Medo Bobo

Aquela loira - amor à primeira vista


Tudo começou naquele dia. Meu primeiro dia de aula no ensino médio. A primeira vez na vida que eu andava de ônibus municipal. Eu me lembro bem. Era um lindo dia ensolarado, porém frio. Os raios de sol entravam pelas janelas e esquentavam minha pele que sentia a falta daquele casaco a mais que eu deveria ter colocado.

Dois pontos depois de eu ter embarcado, lá do fundo daquele ônibus, eu a vi. Subindo as escadas, toda atrapalhada. Encantadoramente atrapalhada. Aquela linda moça, dona de longos cabelos dourados como ouro e olhos verdes como esmeraldas. Tão linda. Eu me encantei, me encantei por tudo nela. Aquelas maçãs do rosto um pouco mais avantajadas, cobertas com um blush bem básico. Ela usava maquiagem, mas bem simples, apenas pó, rímel e o blush que já citei. Na boca não tinha nada, aqueles lindos e finos lábios rosados pareciam estar em sua cor natural, sem batom. Não cheguei tão perto dela, mas observei detalhadamente cada traço que pude e guardei em minha memória. Ela usava óculos de grau com armação wayfarer preta. Só a deixava mais linda. No corpo tinha uma calça jeans bem azul, cintura alta e bem justa destacando os músculos definidos de suas coxas e panturrilhas. Me enlouquecendo. A calça dobrava onde se encontrava com as botas de cano baixo num tom caramelo e com um salto baixo, de no máximo dois centímetros. Era o mesmo tom que estava presente no cinto que ela usava na cintura. Também usava uma blusa branca básica, aparentemente o uniforme da escola em que estudava. Não consegui identificar o brasão, já que estava coberto por um jaqueta de couro vermelha, a impedindo que passasse frio. Ela ainda carregava consigo uma mochila com a alça apoiada em apenas um dos ombros, colorida e cheia de chaveiros de macacos. Cada macaco era de uma das diferentes cores que apareciam estampadas na mochila.

Calmamente, ela seguiu até o centro do veículo em que estava e sentou-se no único banco disponível que encontrou. Ah se ela tivesse visto que o assento ao meu lado, um pouco mais atrás, estava livre. Ela subiu na estrada geral e desceu quando paramos no terminal. Uma pena eu ter que continuar naquele ônibus, queria ir atrás dela, saber o que faria, aonde iria. Ver ela sair por aquela porta sem que eu tivesse dito sequer um “oi” quase acabou comigo.

No dia seguinte eu estava na “bad”. Minha a cabeça estava apoiada na janela do ônibus que vibrava com o motor ligado. Eu escutava músicas calmas, aquelas com letras lindas e melodias mais lindas ainda que fazem qualquer um chorar mesmo que não entenda uma única palavra. Mas eu entendia todas elas, isso me deixava mais na “bad” ainda. Era proposital. Quem nunca fez isso?

Saber que tinha perdido a chance de falar com aquela garota acabou comigo. Eu me arrependeria eternamente por não falar com o possível amor da minha vida que também era minha primeira paixão. Nunca antes eu tinha sentido algo parecido por alguém. Já tive “crushs”, mas eram pessoas que eu achava bonitas e gostaria de “ficar” com. Agora ela, ela não era apenas a garota mais linda que eu já tinha visto em toda a minha vida, mas também me trazia paz. Aquela garota, ela me trazia paz. Nunca nem falei com ela, porém sentir sua presença perto de mim me trouxe uma imensa sensação de alegria. Então, eu guardava um sentimento de decepção comigo por não ter tentado, por ter sido covarde. Mas imagine o enorme sorriso que se abriu em minha face ao avistar que, novamente, ela sinalizava para que o ônibus parasse para que ela subisse.

Dessa vez encontrei um problema diferente. Estava sentada mais a frente, porém havia uma senhora sentada ao meu lado e ela estava dormindo. Novamente não consegui falar com a garota. Ela foi até o final do corredor do veículo e lá encontrou um assento vago. Minutos depois, ela desceu no terminal e eu segui meu caminho para a escola sem deixar, por nem um segundo, de pensar nela.

Isso passou a se repetir todos os dias, de segunda a sexta. Ela embarcava no ponto da estrada geral e descia no terminal. Naquela primeira semana eu não consegui ter contato com ela. Sempre tinha alguma coisa que atrapalhava meu caminho até a garota.

