintura ainda nova das paredes. Foram meses de trabalho, desde a preparação do solo, do replantio do que pôde salvar e das sementes novas, além do cuidado com o regar e a prevenção de pragas, mas no final tudo isso estava sendo recompensado.

Pelo teto transparente podia se ver o céu limpo. O noticiário previa que seria assim durante toda a próxima semana, a semana de ouro... Como era de se esperar, sua esposa não ia parar de trabalhar. Raramente a empresa parava durante os feriados. Quando foi a última vez?

Tomohisa parou por um momento o que estava fazendo, tentando se lembrar. Se ele não estava enganado, foi durante o aniversário do fundador, não que ela não tivesse ido à empresa para as confraternizações e homenagens.

Como poderia ser diferente? Como poderiam manter esse padrão de vida? Como pagar os estudos da Madoka e de Tatsuya?

Ele retornou ao seu trabalho com mais determinação. Poderia continuar assim por hora, mas havia um longo futuro pela frente e poderia fazer algo a respeito disso, ele já estava fazendo.

Contudo, ele sentiu um silêncio. Na verdade ‘sentir’ não parecia ser a descrição mais adequada e o silêncio já havia, pois todos estariam dormindo ainda, mas parecia que ele era mais ameaçador. Dentro de sua mente, na parte mais profunda, não alcançada por sua consciência, dizia que ele estava sendo observado.

Ele olhou para trás e não viu ninguém. Era o esperado, mas isso não satisfazia seus primitivos temores. Ele foi até a entrada e olhou pelo corredor da casa, que aparentava mais escura de que quando ele havia acordado.

Então ouvira uma porta se abrir, era a do banheiro, e alguém se aproximava. Despontando na esquina do corredor estava uma garota com longos cabelos negros, ainda de pijama.

“Oh, Homura-san,” disse Tomohisa, sorrindo para a sua própria tolice. “Acordou mais cedo hoje.”

“Eu digo o mesmo,” ela respondeu.

“Haha...” Ele ergueu as sobrancelhas, enquanto coçava a sua têmpora. “Na verdade essa é a hora que eu acordo... ehhh...” Então ele congelou. “Você não me viu na horta?”

Homura abaixou o olhar. “Eu acho que acordei mais cedo que você.” Então ela cruzou os braços, apalpando eles com as mãos. “Eu estava no banheiro...”

“Esquece isso!”

Ela voltou a olhar para Tomohisa, agora mais sorridente ainda.

“Pode me ajudar a colher o que falta? Não temos muito tempo.”

Homura assentiu rapidamente e o seguiu para dentro da estufa.

Podia não haver muito tempo, mas também não havia muito mais o que fazer ali. Logo ambos estavam na cozinha com o cesto cheio de frutas e verduras. Tomohisa logo começou a lavá-los na pia, ele não os picaria nem removeria a casca, buscando deixar o alimento o mais natural possível.

Homura se sentou à bancada e ficou observando ele. “Você gosta de fazer isso, não é? Todos os dias...”

“Eu diria que eu não me imaginava assim.”

“Madoka me disse que você era arquiteto.”

Tomohisa abriu o armarinho e pegou algumas tigelas. “Era? Eu nunca fui.” Então ele começou a montar um arranjo com os alimentos neles. “Eu sou graduado em arquitetura, aliás essa casa foi projeto de um amigo meu na época, mas logo Madoka veio então...”

“Entendo.” Homura assentiu.

“Eu comecei a namorar Junko no início da faculdade,” Tomohisa continuou, balançando a cabeça e sorrindo, “ela havia terminado antes de mim e tinha conseguido um bom emprego, enquanto ser arquiteto não é algo exatamente estável, então essa decisão era óbvia.” Ele foi até geladeira e pegou alguns ovos. “Na verdade era para ser temporário, mas quando veio o Tatsuya eu já sentia que essa era a minha vocação, agora eu só preciso tornar isso a minha profissão.”

Ela ficou mais curiosa. “Você pretende ganhar dinheiro com isso? Vai vender o que a sua horta produz?”

“Hahaha! Não, não...” Ele abriu o forno do fogão, de onde saiu o aroma delicioso do pão caseiro que ele havia assado ontem. “Eu pretendo vender conhecimento. Sabia que a nossa capacidade gustativa diminui com idade?” Ele olhou para ela.

Ela balançou a cabeça levemente.

“É devido a isso que passamos a tolerar ou até gostar de certos alimentos que odiávamos durante a infância.” Ele retornou sua atenção aos ovos e para a frigideira onde iria fritá-los sem óleo. “É devido a isso também que passamos a incluir mais condimentos, açúcar e gordura em nossas dietas, a mesmas que nossos filhos irão ter.”

Enquanto o ouvia, Homura não pôde deixar de notar que a conversa não havia prejudicado em nada a eficiência dele na cozinha.

“Nós somos abençoados pela nossa herança cultural e temos poucas pessoas obesas em nosso país, mas eu vejo o noticiário e há tantas crianças no mundo com problemas de saúde devido ao excesso de peso. É alarmante!” Tomohisa terminava de fritar o último ovo e já estava examinando as frutas que iria usar para um suco. “A comida que oferecemos para os nossos filhos é parte do nosso amor. Não se pode tratar isso com tanto descaso. Eu espero um dia poder transmitir essa filosofia de alimentos naturais que eu adquiri com a minha experiência e faça diferença para outras famílias. Eu ainda não sei se irei escrever um livro ou pôr alguns vídeos na Internet...”

