O taxista disse algo num ritmo acelerado e incompreensível.Gente pobre era assim, não sabia falar direito, esforcei-me para não sorrir ironicamente. Era verdade.

–Desculpe? – Concentrei-me na fala do homem, iria precisar traduzi-la.

– Cinqüenta e sete reais e vinte e cinco centavos.

Uau! Tínhamos ido longe, mas não importava, aliás, o que realmente importava? Nada. Belisquei o braço de minha prima para que ela pagasse o motorista, queria sair logo daquele carro imundo. Ela entregou a ele duas notas, uma de cinqüenta e outra de dez reais.

– Não precisa de troco - Disse ela gentilmente.

Ela tinha esse dom, um sorriso fofo e uma voz gentil, era bondosa com todos, diferente de mim,que costumava ser grossa e irônica. Talvez por isso gostassem mais de mim, realmente, o ser humano era muito estúpido. Olhei de leve para ela, os cabelos louro e bem penteados caiam de leve sobre o vestido, rosa é claro. Uma lembrança veio em minha mente. Dez anos atrás você era assim, exatamente como ela. Mas isso mudara, pra melhor. Olhei para mim mesma, o destaque da roupa preta eram os buracos que eu havia feito na meia-calça, mudara para muito melhor.

–Muito obrigado

Abri a porta em um movimento rápido, precisava de ar, o carro fedia. Sai andando pelo meio da rua lotada, ignorando completamente a presença da minha prima, ou do taxi, que acabara de partir. Concentrei-me no som,havia algo estranho,minha audição já estava bem danificada por causa do rock pesado nos fones de ouvido,mas não importava.

– Espere por mim! – Lá vinha a prima...

– Você ás vezes me irrita sabia?

– Pelo menos não saio correndo na rua igual uma psicopata.

– Ah, Fernanda, vai tomar no cu então.

– Grossa.

– Tanto faz, vamos logo.

– Aonde, Gabi? Vamos aonde? Nem temos pra onde ir.

– Verdade, que bosta!

– Qual é o seu problema? Não consegue formular uma frase sem um palavrão?

– Não. Olha uma balada, chama Floid, fui com a cara, vamos lá?

– Como vamos lá? Tá louca?

– Não mais que o normal.

Os saltos da bota preta batiam no chão conforme andava, como isso me irritava, aliás, tudo me irritava. Precisava beber, era melhor aquela balada ser boa. A partir do momento em que entrei na boate, o som estranho tinha ido embora, e nada mais importava.

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Marcos Carvalho achava que estava com sorte, depois de fazer uma longa corrida com duas garotas, ainda faturara uma gorjeta. Graças à de rosa. Lembrou-se de quando a primeira entrou no carro, ficou com medo que ela não o pagasse, porém, quando a de rosa surgiu,ficou mais calmo. Ouvira a morena conversando no telefone celular, ela tinha muitos amigos, suas ironias não a impediram de ser amada. Talvez se ele tivesse sido irônico, não estaria aqui agora. Mas ela era uma garota interessante, mais interessante que a de rosa. Refletiu um pouco, antes de partir podia jurar que a garota dera um rápido sorriso irônico, a curiosidade o fazia perguntar o que ela havia pensado.

Suas reflexões foram interrompidas por um homem chamando o taxi, hoje era mesmo seu dia, mais uma corrida antes de voltar pra casa. O homem cumprimentou-o.

– Parece que você deu azar.

–Que?

– Encoste lá, por favor.

– Claro. - Marcos estava ficando assustado, mas logo relaxou os pensamentos, uma corrida curta, esse era seu azar.

–Deu azar, sim. - Disse o homem, enfiando uma faca sobre seu coração.