Geralmente, o número limitado de assentos era uma das razões que nos afastava. Ela sempre procurava assentos livres, os próximos a mim estavam sempre ocupados. Por mais que eu procurasse sentar onde tinha uma concentração menor de pessoas, parecia que estranhos brotavam nos lugares livres quando ela entrava no ônibus. Então, na segunda-feira seguinte, por um milagre do destino, o assento ao meu lado ficou vazio. Eu fiquei tão feliz, tão animada. Há dias eu vinha planejando o que iria falar quando isso acontecesse. Mas quando aconteceu, eu não disse nada. Ela se sentou ao meu lado e eu só consegui ficar olhando pra ela, tentando tomar coragem pra dizer algo, mas eu abria a boca e nada saía. Então, quando finalmente tomei coragem para falar, ela não estava mais ali. E eu nem percebi que já estávamos no terminal, ela já tinha descido e eu, idiota, trouxa, não tinha dito nada

Na terça-feira, novamente, como era de se esperar, eu estava na “bad”. Me sentei mais atrás. Como no dia anterior, o assento ao meu lado estava vazio. Aparentemente, ela viu o lugar vago, mas preferiu ficar de pé próximo à porta de saída do veículo. Eu queria entender o porquê.

Na quarta-feira eu me sentei logo atrás da porta de saída, e desculpem-me aqueles que quiseram sentar naquele lugar, mas eu coloquei minha mochila no banco ao lado para que ninguém se sentasse ali e ela tivesse a oportunidade de o fazer. Chegando ao ponto em que ela subia, eu tirei a mochila do assento, liberando o espaço para que ela pudesse se sentar. Mas ela não apareceu.

Na quinta-feira eu me sentei em um banco solitário, aquele diferentão, amarelo, reservado para pessoas com necessidades especiais. Não havia ninguém nessas condições, então não tinha problema. Dessa vez pude ver ela sentada no ponto de ônibus, ao seu lado, um garoto sinalizava para o motorista parasse. Ela sorriu, como forma de agradecimento e então pegou o par de muletas, que estava ao seu lado, se dirigiu até o transporte, subiu as escadas com dificuldade levando um tempo maior do que normalmente. Eu estava curiosa, queria saber o que tinha acontecido. Além das muletas, ela usava uma bota preta em um dos pés, daquelas que se usa para substituir o gesso. E a armação de seus óculos estava “remendada”. Colada com uma fita bem no meio. Estaria isso relacionado à falta de ontem? Bom, eu podia perguntar, podia finalmente falar com ela. Era a chance perfeita. Os outros passageiros pareciam não se importar muito e eu estava no lugar perfeito, porque agora ela tinha uma necessidade especial. Então eu me levantei, peguei minha mochila e, apontando para o lugar vazio, disse:

— Pode se sentar aqui

— Obrigada - ela sorriu em agradecimento, como tinha feito pouco tempo antes com o garoto que sinalizou. Ela tinha uma linda voz. Tão angelical, tão doce, tão linda. Ela tinha um lindo sorriso, tão tímido, mas tão sincero. Eu achei que não era possível, mas me apaixonei mais ainda por ela. Sim, a essa hora eu já admitia que era paixão. Bom, na verdade eu sempre soube.

Ela se sentou e apoiou as muletas ao seu lado. Eu poderia ter perguntado o que tinha acontecido, poderia ter puxado um assunto naquele momento. Era a minha chance. Mas eu congelei, congelei no tempo da minha mente e me perdi em meus pensamentos, admirando aquela garota linda que estava ali sentada tão próxima de mim. Quando me dei por mim, já estávamos no terminal. Fiz questão de ajudá-la a descer. Ofereci minha mão para que ela se levantasse com mais facilidade. Novamente ela agradeceu e abriu aquele lindo sorriso tímido. Eu poderia ter descido também e ajudado-a a carregar sua mochila e a andar até se acomodar no próximo ônibus que pegaria, mas eu não poderia arriscar perder o meu ônibus. Ele parava bem rápido e logo saía, descer seria um grandíssimo erro. Eu chegaria atrasada e isso chegaria até os ouvidos de meus pais. Não viria uma reação boa pelo lado deles, afinal, como eu iria explicar que parei pra ajudar uma completa estranha por quem me apaixonei? Complicado. Então ajudei como pude. Todos os dias durante um mês, eu cedi meu lugar pra ela, eu ajudei a carregar seus materiais e a descer do ônibus. Sempre recebendo aquele lindo sorriso e um doce “obrigada” como recompensa. Não poderia ser melhor. Bom, poderia. Bastava criar coragem para trocar outras palavras com ela. O que era muito difícil pra mim.