Homura agora estava diante de um colorido café da manhã sobre a bancada, com o distinguível cheiro de ovo frito.

Tomohisa suspirou e ajeitou os seus óculos. “Eu acabei falando demais, não é? Talvez você quisesse perguntar algo mais.”

“Não... está tudo bem...” Homura virou a cara, sussurrando, “Essa família é abençoada por ter você.”

“Algo tem incomodado você ultimamente.”

Homura não disse nada diante da afirmação dele.

“Está com saudade?”

Mas dessa vez, ela estremeceu, com um olhar assustado.

Tomohisa ergueu as mãos. “D-Desculpe, eu estava brincando, mas é verdade que você vai nos deixar logo. Eles estão terminando de reconstruir a sua casa.”

A expressão de Homura acalmou-se, mas suas mãos inquietas a traíam. “Está correto.”

Ele gesticulou para si. “Eu posso dizer que nós teremos saudades de ti, Homura-san.”

“Não deveria.”

A resposta seca dela removeu o que restava do sorriso de Tomohisa.

Quem tentava sorrir agora era Homura. “Eu farei visitas, certo?”

“Ah...” Um arrepio passou pela nuca dele. Ele pôs a mão sobre ela enquanto assentia. “Claro, isso é óbvio...”

“Aí está você!”

Os dois olharam para recém chegada.

Madoka estava de pijama branco, usando pantufas fofas. Ela logo se aproximou de Homura. “Quando acordei e não vi você, eu pensei que tivesse fugido.”

Tomohisa segurou um riso. “Ha... Que idéia mais boba.”

“Wehihi, eu sei, mas eu estava tão preocupada... Eu acho que tive um pesadelo.”

“Deve ter sido isso,” Homura respondeu, olhando de relance para Madoka, nisso ela sentiu alguém puxando a sua calça, um menino.

“Homuranee!”

“Tatsuya? Você está aí?” Tomohisa se inclinou sobre a bancada para vê-lo. “Então a sua mãe já acordou?”

“Não,” Madoka deu uma piscadela, “eu flagrei esse danadinho tentando abrir a porta do quarto dela enquanto procurava pela Homura.”

“Bem...” Tomohisa pôs as mãos na cintura. “Por que vocês três não fazem as honras? O café da manhã já está pronto.”

“Claro!” Madoka gesticulou para que eles a seguissem. “Takkun! Homura! Vamos puxar os pés dela hoje.”

Enquanto o garoto continuava a puxar a calça de Homura. “Veeem! A nossa mãe tem que acordar.”

Entre os dois, Homura não viu outra escolha. “Vamos acordá-la...”

/人 ‿‿ 人\

Tatsuya tentou garfar um pequeno tomate, mas a fruta escapou e rolou para fora da mesa.

Junko viu acontecer e rapidamente tentou capturá-lo com o seu prato para que ele não caísse no chão, porém já havia outro prato ali o recebendo.

“Tome mais cuidado, Tatsuya-kun,” Homura disse enquanto retornava o tomate ao prato do garoto, “essa comida tem muito valor.”

“Obrigada, Homura-san.” Junko ajeitou o seu cabelo e olhou para o seu filho. “Você também devia agradecê-la.”

Tatsuya ergueu a cabeça para encontrar com os olhos da garota. “Obrigado, Homuranee!”

“É ‘Homura-nee-san’,” Junko instruiu.

Tomohisa, que estava na cozinha lavando a louça, falou para ela com certa preocupação, “Você não devia ensinar assim para ele. Faz parecer que nós literalmente a adotamos.”

Junko apoiou os braços na mesa e respondeu olhando para Homura, “Depois de tanto tempo conosco, para mim ela já é da família.”

A garota ergueu as sobrancelhas. “I-Isso é... Isso é um exag-”

“Homuranee Kanamenee!” Tatsuya exaltou-se em sua cadeira.

“Ah...” Tomohisa pôs a mão na cabeça. “Era disso que eu estava falando.”

Junko riu. “Kukuku... Ele está progredindo!”

Homura enrubesceu e sorriu.

“Wehihi.”

Ela então trocou olhares com Madoka.

A garota de cabelos rosa sorria abertamente, sem demonstrar inibição alguma.

Homura parou de sorrir e desviou o olhar.

E o semblante de Madoka enfraquecera.

A garota de tranças voltou a sentar e comer em silêncio.

“E o que vocês pretendem fazer durante a semana de ouro?” Junko perguntou.

“Oi?” Madoka piscou como se saísse de um transe. “Ah! Hmmm... Eu não sei direito ainda.”

“Nós vamos estudar,” Homura respondeu friamente.

“Ah não! Não! Não mesmo! Vocês não precisam da semana inteira para isso,” Junko disse, fazendo uma cara de tristeza, “vocês devem aproveitar enquanto podem ou um dia poderão descobrir que os clientes da corporação em que vocês trabalham não têm semana de ouro...”

