Deve ter demorado bem mais de uma ou duas horas até que todos os lordes, ladies e cavaleiros fossem consagrados. O número de pessoas a serem condecorados, por si só, já seria bem grande se fossem honrar apenas os homens, mas, como essa nova-velha ordem de cavalaria não tinha questões de gênero — nem religiosas, pois até os adoradores dos deuses antigos e os povos estrangeiros que vieram através do Mar Estreito — o número deve ter triplicado ou quadruplicado. Por sorte, além das duas Manderlys, Sansa, Jon e Daenerys também ajudaram a consagrar as pessoas do salão nessa nova-velha ordem da cavalaria.

O interessante era que Stannis não. Ele não fez parte daquilo, assim como a maioria de seus lordes. Era óbvio para todos olhos que aquilo era só mais um sinal da decadência daquele Rei: seu exército — seu real exército, que realmente o via como líder e salvador, não apenas os soldados que o seguiam apenas porque Jon ou Daenerys lhe diziam para o fazer — era pequeno, cansado e muitos haviam desistido da ideia de que ele era um salvador.

Na verdade, tudo aquilo que estava acontecendo era apenas Stannis vendo a própria queda: Jon, seu dito “irmão monarca”, estava para casa-se com Daenerys, que proclamava ser a herdeira do Trono de Ferro — o mesmo trono que Stannis dizia ser seu por direito. Seja qual fosse a ameaça que eles fossem enfrentar — Margaery deduzira que era Aegon VI, afinal, apenas ele restava como inimigo de ambas as facções —, quando essa fosse derrotada, Stannis estaria ainda mais fraco e sem aliados para lutar.

Toda aquela situação era quase como se aquele homem estivesse assistindo a própria morte.

Margaery não sentia um pingo de pena por aquele homem. Stannis matara Renly, o grande amor da vida de Loras. E, graças a perda daquele monarca, o pai de Margaery acabou por se aliar aos Lannisters, fazendo a vida de Margaery e a de sua família virar um inferno.

Stannis logo estava para cair, isso era óbvio. Entretanto, Daenerys não. Na verdade, ela parecia prestes a ganhar a vingança contra seus inimigos no sul.

Não é justo, pensou, amarga. Daenerys havia matado a família de Margaery, havia entregado de bandeja as terras da Campina para os Dorneses, trouxe uma praga, aprisionara Margaery, matara os Nortenhos… Como pode ser que ela simplesmente acabasse casada com o Rei cujo povo ela queimou e deu de comer para o seu dragão? Ela, que tanto trouxe mal, seria a vitoriosa no final?

Poucas coisas haviam enojado mais Margaery do que ter visto Daenerys prendendo um manto branco a neve nos ombros de um dos soldados que havia escoltado Margaery até Harrenhal. O homem usava uma armadura de escamas brancas também.

— Hoje, eu nomeio Sor Tumco Lho como o mais novo membro da minha Guarda Real — disse a Rainha, sorrindo, segurando as mãos do soldado. — Sor Barristan o nomeou cavaleiro após você lutar ao seu lado na batalha de Meereen, e, desde então, Sor, você esteve do lado de sua rainha.

O jovem homem anuiu.

— Eu não pude salvar Sor Barristan — ele falava a língua comum de Westeros de forma quase perfeita —, mas seguirei minha rainha até o fim.

Daenerys anuiu e ordenou, de forma gentil, que Sor Tumco colocasse ao lado dela, o que ele foi rápido em fazer.

Margaery teve horror a cena. Horror ao desrespeito dessa tirana para com as honrarias da cavalaria. Era aquilo que Daenerys realmente era: uma monstra que ia destruir a ordem das coisas. Seria tolice acreditar que colocar ela no trono de ferro: o sul inteiro a odiava, os aliados de Jon a odiavam, a fé a odiava. Daenerys era realmente tão cega a verdade? Ela nunca seria aceita.

Mas que poderia fazer contra? Estava de mãos atadas, sem poder, sem aliados, sem qualquer tipo de poder para impedir que a Rainha Dragão fizesse o que quisesse.

