Memento

Capitulação


O dia havia chegado, mas não o sol. Uma espessa serração cobria os morros, incluindo a mansão.

Homura só podia agradecer.

A conveniente cortina de umidade ocultou os seus passos até o seu esconderijo, longe dos olhares, dos julgamentos e canções acusadoras. Apenas as memórias para lhe atormentar em paz.

Os arbustos eram altos e bem cuidados, mas não tinham flores, nem o canto de pássaros e sons de insetos, não havia um símbolo de vida naquele labirinto do jardim. Homura fazia cada curva desejando se perder mais, ir mais fundo.

Pois havia um propósito a mais dessa vez.

Chegando a um ponto sem saída, ela parou e olhou envolta. Se sentindo segura para fazer isso, ela ergueu a voz, “Apareça! Eu sei que você está aí em algum lugar...”

Seu convite foi recebido pelo silêncio, mas ela se manteve onde estava. Ela repetiria o chamado se fosse necessário.

Não foi. Primeiro um sutil som de folhagens e então um vulto branco aterrissou na frente da garota. A criatura felpuda de olhos vermelhos se sentou na grama e balançou sua cauda. [Homura Akemi, em que posso ser útil?]

A garota esboçou uma expressão rancorosa.

Kyuubey abanou seu par de orelhas pequenas.

Ela então afirmou, “Você tem vigiado Madoka e eu, até mesmo aqui, Incubator.”

[Naturalmente. Eu estou sempre à disposição para o caso de Madoka Kaname querer a minha presença, ou você como agora. Aliás, nós continuamos a coletar sementes da aflição e devemos entregar para ela logo.]

Homura semicerrou o olhar. “E é apenas isso?”

[Se você me chamou para fazer insinuações...] Kyuubey se virou e preparou para pular sobre a parede de arbustos.

“Espere!” Ela estendeu a mão e abaixou o olhar. “Desculpe...”

[Eu não levei isso como uma ofensa, apenas que o nosso tempo pode ser mais produtivo.] A criatura se virou para ela e piscou os olhos. [Na verdade, eu estou intrigado agora, eu não esperava ouvir isso vindo de você.]

“É né...” Ela se sentou próxima de um dos arbustos e abraçou os joelhos.

Kyuubey se aproximou mais. [Eu tenho notado também que você tem ficado mais distante de Madoka.]

Ela olhou de relance para ele.

[Talvez tenha encontrado algo de errado nela e esteja considerando o que discutimos algum tempo atrás.]

“Nunca.”

[Hmmmm...] Kyuubey apontou a sua cauda para ela. [Então seria sobre estar aqui?]

Ela ergueu as sobrancelhas. “Por que pergunta? Você deve saber mais sobre eles do que eu.”

[Na época que você estava nos impedindo de fazer contrato com Madoka, nós chegamos a pesquisar as suas origens, mas não nos aprofundamos quando ficou claro que você era uma anomalia.]

“Por falar em pesquisa...” Homura fez uma pausa antes de perguntar, “Você está procurando por uma fonte alternativa de energia? Madoka lhe deu tempo para isso.”

Kyuubey assentiu. [O sistema de garotas mágicas é um dos frutos de nossa pesquisa de combate contra a entropia e nunca havíamos parado.]

“Não poderia apresentar algo? Uma prova de seu progresso.”

[É um trabalho de longo tempo. Acredito que Madoka compreende ou ela mesma já teria pedido.]

As palavras de Homura foram ácidas, “Talvez você esteja contando com a gentileza dela.”

Porém isso jamais seria o bastante para mudar a expressão de Kyuubey. [Isso é uma acusação?]

“Deixe-me ser mais explícita,” ela disse friamente, “você está usando esse tempo para tramar contra ela.”

[O que nós ganharíamos com isso?] A criatura ondulou seu outro par, de orelhas compridas.

“É óbvio! Voltar como era antes.”

[Nós não temos esse interesse. A nossa nova metodologia de contratos que eu já havia lhe explicado reflete isso.]

“Mentiroso...”

Kyuubey fechou os olhos. [Vejo que é necessário compartilhar outro motivo pelo qual estamos observando vocês.] E os reabriu, agora eles brilhavam intensamente.

Homura sentiu um ar ameaçador.

[Através do poder emanente de suas emoções, nós testemunhamos o universo inteiro ser retorcido, e até um ser extinto. Tal escala estava além de qualquer expectativa.]

“Então você nos vê como uma ameaça,” ela concluiu, ainda mais convencida, “mais um motivo para querer se livrar de nós.”