“Ehhh...” Madoka beliscou as pontas de seu cabelo e desviou o olhar. “Mãe, você está falando que nem a Saotome-sensei agora.”

Junko sorriu e assentiu. “É por isso que eu disse que vocês devem aproveitar enquanto podem.”

“Sua mãe tem razão,” Tomohisa apoiou.

Madoka deu de ombros. “Bem, ainda temos um tempinho para ver isso. Até o fim do dia eu e Homura vamos saber o que iremos fazer juntas.”

Após um olhar rápido para ela, Homura respondeu, “Sim, nós veremos...” Então ela se levantou da cadeira. “Já está na hora.”

“Oh, é verdade!” Junko colocou tudo o que ainda havia em seu prato dentro da sua boca e engoliu com ajuda de um copo de suco.

Madoka fez o mesmo com o pão dela.

Tomohisa apenas sorriu e balançou a cabeça em desaprovação.

Homura pegou a mala dela e da Madoka, que já estava pulando da cadeira e saindo.

“Vão com cuidado e tenham um bom dia.” Tomohisa acenou enquanto recebia um beijo de Junko.

Tatsuya exclamou, “Teeenham um bom dia!”

Após acenar, Madoka logo já estava com Homura na rua a caminho da escola. A passada era rápida e firme, mas elas ainda não precisavam correr.

“Não esqueceu de nada?” Homura indagou.

“Não.”

Com a resposta satisfatória, Homura decidiu por checar se seu uniforme escolar não havia desarrumado com a pressa.

“Bom dia!”

No entanto, o estranho anúncio de Madoka mudou os seus planos. “Hã?”

“Wehihi.” Ela sorria com certo embaraço. “Foi bom você ter perguntado. Eu me lembrei que nós ainda não tínhamos dado um bom dia uma para outra hoje.”

“Claro...” Homura disse sem expressividade, “bom dia, Madoka.”

“Hmmm...” Madoka fez uma careta. “Se o dia vai ser bom ou não vai depender da notas dos exames que eles irão anunciar hoje.”

Homura pressionou os lábios.

“Eu nem contei para os meus pais, sabe. Eu espero trazer uma boa surpresa para eles.”

“Por que isso importa?”

A súbita questão de Homura ergueu as sobrancelhas de Madoka. Um silêncio perdurou entre as duas até que Madoka sorriu. “Só porque eu já tenho um trabalho, não significa que eu não devo me esforçar. Eu acredito que você também deve ter se esforçado e vai conseguir ótimas notas!”

“Força do hábito.” Homura continuava com o tom monótono.

“Viu?” Madoka se aproximou da outra garota, buscando os olhos dela.

Porém Homura não correspondeu com reação alguma.

Madoka suspirou em frustração. “Ah... O que eu faço com o seu mau humor?”

“Mau humor?” Homura abaixou o olhar, com uma leve expressão de surpresa. “Eu não estou de mau humor.”

“Para mim você parece que está e... acho você está assim desde a nossa conversa sobre Sasa-chan, se não antes. Parece que está piorando com o passar do tempo.”

A face de Homura ficou mais tensa.

Madoka falou quase em um sussurro, “Você está de mal comigo?”

Homura fechou os olhos e relaxou. “É um absurdo estar me perguntando isso.”

“Então você não está de mal comigo e nem de mau humor?”

“Não.”

Madoka pulou na frente de Homura para ficar face a face enquanto continuava a andar, agora para trás. “Então eu posso te contar essa idéia que eu tive.”

Agora mais surpresa, Homura permaneceu em silêncio para que ela prosseguisse.

“Quando eu vi você e o pai na cozinha, eu pensei...” Ela abriu um sorriso. “Que tal se nós ajudássemos ele com o café da manhã usando uma das receitas do clube de culinária? Meu pai conhece muitos truques que podíamos compartilhar com o pessoal do clube, eles iriam adorar!”

Homura balançou a cabeça. “Eu não estou pronta para isso.”

“Não tem problema se errarmos,” Madoka insistiu, “vai ser divertido!”

“Você ainda vai acabar esbarrando em algo,” Homura comentou.

“Hmmm...” Madoka fez um beicinho e voltou a andar lado a lado com ela. “Ok! Eu irei fazer isso em algum dia da semana de ouro. Você está convidada.”

“Ótimo...”

Já era possível avistar os portões da escola de Mitakihara e o grande número de estudantes indo em direção a ela.

Um dos estudantes em especial fez Madoka exclamar, “Hitomi-chan!”

“Hã? Ah, Madoka-san...” Hitomi parou e esperou pelas duas. “E Homura-san. Bom dia.”

“Bom dia!”

“Bom dia...”

Hitomi as acompanhou, ficando no lado ainda vago de Homura. “Pensei que eu estava chegando um pouco tarde hoje.”

“Pois é...” Madoka esboçou um sorriso desajeitado. “Nós estávamos discutindo em casa sobre o que iríamos fazer durante a semana de ouro.”

“E vocês já decidiram?”

“Sim,” Homura respondeu.

Fazendo Madoka erguer as sobrancelhas.

Hitomi continuava a olhar para ela.

“Ah... Nós estamos ainda pensando nos detalhes,” Madoka disse, “E você, Hitomi-chan?”