Quando (FINALMENTE!) as honrarias acabaram, todos foram dispensados para voltar a seus aposentos, para se arrumarem para o casamento entre o Rei do Norte e a Rainha dos Sete Reinos.

— Vamos — Daenerys ordenou ao seu séquito, secamente.

Margaery assentiu e, antes de seguir a rainha, olhou de relance para Sansa. Notou que ela ouvia algo que o Esfinge estava cochichando em seu ouvido.

Tem algo familiar nele, pensou, andando dois passos atrás de Daenerys. Havia algo naquele belo rapagão, e não era apenas a inteligência. O que ele tem que faz Sansa o deixar perto de si, mesmo quando todos estão vendo? Era de se esperar que ela fosse mais prudente do que a irmã.

Os aposentos de Daenerys eram na Torre da Viúva. Uma ponte conectava a torre com a torre da Pira do Rei, onde Jon Stark se encontrava.

Os aposentos eram imensos! Perfeitos para os gigantes que vieram Além-Muralha! O teto ficava tão longe, mas tão longe do chão, que Margaery se sentia minúscula. Nenhum castelo tinha aposentos grandes como aquele — o único que talvez fosse assim seria Rochedo Casterly, mas ela nunca entrara no castelo para ter um vislumbre de seus aposentos.

Os aposentos eram tão imensos, que foram necessárias diversas tochas e velas para iluminar o ambiente negrume. Algumas velas eram de sebo, outras, eram juncos, queimando em tigelas de madeira grosseira, banhados em gordura — não que devessem haver muitos

Daenerys, após ver que todo o seu séquito estava com ela, e que a porta estava fechada, virou-se para Sor Jorah. Um homem feio, velho, acabado, que não combinava com a elegante armadura de escamas brancas que envergava.

— Aquela princesa Stark me deixa nos nervos — ralhou a rainha. — Ela realmente acredita que pode me ameaçar?

Sor Jorah olhou de esguelha para Margaery, que ouvia tudo, mas nada dizia.

— Khaleesi…

Daenerys gesticulou com a mão, abanando o ar, mostrando que ele não devia se preocupar.

— Ora, relaxe, tenho total confiança em Margaery — garantiu ela.

Tem confiança de que seja sua espiã sem saber, corrigiu Margaery. Daenerys já esteve em cortes antes; sabia muito bem que não podia ser tola em falar o que pensava para qualquer um o mais provável, era que, caso Margaery contasse algo para a princesa Stark, só falasse o que Daenerys quisesse que contasse.

— Dúvido que ela vá tentar escapar de novo — continuou a tentar falar. Olhou de forma dura para a Tyrell. — Viu que não pode escapar de mim.

Margaery apenas assentiu, tentando esconder o nervosismo que sentia.

— Nunca mais farei nada contra Vossa Graça — prometeu, e quase pode sentir o gosto de bílis na boca.

Daenerys sorriu com um tanto de escárnio.

— Sim. Garanto que sim. — O sorriso morreu e ela voltou a olhar para Sor Jorah. — De todo o modo, não creio que Sansa possa me fazer algo; seu irmão está do meu lado.

— E como pode confiar nele? — indagou Sor Jorah. Para a surpresa de Margaery, ele havia deixado o tom hesitante de lado e adotado um timbre raivoso e exacerbado.

Daenerys também pareceu notar o tom de seu guarda da rainha e inspirou, parecendo cansada.

— Sei bem as vossas opiniões sobre todos os homens que me cercam, Sor. Por isso, não estou disposta a ouvir vossas extensas e repetitivas reclamações habituais. — O tom de sua voz era calmo, mas gélido.

Sor Jorah enrubesceu, deixando mais amostra a feia e desgastada tatuagem negra em forma de um demônio que tinha sua bochecha. A forma estava baça, mas a tinta preta ganhou um bom contraste com o vermelho das bochechas.

— Sim, Vossa Graça — aquiesceu.