[Nós não vemos dessa forma. Diferente de você, Madoka Kaname tem se mostrado bastante razoável. Por isso, é um risco tolerável.]

“Risco... Hmmm...”

Kyuubey notou um sorriso se formando nela. [Homura?]

“Então...” A garota semicerrou o olhar. “Se houvesse um plano contra nós do qual você tivesse cem por cento de certeza de que ninguém, nem mesmo Madoka ou eu, pudesse descobrir de que você está por trás dele, você tentaria, não tentaria?”

Kyuubey inclinou a cabeça de lado. [Isso é muito específico.]

“Fufufufufu...”

[O que é isso? Por que está rindo?]

A face de Homura se contraiu. “... fufufuuuhh... uuuhhh...” E lágrimas começaram a cair. “... uuhh... fufu... uuhfuhufuuuhhhfufufu...”

[Agora está chorando, porém ainda está sorrindo. Isso seriam lágrimas de felicidade? Eu não entendo...]

“Você não mudou nada...” Ela abaixou cabeça, apoiando a testa em suas pernas recolhidas. Agora, escondida do mundo, seus dentes se rangeram mais do que nunca. “Isso... é tão... reconfortante...”

Kyuubey virou a cabeça. [Alguém está vindo.]

Imediatamente, ela arregalou os olhos. Homura se levantou e esfregou a face com as mangas. Respirando fundo, ela examinou as mãos, a pele parecia normal.

Passos na grama e então a figura de Ichiro emergiu na neblina.

Homura olhou para ele com toda a frieza que dispunha.

Isso não diminuiu o sorriso que ele carregava. “Já que você não estava em seu quarto, eu imaginei que estivesse aqui. Se lembra de quando eu encontrava você aqui chorando porque estava perdida?”

“Não era por causa disso que eu estava chorando,” ela respondeu monotonamente.

“Nós pretendíamos que era.”

Ela estremeceu e virou a cara. “O que você quer?”

“Eu falo em nome do nosso pai.” Ele assentiu. “Ele quer que você faça o ensino médio em Tóquio.”

Ela engoliu seco.

“Tendo em mente que isso é para preparar você para uma posição na companhia. Ainda não está definido qual, mas eu irei acompanhar seu condicionamento.”

“Por quê...” Ela fechou os olhos e balançou a cabeça. “Por que ele ofereceria isso para mim?”

“Porque ele tem medo de você.” Ichiro parou de sorrir. “De que você cometa um ato irreversível.”

Ela ficou parada, sem dizer nada.

Ele suspirou. “Você não tem para onde ir, o que guiava você se foi.”

Homura cerrou os punhos.

Ele notou, mas continuou, “você não pode mais seguir os passos da sua mãe, mas também não pode viver em um limbo. Você precisa fazer algo!”

Não havia reação.

Vê-la assim, com suas tranças e óculos de sempre, a neblina cobrindo o labirinto, era como uma foto envelhecida para Ichiro. No entanto, era hora de reconhecer que sua irmã era outra pessoa. “Se nosso pai teme é porque você foi ousada. Eu sinto mais aliviado em saber que você não vive como uma vítima.” Sem esperar por nada, ele deixou aquela foto para trás. “É de gente como você que nossa companhia precisa. Não precisa responder agora, você tem até o fim do ano letivo para isso...”

Homura ouviu os passos na grama ficarem distantes quando reabriu os olhos, com a voz dele em sua mente.

... Você precisa fazer algo...

[Ichiro Akemi.]

Ela olhou para a criatura que ainda estava ao lado dos seus pés.

[Eu diria que ele foi bastante racional. Agora você pode ter uma vida normal, como as outras peeeEEEEEHH!]

Ela o agarrou pelas suas grandes orelhas e o trouxe à altura de seu olhar descontente. “Eu não desejei isso.”

Kyuubey fechou os olhos e seu ‘focinho sorridente’ parecia zombá-la mais. [Você nunca irá aprender, não?]

Ela o arremessou. O corpo dele debateu-se e rodopiou enquanto sumia na neblina.

/人 ‿‿ 人\

Olhos abertos, de volta a este mundo, nas primeiras horas da tarde na mansão.

Não era por acaso, Madoka podia ouvir a melodia. Ela deixou a cama e o quarto. No corredor, ela parou na frente da porta fechada do quarto da Homura. Desde o almoço, ela não a tinha mais visto fora dali.

Ela deu um leve suspiro e continuou. Descendo a escadaria, ela podia ouvir mais claramente o som.

“Para onde está indo?”