“Nada especial,” Hitomi falava com resignação, “apenas estudar muito.”

“Isso é uma boa coisa.” Homura olhou para ela.

Hitomi correspondeu com um olhar de relance e sorriu. “O-Obrigada...”

Elas já haviam atravessado os portões quando Madoka comentou, “Está bonito esse novo prédio para a escola de ensino médio. Deve estar quase pronto.”

“Uhum...” Hitomi complementou. “Eu sei que a construtora dessa obra é de Tóquio e foi responsável por 80% da reconstrução de Mitakihara.”

“Jura?”

Hitomi assentiu. “Meu pai é que me contou. Eles são uma grande e antiga corporação.”

“Então nossa deve estar em boas mãos.” Madoka sorriu. “Você sabia disso, Homura?”

Silêncio.

Parecia que Homura não havia ouvido aquela conversa. Madoka e Hitomi não mudaram suas expressões, mas acabaram trocando olhares.

“Sim... Eles estão reconstruindo a minha casa,” ela finalmente respondeu, enquanto observava um casal entrar na escola antes delas, uma garota de longos cabelos brancos e garoto loiro.

/人 ‿‿ 人\

“Há coisas ruins nesse mundo. Coisas tão terríveis que nós perguntamos se há um propósito nisso. Se nossas vidas as merecem como punição. Talvez a própria vida seja a punição, que nós colocamos em uma caixa de presente ricamente decorada para não ver o óbvio. Por que merecemos? Em que momento os nossos sentidos distraídos não perceberam o pecado que fora cometido. Ou talvez seja antes de nós nascermos, um crime cometido por nossas almas, encarnadas ou não...” Saotome apontou a sua régua para um garoto sentado na primeira fileira. “Nakazawa-kun! O que é mais importante? A semana de ouro ou o dia dos namorados?”

“Ehhh...” Nakazawa coçou a parte de trás da cabeça. “Eu não sei. Bem... Eu não tenho namorada, então para mim a semana de ouro seria mais importante.”

Saotome golpeou violentamente a carteira dele ao se apoiar com as mãos. “Certo, mas errado!”

Nakazawa quase caiu da cadeira. O olhar da professora tinha um claro intento assassino.

“Sim, a semana de ouro é mais importante, mas não é por esse motivo.”

Ele engoliu seco. “S-Seria porque ela tem mais dias?”

Ela se ergueu, carregando consigo uma expressão de desapontamento. “Está mais perto, mas ainda não é o bastante.” Ela deu as costas para a turma. “Rapazes e moças, vocês devem ter ouvido falar sobre história da semana de ouro. Vocês até devem ter lido sobre isso em algum livro.”

O ar era de ansiedade, a sala de aula estava em silêncio. Não exatamente para Homura, que ouvia alguns cochichos.

“Será que essa foi a pior de todas?”

“Não... Ela até que está de bom humor.”

Saotome lentamente erguia as mãos trêmulas, como se estivesse em um ritual de invocação do próprio diabo. “A verdade é que isso tudo é falso. Uma conspiração para vendar os olhos de vocês até que seja tarde demais para descobrir algo tão trivial...” Ela se virou para eles, pronta para lançar sua cataclísmica conjuração. “A SEMANA DE OURO SÃO NOVE DIAS DOS NAMORADOS!”

Os estudantes arregalaram os olhos, estupefatos, enquanto alguns contavam nos dedos para ver se a matemática batia.

“Casais planejam fazer coisas juntos durante a semana de ouro, é simplesmente natural. Portanto, rapazes, vocês não podem abandonar uma mulher para viajar com os seus amigos.” Ela começou a ranger os dentes e a dobrar a régua que segurava, ameaçando quebrá-la. “E garotas, não deixem que eles te avisem na última hora.” De repente, ela se acalmou e sorriu. “Ah sim, por falar nisso eu preciso entregar os resultados das provas para vocês antes da aula acabar.”

Um a um, os alunos foram sendo chamados para receberem as provas corrigidas e com a nota. Logo a maioria da sala começou a comparar entre eles.

“Suas notas melhoraram desde o ano passado, Madoka-san,” comentou Hitomi, “você foi perfeita em geografia.”

“Wehihi. Sim, eu estava preocupada, mas não estou mais.”

“Será porque Homura-san está morando contigo?”

“Ah, ela tem me ajudado com muitas coisas...” Madoka olhou para Homura. “Eu vi que ela foi muito bem em matemática, física e química.”

A garota de tranças guardava os documentos em uma pasta. “Força do hábito...”

“E suas notas continuam excelentes, Hitomi-chan.”

O olhar verde da garota abaixou em uma expressão mais séria. “Quase todas abaixaram, mesmo eu estudando em casa.”

Madoka manteve o seu sorriso. “Mas elas ainda são altas, você facilmente vai conseguir uma vaga para o ensino médio.”

“Eu não tenho certeza...”

Vendo Hitomi retornar para a carteira dela, Madoka sentiu que era melhor não fazer perguntas.

Aquele momento foi sendo esquecido com o transcorrer das aulas, tanto que após a última, as garotas deixavam alegremente a escola.

Bem, pelo menos Hitomi e Madoka.

“Como estão indo no clube de culinária?”