— Jon irá acalmar a loba selvagem que existe naquela falsa polidez de sua irmã. Até lá, teremos de tentar suportá-la; pelo menos até que ela possa voltar ao Norte.

Por que raios deixaram o Norte? Isso era algo que Margaery ainda não havia conseguido entender. O Vale podia ser um reino atacado — não era um bom motivo para largar os castelos e mansões para os selvagens —, mas o Norte era um reino imenso, mesmo que não totalmente populoso; Jon deve ter demorado quase seis meses para reunir todos e levá-los para o Sul.

— Quem garante que ela não fará tramas por baixo dos planos? — indagou Sor Jorah. — Aquela ordinária já fez isso antes — acenou com a cabeça para Margaery —, lembra?

Daenerys assentiu, sem olhar para Margaery.

— Sim, eu sei. Por sorte, isto nos trouxe uma boa refém, e irritou o irmão. — Abanou a cabeça, fazendo os sinos cantarem. — Ela também se prejudicou ao libertar a herdeira Greyjoy. Acha que ela teria dado uma boa refém?

Sor Jorah deu de ombros.

— Os Homens de Ferro não pensam bem. Duvido que aceitem aquela mulher como líder, então — deu de ombros —, não vejo em que ela teria sido boa refém. Mesmo que a casasse-mos com um dos nossos, provavelmente ela ou algum lorde das ilhas iria matá-lo.

Daenerys assentiu.

— Certo. Mas um refém ainda é melhor do que nenhum. De qualquer forma, isso ainda é bom. Jon talvez ignore um pouco os pedidos da irmã após isso.

Sor Jorah olhou Margaery de esguelha novamente, depois, voltou a fitar a rainha.

— Talvez possamos…

— Não! — ela cortou-o. — Nada de mau pode acontecer com a princesa Sansa, ou eu serei a principal suspeita. Nem mesmo Jon poderá me proteger caso todos os lordes se voltem contra mim. Na verdade, duvido que mesmo ele acreditaria em minha inocência.

— Existem muitos odiadores do lado dela. — pontificou Sor Jorah. — Lembra de Lorde de Darry?

Daenerys assentiu, mas não falou nada. Parecia irritada — provavelmente, deduziu Margaery, Sor Jorah havia se excedido nas palavras.

Diante de tudo aquilo, a própria Margaery não sabia o que falar. Ou se sequer iria falar. Se Daenerys fosse tola de ouvir quaisquer que fossem as palavras de Jorah Mormont, dificilmente teria bons resultados: Sansa era a principal figura que ia contra a rainha — era o que conseguiu tirar de tudo que vira desde que chegou do Vale —, e qualquer mal que lhe acontecesse, calharia de cair nas costas de Daenerys, culpada ou não.

Na verdade, Margaery não duvidava que já houvessem lordes tramando contra a vida da irmã do rei, justamente na expectativa de que isso recaísse na Rainha Daenerys.

Seria bom saber daquilo e não fazer nada? Margaery não era mais tão próxima de Sansa como era na Capital, de todo o modo, não era cega ao passado das duas.

Sansa poderia ser uma boa figura para derrubar Daenerys, de um jeito, ou de outro.

Mas como poderia não avisá-la de qualquer perigo? Não poderia deixar que tramassem contra ela e não fazer nada… Entretanto, que mais poderia fazer? Não tinha como impedir que algo ocorresse. Estava sem apoiadores.

Não. Talvez fosse hora de parar de tentar. Tinha que voltar a ficar nas sombras, as quais nunca nem sequer devia ter saído. Não era mais uma rainha, era uma refém. Devia aceitar e…

— De qualquer forma — Daenerys disse, tirando-a de seus pensamentos e devaneios —, devo me preparar para o casamento. Pode ir, Sor Jorah.

— Khaleesi…

— Vossa Graça — corrigiu-lhe, incisiva. — Deixai-me. — Gesticulou com a mão, indicando que ele deveria partir. E ele o fez, embora fosse óbvio a má vontade.