E também pôde ouvir Chiharu, que entrou no hall de repente. Madoka cumprimentou com um sorriso, “Oi.”

A mulher assentiu, mantendo sua seriedade. “Eu perguntei para onde está indo.”

“Ah...” A garota deu de ombros. “Eu não sei ao certo.”

Chiharu franziu a testa.

Enquanto Madoka tirava seu smartphone do bolso. “Amanhã eu estarei voltando para Mitakihara.”

“Sim, você irá.”

A resposta um tanto seca da governanta fez Madoka pausar por um instante. “Então... Eu estava pensando em tirar mais algumas fotos da casa, a minha família não vai acreditar que estive em um lugar tão luxuoso. Eu poderia tirar mais algumas de você também.”

“Eu agradeço a oferta, mas estou ocupada.”

Era uma recusa, mas a voz da mulher havia ficado menos tensa. Madoka sorriu mais. “Bem, se você mudar de idéia...”

“Sim, com licença.” Chiharu fixou o seu olhar em direção a garota uma última vez antes de se ausentar do recinto.

Madoka esperou a porta se fechar para começar a tirar fotos das pinturas, estátuas e outras decorações, enquanto entrava no corredor, seguindo a música.

Então guardou o smartphone.

Diante da porta da biblioteca, Madoka novamente ergueu a cabeça, sentindo a melancolia escondida nas notas. Enquanto isso, sua sombra cresceu e rastejou até a maçaneta. Seu pescoço teve espasmos enquanto a sua expressão entrara em um transe.

Fazendo barulho algum, a porta abriu-se um pouco e a música ficou mais alta. Ela se recompôs e olhou pela abertura.

Como quase sempre, Hiroshi estava sentado na poltrona de fronte ao altar da esposa, com um copo na mão.

Agora poderia ser uma questão de tempo, mas Madoka não podia esperar. Um leve toque e a porta rangeu.

Hiroshi rapidamente virou a cabeça.

Certa de que havia sido vista, Madoka recuou e se apressou para sair.

“Espere.”

Ela parou, com um sorriso sutil, um que ela não mostraria quando se virou.

Hiroshi havia aberto a porta enquanto gesticulava. “Venha aqui.”

Ela segurou as mãos sobre o peito e baixou a cabeça.

“Não se acanhe.” Hiroshi mostrou um sorriso torto. “Vem, eu quero apresentá-la para alguém.”

Com passos hesitantes a princípio, Madoka foi até ele e entrou na biblioteca. “Desculpe...”

“Ah, não precisa.”

Ela viu o velho homem sorridente checar a tranca da porta, que estava em perfeita condições.

Ele girou a chave duas vezes e a colocou no bolso. “A culpa na verdade minha. Eu já deveria ter tido uma devida conversa contigo para evitar quaisquer impressões equivocadas. Vamos sentar.”

Ela observou ele aproximar das poltronas em passos cambaleantes, sua pele estava ruborizada e seu suor cheirava a álcool.

Hiroshi desabou na poltrona, pondo a mão na testa. “Ahhh... Perdoe-me por não poder oferecer uma bebida para a sua idade.”

Ela sentou em outra. “Eu não estou com sede.”

“Que voz educada.” Ele olhou para ela. “Heheheee... hehe...”

Madoka sorriu de forma comedida enquanto mantinha as suas mãos sobre as suas pernas fechadas.

O homem continuou sorrindo até que ergueu as sobrancelhas e abriu a boca, prestes a dizer algo, e permaneceu assim por alguns segundos e então balançou a cabeça. “Oh... Onde estão os meus modos?” Ele pegou o copo com uísque e gelo, brindando para a mulher no retrato. “Ai, essa é Madoka Kaname, amiga da nossa filha que retornou para nós!”

“Sua esposa é bonita,” Madoka comentou.

“Essa imagem não faz jus a quem ela era.” Ele deu um sorrisinho e tomou um trago, rangendo os dentes depois. “Ahhh...”

Madoka continuou, “Eu ouvi de Chiharu-san que ela era uma bailarina, uma grande dançarina.”

“Sim, siiimmmm...” Ainda com o copo, Hiroshi se levantou e esticou o braço, como se estivesse dançando com alguém. “Nós dançávamos aqui.”

Madoka ouviu o homem cantarolar, seguindo a música que saía do gramofone.

“Eu era um homem de sorte...” Hiroshi voltou a desabar na poltrona. “Por ela ser a mãe dos meus filhos...”

A tristeza traía a afirmação dele. Madoka falou, “Você é.”