“Eu tenho conseguido seguir as receitas.” Madoka deu de ombros. “No entanto eles falam que falta sabor, que eu preciso por mais condimentos. Para mim eles estão saborosos, mas eu sou suspeita de falar, né? Hehe.”

Hitomi olhou para Homura.

“Eu estou aprendendo,” Homura logo disse.

“Sim, essa é a melhor parte.” Hitomi olhou para o céu. “Vocês já devem estar vendo, parece que sempre há uma receita mais sofisticada. É incrível.”

Homura estremeceu e pressionou os lábios.

Notando aquilo, Madoka procurou mudar de assunto. “Hmmm... Vocês sabem quando irão apresentar os uniformes do ensino médio para nós votarmos?”

“Eles ainda não definiram uma data,” Hitomi respondeu, “mas deve ser logo.”

“Uhum.” Madoka puxou um pouco o laço vermelho da gola. “Eu acho que vou ficar com saudades desse uniforme, mesmo que as opções que poderemos escolher forem bonitas. Eu estou um pouco ansiosa com isso, você não está, Hitomi-chan?”

“Eu... não tenho certeza.” Hitomi parou, fazendo as outras duas se virarem para ela.

Madoka via novamente a sua amiga séria.

“Certo.” Hitomi respirou fundo e disse, “Se lembra da construtora de Tóquio que contei para vocês? Meu pai conseguiu um bom emprego lá.”

“Oh... Hitomi-chan, isso é ótimo!” Madoka queria sorrir, mas o semblante de Hitomi não permitia, enquanto Homura não escondia a sua surpresa. Para Madoka isso estava claro. “E você vai se mudar com a sua família para lá, não é?”

Hitomi assentiu. “Por isso que preciso melhorar as minhas notas, as escolas da capital são mais exigentes.” Então ela pôs a mão no peito e novamente respirou fundo. “D-Desculpe por não ter contado para vocês antes, de que esse será o último ano que irão me ver.”

Madoka ergueu as sobrancelhas. “Mas nós vamos continuar nos comunicando. Eu adoraria visitar você em Tóquio também.”

Homura olhou intensamente para ela.

Hitomi balançou a cabeça e disse, “Meus pais não querem que eu mantenha laços com esse lugar. Um novo começo é o que eu preciso depois do que aconteceu.”

“É isso que você realmente quer, Hitomi-chan?”

“E você não quer?”

Madoka ficou boquiaberta. “Por quê?”

“‘Por quê’?” Os olhos de Hitomi avermelharam. “Ela era a sua melhor amiga. Você encontrou forças para não se abalar, mas...”

Madoka balançou a cabeça. “Por favor, não é sua culpa.”

“Se é ou não... Nunca mais será como antes.” Hitomi pegou um lenço e passou em seus olhos enquanto fungava o nariz. “Eu sei que você só está tentando ser gentil, você sempre foi assim...”

Homura e Madoka trocaram olhares. A garota de cabelo rosa estava com uma nítida expressão de súplica que Homura não podia ignorar. “Shizuki-san...”

“Hã?”

No entanto, talvez tivesse sido melhor pensar algo antes de chamá-la. Se não havia o que dizer, uma atitude podia servir e Homura visualizou um estabelecimento no outro lado da rua perfeito para a ocasião. “Vamos tomar sorvete.”

Hitomi ficou piscando.

“Eu pago o seu.” Homura sorriu timidamente.

“Ah...” O sorriso de Hitomi foi mais expressivo, ainda que triste. “Isso vai parecer que n-nós estamos...”

Madoka olhou para as duas, curiosa.

“Obrigada pelo convite, mas eu preciso voltar para casa. Meus pais estão ansiosos em saber sobre as minhas notas.” Hitomi começou a se afastar.

“Não quer que nós acompanhemos você?” Madoka perguntou.

Hitomi guardou o lenço e manteve um sorriso. “Não precisa, eu estou melhor. Quanto a Tóquio... a decisão não é somente minha. Então...”

Madoka assentiu.

“Tchau para vocês.” Hitomi acenou. “Tenham uma boa semana de ouro.”

“Para você também!” Madoka retribuiu o gesto. “Depois vamos compartilhar as novidades!”

Homura também. “Tente descansar, suas notas estão boas.”

Com Hitomi indo embora, as duas garotas novamente trocaram olhares.

Homura então virou a cara. “Eu tentei...”

“Você fez bem.” Madoka sorriu. “Não se preocupe, Hitomi-chan vai superar isso.”

“Sim? Você tem tanta certeza...” A voz de Homura foi baixando de tom. “Talvez ela faça parte de algum ‘plano mestre’ seu...”

Madoka franziu a testa. “Não, é porque ela está melhor do que ano passado.” Depois retornou a sorrir. “E eu tenho esperança que ela vai aprender com isso e se tornar uma pessoa ainda melhor do que ela já é.”

“Mas você não se sente mal? Deixar ela nesse estado de dor e culpa, enquanto você carrega a verdade que a libertaria disso?”

“É claro que eu sinto,” Madoka afirmou com seriedade, “por isso que eu sempre penso na Sayaka-chan. Ela não iria querer assombrar ainda mais a vida de sua amiga e de Kamijou-kun.”

Homura cerrou os punhos. “Entendo...”