É mais fácil que ele mate o Rei, pensou Margaery. Não seria tão ruim: bastava que apenas um desses dois monarcas caísse, e toda a união Stark-Targaryen ruiria com eles.

Daenerys disse algo em Dothraki para uma das aias e a própria assentiu e foi fazer o que era mandada. A rainha virou-se para Margaery.

— Ajude-me a tirar este vestido, sim? — pediu ela. Claramente era uma situação desconfortável para ambas.

Sem jeito, Margaery assentiu, ajudou a desamarrar os laços da veste, com a ajuda de outra aia de pele escura, retirou o vestido, colocando-o em um gancho que ali havia. Daenerys, com a ajuda de outra aia, cobriu-se com um roupão prateado, escondendo o corpo de seios pequenos e as cicatrizes rosadas causadas pelas chamas.

Após um tempo, a outra aia, a mesma que havia saído, e um servo de essos trouxeram caldeirões de água escaldante e encheram a banheira. Uma camada fina, de um branco baço, subia conforme o líquido era vertido na banheira de madeira, intumescendo-se conforme mais água escaldante era despejada.

É tão quente que dá para sentir de longe, percebeu Margaery. Fez sentido para ela, afinal, Daenerys era do sangue de Valíria. Calor era algo normal para ela — embora, pela atual aparência da rainha, parecia que ela não era, pelo menos não totalmente, resistente ao toque das chamas.

Algumas pétalas de rosas do inverno e Gelardente* foram colocadas na água escaldante da banheira. As pétalas desta eram escarlates, em contraste ao azul das pétalas de inverno.

Gelardente são plantas outonais que só existem Além-Muralha, lembrou-se Margaery. Devia estar realmente frio nos últimos tempos para que aquelas flores crescessem tão ao Sul.

— Está tão frio — comentou Daenerys, abrindo o roupão, expondo as feridas que habitavam em seu corpo. Cicatrizes de batalha mortais, que, não fosse pela sua fisiologia, talvez tivessem queimado-a ainda mais, matando-a.

A rainha entrou na água escaldante, falou algo que num dialeto estranho, fazendo com que todos os outros serviçais saíssem do quarto. Fez um gesto com a mão, indicando que Margaery deveria se aproximar dela.

Não havia mais ninguém no quarto, com exceção do homem que Daenerys havia armado como seu novo Guarda da Rainha. Ele estava no canto, com um rosto jovem e severo, observando-as com seu olhar escuro e frio. A mão pousada no cabo da espada, calmamente.

Engolindo seus anseios, Margaery andou alguns passos até perto da rainha. Não tinha coragem de fazer-lhe mal, pois o guarda facilmente a mataria antes que pudesse fazer algo.

Olhava para baixo, para Daenerys, sentada na banheira oblonga, com braços descansando nas bordas. Além destes, apenas os ombros e a cabeça estavam expostos. O cabelo curto estava solto, e parecia mais curto do que a última vez que Margaery a vira — provavelmente fora um pouco queimado durante a batalha, visto que o corpo da rainha encontrava-se cheia de queimaduras cicatrizadas.

— Sei que não gosta de mim, Milady — disse Daenerys, sem olhar para Margaery. — Não espero que goste de mim, sei que praticamente ninguém tem gostado ultimamente.

— Eu…

— Fique calada, por favor. — A voz era simples e dura.

Margaery apenas assentiu, esperando que a rainha continuasse.

— Mas quero que saiba que apesar de suas constantes tentativas de rebeliões, não guardo mágoa alguma.

Margaery aquiesceu. (achava bem difícil acreditar naquilo.)