“Ichiro e Udo... Nós não podíamos estar mais felizes, mas ela queria uma filha.” Ele derramou mais bebida em seu copo. “Por que eu a negaria? Porém durante a gravidez os exames apontaram que a pressão do sangue dela estava muito alta. Os médicos disseram que era por causa da idade dela e recomendaram o aborto.” Ele balançou a cabeça. “Ai nunca aceitaria, ela sempre lutou até o fim.”

Madoka fechou os olhos e assentiu.

“Aos seis meses de gestação ela teve um derrame fulminante. Eu estava no trabalho quando soube que eles estavam no hospital, tirando a nossa filha do ventre da minha esposa morta.” Ele bebeu e mastigou um cubo de gelo, suspirando. “Homura nasceu quase morta e a colocaram na incubadora com poucas chances de sobrevida. Foram meses, mas como a brasa que reacende, ela conseguiu.”

“Foram anos muitos difíceis.”

“Ah...” Ele respondeu ao comentário dela, “os médicos me avisaram somente sobre as possíveis seqüelas físicas, eu deveria saber. Homura... ela... soube cedo demais sobre o contexto da morte da mãe. Eu precisei enviar ela para uma escola, longe de qualquer coisa que pudesse lembrá-la disso. Tinha sido a coisa certa a se fazer.”

“Você se refere ao balé?”

Hiroshi olhou para garota. Mesmo para sua mente inebriada, aquela pergunta havia soado retórica. “Homura se interessou por isso. Todos estavam amadurecendo e as coisas estavam ficando melhores.”

Madoka sorriu. “Inclusive seu relacionamento com ela?”

Agora parecia impertinente, Hiroshi sentiu-se incomodado com aquilo ou com o silêncio, o disco no gramofone havia chegado ao fim. “Sim, sim, tudo estava melhor...” Ele se levantou impaciente e foi até o aparato. “Até ela fazer aquele maldito teste para entrar em uma real escola de balé. Eles descobriram um defeito no coração, provavelmente de nascença, e ela poderia ter uma morte súbita se o corpo dela crescesse mais. Ela precisou fazer uma cirurgia e nunca mais poderia ser uma bailarina.”

A música voltou a preencher o ambiente, enquanto Madoka concluía, “Por isso que a enviou para Mitakihara.”

Hiroshi se virou para ela, enquanto começou a ter uma dor de cabeça. Ele não estava bebendo o bastante. “Você continua com a idéia errada. Eu não a abandonei lá, Ai jamais me perdoaria.”

Madoka continuou olhando para ele.

Para esconder uma expressão de dor, Hiroshi sorriu e retornou a poltrona. “Você deve pensar que eu fico aqui todos os dias. Acha que a companhia teria sobrevivido se fosse liderada por um homem assim?”

“Mas você pretende isso.”

Ele franziu as sobrancelhas.

Madoka explicou, “Eu vi Ichiro-san muito ocupado nesses dias. Ele tem poupado você dos assuntos da empresa.”

“Tenha mais cuidado com essas declarações francas.” Hiroshi voltou sua atenção à bebida. “É bom para ele, já era hora para isso.”

“Eu fico preocupado contigo.”

“Eu sou velho.” Ele olhou para retrato da sua esposa. “Quando você tiver a minha idade vai entender que não resta muito pelo que viver, só ecos do passado.”

“E é assim que sua filha está vendo o senhor,” Madoka afirmou.

Ele respondeu prontamente, “Ela não se importa.”

“E você?”

Hiroshi esfregou a face. Não precisava de uma mente afiada, qualquer visitante convivendo com eles por alguns dias chegaria a essa conclusão. “Veja... Eu dei de presente para minha filha uma boneca na época que ela estava fazendo balé. Ela deu ao brinquedo o nome da mãe dela. Isso me gerou um desconforto, mas eu deixei passar...” Tomou um gole e suspirou. “Ela conversava com a boneca e a levava para quase todos os lugares. Chiharu-san dizia que era normal e a deixava feliz. Era o que eu queria.” Então ele esfregou o copo gelado em sua testa. “Mas quando chegou o dia em que eu tive que falar sobre fazer cirurgia, ela recusou, pois havia feito uma promessa para a boneca. A distância entre nós não tinha diminuído nem pouco. Aquela boneca era a família dela.”

Madoka o viu livrar do copo de uma vez.