“Ei vocês duas!”

Madoka viu quem chamava. Eram duas colegas de classe que estavam passando, que ela logo reconheceu. “Oh... Haruhi-chan and Mihoko-chan.”

Mihoko Shibasawa era uma garota baixinha, até mais do que Madoka. No entanto, ninguém a confundiria como sendo uma criança devido ao seu volumoso busto. Seu cabelo marrom avermelhado era relativamente longo e mal penteado, sempre precisando de um clipe para mantê-los longe de seus olhos.

Enquanto Haruhi Asano era mais alta e cuidava melhor de sua aparência. Ela dividia seu cabelo cor mostarda em dois pequenos rabos de cavalo. “Nós vamos passear pelo centro da cidade, querem vir conosco?”

“Isso seria legal.” Madoka consultou Homura.

Levou um tempo, mas ela assentiu.

Haruhi e Mihoko começaram a correr. “Então vamos, pois o ônibus já está chegando!”

Da escola para o centro eram poucos minutos. Enquanto as garotas conversavam sobre as notas, Homura observava o céu aos poucos sendo bloqueado por mais e mais prédios.

Quando chegaram, Mihoko foi a última a descer do ônibus, tendo que correr para alcançar as outras que já estavam passeando. “Madoka-chan, Homura-chan, o que vocês vão fazer na semana de ouro?”

“Ah... Hmmm...” Madoka olhou para Homura, que havia fechado os olhos. “Nós ainda estamos pensando.”

“Que bom que vocês ainda podem decidir.” Mihoko fez uma cara de choro. “Meus pais vão mandar eu e meu irmão para nossa vó. Ela mora em outra cidade e não tem nada para fazer lá. É um lugar que ainda tem um ar de vila, sabe.”

“Você devia aproveitar o ar puro,” Haruhi disse sorrindo.

Mihoko ficou enfezada. “Você fala assim porque vai continuar aqui. Vai ir todo dia no shopping, no cinema, vai ver rapazes bonitos... Aposto que quando eu retornar você vai ter um namorado!”

Haruhi segurou um riso. “Não fala bobagens, você está parecendo a Saotome-sensei.”

Mihoko arregalou os olhos. “Eu nunca vou ser como ela. Nunca!”

“Relaxa. Sua semana será ótima,” Madoka disse, “não é, Homura-chan?”

“Ela devia valorizar essas visitas para a vó dela,” Homura falou em um tom calmo, mas também sério, “pois nunca se sabe quando isso não será mais possível.”

Haruhi ergueu as sobrancelhas. “Homura-chan sempre com as melhores respostas...”

Mihoko abaixou a cabeça. “Falando assim, eu me sinto mal.”

“Você pode parar com isso,” Haruhi disse, “pois um pet shop está logo à frente.”

Pet shop?” O semblante de Mihoko iluminou-se.

“Sabe o que isso significa?” Haruhi abriu um largo sorriso.

E as duas disseram, excitadas, “Gatinhos!”

“Wehihi!”

“A melhor cura para o mal humor.” Haruhi agarrou o braço de Mihoko e correu. “Vamos!”

A garota baixinha mal teve tempo de reagir e pegar o braço da Madoka.

Madoka tentou fazer o mesmo com Homura, mas era tarde demais e ela viu a garota ficar para trás.

Ficando onde estava, Homura observou as três garotas pararem em frente da vitrine do pet shop. Haruhi e Mihoko nem tinham notado a sua ausência, enquanto Madoka dividia sua atenção com o que estava na loja e com ela.

Gatos.

Algo nas profundezas da memória emergiu em Homura.

Foi assim que tudo começou, não é, Madoka?

Resolvida em guardar para si essa pergunta, ela deu os primeiros passos para se juntar as outras.

... garotas desaparecidas...

Contudo, ela parou no caminho, na frente de uma loja de eletroeletrônicos. Um grande televisor mostrava um âncora de telejornal apresentando as notícias internacionais.

“... os números são alarmantes não somente em Moscou como em outras grandes cidades do país, com a faixa etária média entre doze a dezessete anos. A principal linha de investigação é de que seja um pacto ou um desafio proposto nas redes sociais, algo recentemente popular entre os adolescentes, pois os indícios apontam que elas deixaram as suas casas voluntariamente, inclusive levando consigo roupas e comida.

As autoridades ainda não descartaram a hipótese de um aliciamento, mas afirmam que nesses casos se evitaria tamanha escala para não chamar a atenção. Esse está sendo o maior mistério, pois nenhuma garota foi encontrada apesar do grande número de desaparecimentos. A melhor pista até agora é uma câmera em um posto de gasolina que flagrou uma das supostas garotas obtendo carona com um caminhoneiro. Testemunhas relatam que ele foi para o leste, mas o veículo não foi localizado. Teme-se que essas garotas possam estar atravessando a fronteira com o Cazaquistão, onde o policiamento já foi intensificado. Isso condiz com as especulações que afirmam estar ocorrendo um evento semelhante na China, todas elas sendo desmentidas pelo governo chinês. Já o governo do Cazaquistão não se manifestou até agora.

Analistas ainda avaliam o impacto na relação entre os países envolv-

Estampidos secos.