Então, numa quarta-feira fria e chuvosa, ela entrou com dificuldade no transporte. Como sempre, eu a ajudei. Ela usava apenas a blusa de mangas curtas do uniforme. O comprimento da manga deixava seus braços à mostra. Ela tinha lindos braços que, assim como as pernas, tinham músculos bem definidos. Em seu rosto,ela usava a nova armação de seus óculos, já estava usando-a fazia um tempo. Era exatamente igual a anterior. Mas, por algum motivo inexplicável, essa destacava o lindo verde de seus olhos. Não preciso dizer que amei. Eu vestia um sobretudo de lã batida, preto. Estava confortável com a temperatura em que me encontrava. Mas percebi que ela não. Pude observar seus pelos arrepiados. Depois de sentada, ela cruzou os braços e começou deslizar as mãos por seus bíceps, pra cima e pra baixo, rápido, na tentativa de esquentá-los. Ofereci meu casaco a ela, de início recusou, mas eu lancei um olhar de quem diz “você precisa mais do que eu”. Ela entendeu e se rendeu. Levou o casaco consigo quando desceu no terminal.

Nos dois dias seguintes, eu não fui à aula. Peguei um resfriado por ter andado na chuva e no frio sem casaco. Foi por uma boa causa. Odiei ficar doente, mas faria de novo. A satisfação em fazer aquilo por ela era maior do que o ódio por ter que ficar de cama e sem vê-la, assim sabia que eu estava mal ao invés dela, que provavelmente estava bem, ou pelo menos, bem melhor do que eu.

Na segunda-feira foi, novamente, a vez dela de não aparecer. Eu esperei ansiosamente por ela, mas a loira não compareceu. Porém, no dia seguinte, lá estava inteira novamente. Acenando para que o ônibus parasse, sem muletas e sem bota. Usava um rabo de cavalo alto que passava por cima de seu ombro e chegava na altura da cintura. Foi a primeira vez que a vi com os fios de cabelo completamente presos. Já tinha usado meio rabo, mas nunca prendido tudo em minha presença. Estava linda como nunca. Era linda de cabelos soltos, eles eram brilhosos e sedosos. Eu imaginava estar assistindo um comercial de shampoo sempre que o vento entrava pelas janelas e balançava seus longos fios dourados. Mas o cabelo preso me permitia ter uma melhor vista dos traços angelicais de seu rosto. Ela me viu, abriu um lindo sorriso e seguiu em minha direção ao perceber que o assento ao meu lado estava vago. Vestia a mesma jaqueta de couro vermelha que usou no primeiro dia em que a vi. Trazia em seus braços um grande casaco preto. Me entregou assim que se sentou.

— Oi - ela disse animada - muito obrigada por me emprestar seu casaco, você não sabe o como me ajudou - só aí me dei conta de que era meu sobretudo, eu nem lembrava dele - eu lavei pra você, estava encharcado e todo sujo. Obrigada mesmo! - abri um sorriso; ela estava falando comigo, espontaneamente

— Por nada, foi um prazer! - sorri

— Eu trouxe na sexta-feira, mas assim como na quinta, você não apareceu. Por que não apareceu?

— Eu peguei um resfriado

— Ah meu Deus! Me desculpa, você me deu seu casaco e ficou sem nada

— Não me agradeça. Fico feliz em ter evitado que você adoecesse.

— E então adoeceu para que isso não acontecesse comigo? Quem faz isso?

— Ué, eu faço.

— Eu nem sei seu nome, você nem sabe meu nome. Mas mesmo assim, você me ajudou todos os dias e ainda se “sacrificou” por mim. Eu não sei porque você fez isso, mas obrigada, muito obrigada - fez-se um silêncio enquanto eu sorria pra ela, ainda não acreditando no que estava acontecendo - a propósito, meu nome é Emma, Emma Swan - eu comecei a viajar, pensando no quão lindo era aquele nome “Emma”, soava tão bem. Eu simplesmente não respondi, então ela teve que me chamar para a realidade - ei!

— Oi? - falei confusa

— E você, qual seu nome? - perguntou entusiasmada

— Ah sim, desculpa - ela sorriu tímida, provavelmente percebeu que me perdi nos pensamentos. Deve ter percebido que esses pensamentos se voltavam à ela - É um prazer Emma, que nome lindo o seu! - sorriu novamente, dessa vez suas bochechas coraram. - Regina Mills. Meu nome é Regina Mills,

E naquele momento, vendo aquele sorriso se abrindo pra mim, todo aquele frio na barriga que eu sentia quando tentava falar com ela passou. Foi o fim daquele medo bobo.