“Então eu a queimei. Até a cera derreter, até as articulações racharem e ficar irreconhecível. E Homura foi para Mitakihara, sendo que ela não queria mais me ver ou falar comigo. Eu aceitei e assim foi até dias atrás, quando me encontrei com alguém que não conheço mais... Eu só posso pensar que ela deve ter evitado em se matricular em Shirome porque lembrava a sua antiga escola e o balé.” Ele bufou. “O que eu deveria fazer? O que ela estava fazendo não era saudável, mas...” Então puxou o seu cabelo branco para trás com ambas as mãos. “Eu só queria que ela me chamasse de pai. Eu não acho que fui o pior pai, mas ela precisava de um cuidado especial e eu falhei. Ela perdeu a família, duas vezes, e sou responsável por isso.”

“Não seja tão duro consigo mesmo,” Madoka disse, balançando a cabeça calmamente, “ela ainda tem uma família e você conversar sobre isso comigo é um passo.”

“Eu fui honesto, não é? Isso é incomum de minha parte...” Hiroshi olhou de relance para ela. “Você é madura para a sua idade, embora ousada demais às vezes, seus pais lhe educaram bem. Sinto-me patético agora por não estar sóbrio.”

“Ah...” Madoka esfregou o pescoço. “Eu estou acostumada com isso lá na minha casa.”

“É verdade?” O homem ergueu, como se estivesse segurando um copo invisível. “Eu saúdo o seu pai.”

A garota baixou a cabeça, fechou os olhos e abriu um sorriso.

Enquanto isso, entre alguns livros da estante havia uma salamandra roxa com os olhos bem abertos. Ela tinha visto o suficiente e adentrou em uma fresta na parede.

Era um caminho escuro, cheio de canos e fiações elétricas antigas, cobertos de poeira e teias de aranha. A criatura se sentia em casa nesse intricado labirinto, escalando os andares sem dificuldade.

Ela finalmente chegou ao quarto onde Homura, catatônica, olhava para o seu reflexo no espelho do armário. O réptil subiu as pernas da garota, seu torso, ombro, pescoço, até alcançar o ouvido por onde se enfiou.

Homura teve um espasmo e exalou. Seus olhos voltaram a vida, enquanto a sua expressão era de pura fúria. “Eu sei o que ela está fazendo! Como fui tola...” Ela olhou envolta.

No quarto estavam as suas criança a encarando com os seus olhos de vidro.

Ela retornou a olhar para o espelho, esperando que sua própria imagem desse uma resposta. “Mas por quê... Ela sabe que o que ela está me pedindo é um absurdo, é impossível! Eu não farei isso!”

O reflexo dela começou a mover os lábios.

“Você deve confrontá-la.”

Homura olhou para Ibari.

A boneca pôs a mão na cintura. “Ela está te abusando agora que você não é nada mais que um estorvo. Defenda a sua dignidade!”

“Que dignidade?!” Homura vociferou.

No espelho, os lábios continuavam com um movimento sutil.

“Isso mesmo! Você sempre será uma inútil.” Warukuchi cobriu sua risadinha com a mão de cera. “Mas como quer uma resposta dela? Ela está astuta demais agora.”

“Uma resposta...” Com um semblante melancólico, Homura ponderou. “Se eu perguntasse à ela, ela diria, e eu confiaria em sua voz. Contudo, isso me satisfaria?”

“Você desejou protegê-la! Você a ama! Não po-” Manuke não conseguiu terminar a frase, sendo segurada por Nekura e Ganko.

“Não...” Ela pressionou os lábios. “Eu já fui contra a vontade de Madoka uma vez, eu não tenho coragem para fazer de novo. Eu não vejo uma forma.”

Em um tom de desprezo, Reiketsu cruzou os braços. “Você pensa demais, sempre inventando regras como desculpas para continuar inepta.”

Aquilo foi como um lampejo para a garota. “Isso é...” Ela olhou para o espelho.

Estava agora com um vestido negro de funeral.

“Eu estou procurando uma solução onde não há uma sequer.” Ela olhou para os seus braços. “Mesmo assim, eu irei desafiar o destino que me impuseram.”

Sua pele rapidamente apodreceu, escurecendo e rasgando-se. Como vermes, fios costuraram os retalhos de couro.

Eu devo destruir a razão, sentimentos...

Sua boca foi amordaçada pelo couro e costurada. Yakimochi trouxe chapéu com um disco de vinil como aba e pôs em sua mestra, enquanto Mie arrumava as tranças de cabelo branco.

... só assim, diante dela eu não hesitarei.

E Higami também tinha algo a oferecer, uma máscara branca com nariz pontudo. Quando este cobriu a sua face, Homura não podia mais ver o futuro.

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