Homura rapidamente se virou, o seu anel parecia mais apertado em seu dedo.

Em outra tela mostrava imagens tridimensionais sofisticadas de um frenético jogo de tiro, sob o ponto de vista de um soldado no meio de uma guerra.

Call of Battlefield 5: Exterminatus.” Mihoko apareceu.

Seguida por Haruhi. “É esse o tal jogo que o teu irmão não deixa jogar?”

Homura sentiu uma mão nas costas, era Madoka com um sorriso, foi então que se deu conta que seu corpo estava tenso. No televisor agora passava um comercial.

“Sim, ele fica dizendo que eu vou bagunçar a conta dele.” Mihoko revirou os olhos. “Mas ele não me deixa criar a minha.”

Haruhi balançou a cabeça. “Nem sei como você gosta desse jogo violento.”

“É legal, você sobe de patente e personaliza o personagem, as armas e até os veículos...” Mihoko olhou para Madoka. “E não é violento, só um pouco de sangue. O que você acha?”

“Ehhh... Eu não entendo muito disso. De jogos, somente tenho alguns simples no meu smartphone.”

“E você, Homura-chan?”

As três garotas olharam para ela. Homura olhou por um tempo para Mihoko e então se virou e partiu. “Realista demais...”

Mihoko e Haruhi ficaram sem palavras.

Tanto que Madoka deu de ombros e sorriu para elas antes de seguir a garota com tranças.

Haruhi então sussurrou para Mihoko, “Significa que é violento demais.”

“Não é não!”

O sol se aproximava do horizonte e as sombras dos prédios cresciam. Os estabelecimentos menos afortunados que ficavam no caminho delas acendiam as suas luzes.

“A gente já andou um monte e agora estou com fome,” Mihoko reclamou.

“Eu ainda quero ir naquela livraria que te contei.” Haruhi ficou pensativa. “Mas é um pouco longe, hmmm... certo. Vamos comer! Homura-chan, Madoka-chan, tem algum lugar em especial que queiram ir? Mihoko aceita qualquer coisa.”

“Ei!” A garota com clipe de cabelo não gostou de ouvir aquilo.

Homura respondeu sem entusiasmo, “Para mim tanto faz.”

“Idem,” disse Madoka.

Haruhi assentiu. “Então vamos ao primeiro lugar que encontrarmos, antes que fique muito tarde.”

Elas apressaram o passo, mas o plano delas, apesar de simples, não esperava por aquela reviravolta vindo da Mihoko.

“Olhem isso!”

Elas pararam em frente a uma loja de roupas e calçados. Uma vitrine mostrava vários pares de sandálias coloridas.

“Oh...” Os olhos de Haruhi cresceram. “Parece que eles já lançaram a moda do próximo verão.”

“Sim!” Mihoko não conseguia a sua alegria. “Olha para tira dessa aqui. Tem uma tartaruguinha fofa!”

“E esse com uma joaninha também,” Haruhi concordou, “e esse com passarinho tem até penugem!”

Mihoko apontou para outra sandália. “Hehe, aquele rosa com um cordeirinho combina contigo, Madoka-chan.”

Madoka se abaixou para ver mais de perto. “É, acho que ficaria bom no meu pé.”

Atrás delas, Homura estava imóvel.

Os sorrisos delas...

Esperando.

... ignorantes a sua própria fragilidade...

Observando.

... é oitneod.

Foi então que ela notou os manequins próximos das sandálias. Seus sorrisos eram medonhos, seus olhares eram de um familiar verde e vermelho.

Os manequins abriram mais os seus sorrisos, mostrando os seus dentes afiados.

Homura prendeu a respiração.

Eles ergueram as mãos, conjurando grandes alfinetes negros.

“Não...” Homura olhou para Madoka e as outras duas. Elas conversavam e riam, completamente desatentas ao perigo.

Os manequins apontaram seus alfinetes, prontos para empalarem as cabeças das garotas.

“Não!” Homura exclamou.

As garotas tiveram um sobressalto e ficaram olhando para ela.

Os manequins estavam imóveis na posição que sempre estiveram, sem faces e inofensivos.

Homura agora parecia com aqueles manequins, paralisada em estupefação.

“Homura...?” Madoka estava preocupada.

Ela retornou a piscar os olhos e a respirar, abaixando o olhar. “Desculpe por ter sido rude... M-Mas eu quero dizer que essas sandálias não são boas, elas estragam fácil.”

“É...” Madoka olhou para as outras duas garotas. “Ela tem razão. Elas têm um bom visual, mas não parecem que foram feitas para andar muito com elas.”

“Hmmm...” Haruhi fez uma careta, seguida por um sorriso. “É verdade... E elas se parecem mais com brinquedos do que calçados.”

Mihoko voltou a olhar para as sandálias. “Eu usaria mesmo assim.”

Haruhi fez uma cara de decepção e afagou a cabeça da sua amiga. “Cresça, Mihoko-chan, cresça...”

“Ei!”

Madoka chegou a sorrir para aquela cena, mas só por um instante.

/人 ‿‿ 人\

“Tchau! Tenham um ótimo feriadão!”

Já era noite quando Madoka e Homura desceram do ônibus em direção ao lar delas.

A caminhada estava silenciosa, mas Madoka não queria isso. “Não vai dizer nada?”

“Sobre o quê?” Homura perguntou sem olhar para ela.

“Algo te perturbou, não minta para mim.”

“Mentir...”

Madoka notou a face de Homura ficando mais tensa.

“Que tal pararmos de pretender que temos uma vida normal?” Homura sugeriu, “não há ninguém perto.”

Percebendo traços de sarcasmo, Madoka assentiu. “Se quer conversar sobre magia, então iremos conversar sobre magia... Seria bom checar a semente da aflição.”

“Eu faço isso quando chegarmos em casa.”

“Eu não estou falando da minha.” Houve um silêncio após essa afirmação, do qual Madoka aguardou pacientemente.

Homura se esforçou para não virar o rosto, nem pressionar os lábios. “Não se preocupe comigo, eu checo o meu regularmente.”

“Mas eu não posso ver?”

“Eu acabei de dizer que não precisa se preocupar comigo.” Homura fechou os olhos.

“Você me nega, Homura-chan.”

Aquela súbita, desesperada voz. Homura rapidamente olhou para Madoka. A garota estava com uma palidez cadavérica, marmorizado por veias negras. Seu olhar era de um dourado fulgurante e o piche que descia deles estava carregado de frustração.

“Você protege mais a sua dor, sua infelicidade, do que a mim. É isso que eu valia para você, um símbolo que emerge esses sentimentos? Então aceite o que eu ofereci. Eu posso mudar você, eu posso mudar tudo!”

Homura arregalou os olhos.

“Homura?”

No entanto, ela estava diante de uma Madoka completamente normal. Era como se havia um vão em sua memória, era como se aquilo nunca tivesse acontecido.

“Homura! Por que está assustada?”

Homura se recompôs e abaixou o olhar, murmurando, “Nad-”

“Não tem como ser nada!”

De novo, de novo ela trazia preocupação para Madoka. No fim das contas, era só que ela tinha para oferecer.

“Por favor, não guarde isso consigo.”

“Quando... Quando eu olhei para você eu...” Homura respirou fundo e sua voz ficou mais chorosa. “... eu me lembrei do passado, de tudo o que aconteceu. A minha vida, a minha vida inteira é um labirinto, eu não posso escapar disso.”

Madoka segurou a mão dela. “Então não fuja.”

Homura franziu a testa.

“Eu também me lembro de tudo, há muitas coisas ruins...” Madoka assentiu e sorriu. “Mas elas fazem me lembrar do valor das nossas boas ações. É o que me reconforta quando sinto medo. Me deixe carregar um pouco desse seu peso para tornar o seu passado mais suportável.”

Homura havia se acalmado, mas permaneceu em silêncio.

Elas já estavam perto de casa. Tomohisa cuidava do jardim da frente junto com o seu filho.

“Madoka! Homuranee!”

“Aí estão vocês.”

“Nós estávamos com algumas amigas da escola,” Madoka disse. “Regando as plantas?”

“Ah sim, sim. Não queria cozinhá-las com o sol forte de hoje...” Tomohisa entregou o regador para Tatsuya, que saiu correndo até a torneira, mas acabou tropeçando e caindo de cara no chão.

Madoka fez uma careta.

Tatsuya rapidamente se levantou, passou a mão nos joelhos e retornou a correr.

“Oh... Takkun está se tornando um hominho,” Madoka comentou.

Tomohisa concordou, “Ele está crescendo.”

As duas garotas continuaram em direção a porta de entrada.

“Ah! Quase me esqueci,” Tomohisa disse, “tem uma carta para você, Homura-san.”

Ela parou. “Uma carta?”

“Estranho, não é? Você não tinha recebido nenhuma até agora. Eu deixei sobre o balcão da cozinha.”

“Certo...”

Elas entraram na casa e Homura foi direto para cozinha, com Madoka a seguindo, perguntando, “Será que é da escola? Ou talvez seja sobre reconstrução da sua casa.”

Homura deixou sua mala cair e acelerou o passo até o balcão, olhou rapidamente para carta e saiu em disparada pelo corredor.

Ignorando Madoka. “H-Homura?!” Logo o mundo, ela mesma, estava com cores mortas. Madoka soltou a sua mala, que parou no meio do ar, e saiu correndo atrás dela. “Espere!”

Ao chegar ao corredor, ela avistou Homura, com uma ampulheta conjurada, começando a fechar a porta do banheiro.

A garota com tranças hesitou com a surpresa de ver quem estava chegando, e então tentou fechar a porta de uma vez.

Madoka conseguiu impedi-la a tempo e deu-se início a uma disputa pela porta. Com um braço pela abertura, ela tentou alcançar a carta que Homura estava ainda segurando.

A ampulheta, a carta, a porta... Era demais para Homura e ela recuou. Madoka entrou e rapidamente fechou a porta.

“Eu sabia...” Homura sussurrou, enquanto fazia a sua ampulheta desaparecer e o tempo voltar a andar, “eu não posso parar você...”

“Você queria se livrar da carta, não é?”

“Não, isso é...” Homura deu as costas e soltou a carta. “Isso já é inútil.”

A carta caiu até os pés da Madoka. Ela podia ler que o remetente era de Tóquio.

“Eles me encontraram.”