— Prometo-lhe arranjar um bom casamento com um bom lorde Westerosi. — Prometeu a rainha. (Margery sabia que aquilo era apenas mais um ardil: ela iria casá-la com algum lorde da trindade dos Reinos dos Stark, apenas para mantê-la na linha — bem, era melhor isso do que casar com um estrangeiro qualquer.) — E que conferi tal cargo, o de minha aia, para mostrar que confio em você. — Olhou para cima, de esguelha, para encarar o semblante de Margaery. Parecia saber que aquilo em nada teve algo positivo para a jovem, pois rapidamente voltou a olhar para frente e deu de ombros. — Que seja. Sei que é ambiciosa, Margaery Tyrell…

Não sou, pensou amargamente. Apenas casara com Renly pois era seu dever, e fez o mesmo com Joff e Tommen. Apenas fizera o que seu pai lhe mandara, por quê a culpa tinha de recair nela? Nem sequer questionou os motivos de Lorde Mace, pois era sua obrigação como uma Tyrell casar-se pelo bem da linhagem.

Quantas pessoas me acham uma megera ambiciosa? Se indagou, um pouco triste com a situação.

—... Mas não serei piedosa se por acaso acabar se metendo em mais alguma trama para fugir ou algo que atente contra a minha vida — avisou a rainha. — Tenho sido implacável nesses últimos anos. Acredite, detesto isso… mas é assim que se ganha guerras.

Margaery anuiu.

— Vou me lembrar disso, Vossa Graça.

Ao falar aquilo, Daenerys, de imediato, voltou a encarar a refém-aia dela. Margaery não se abalou; que aquela mulher pensasse o que quisesse.

Imaginando que as palavras eram uma ameaça velada ou não, Daenerys não disse nada e voltou-se para frente, afundando um pouco mais na banheira escaldante, cuja água era tão tórrida, que fazia as bochechas de Margaery ficarem avermelhadas.

— Que seja então — a rainha disse, seca. — Você e a princesa que fiquem com seus joguinhos. Vamos ver quem vai ganhar.

X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X

Sansa fora colocada na Torre do Pavor, longe o bastante de Daenerys. A torre não era de todo ruim, mas precisava ser limpa e reabastecida. A torre não era usada há muito, nem por alguns dos antigos habitantes — talvez os Homens de Ferro tivessem lhe usado ao ocuparem o castelo, mas, dado o estado, não se deram ao trabalho de deixar o ambiente em bom estado.

Imaginou que Harrenhal poderia servir de localidade como corte, pois aguentava mais do qualquer castelo que ela poderia imaginar. Mas sabia que Daenerys preferia habitar a Fortaleza Vermelha, na Capital, então descartou a ideia. De qualquer forma, Harrenhal ainda poderia ser reconstruída, e dada para algum lorde de confiança — Sansa começara a pensar em alguns há algum tempo, talvez algum lorde de confiança, como Yohn Royce, afinal, ele se provara um guerreiro valente e bom conselheiro (e, é claro, Harrenhal ficava perto de Porto Real, deixando um aliado importante em uma boa posição estratégica para vigiar a rainha.).

Mas seria necessário uma boa fortuna para reformar aquele imenso castelo, cujas cores haviam se perdido há muito tempo, e nenhuma casa aliada dispunha de toda fortuna no momento. E, mesmo que tivessem, a fortaleza negrume de Harren era uma armadilha enganosa: praticamente todas as casas que haviam tomado o castelo para si, acabaram por ir a falência, tamanho os gastos para manter a escomunal fortaleza. Era um símbolo de prestígio, mas também de falência — com maldição ou sem.

— Aquela rainha é uma grande insuportável — ralhou Wylla, enquanto abaixava o capuz do manto de pele de baleia.

Sansa sorriu, mas logo reprimiu o gesto e tomou uma face mais dura.

— Controla a língua, Wylla — ordenou. — Não pode falar de forma leviana com a rainha.

A moça fez um muxoxo, insolente, mas não falou mais nada. Foi até um braseiro, para aquecer as mãos.

— Parece que vocês duas não se bicam — observou Sandor, ainda usando um manto cinza, mas não o mesmo manto esfarrapado que usara quando encontrara a princesa no pátio.

Sansa não respondeu, apenas retirou o diadema de prata e entregou para o auspicioso Hos, para que ele a colocasse numa almofada púrpura com franjas douradas.

Não queria realmente guardar rancor da rainha, afinal, Daenerys ajudara matar a Donzela Louca de Euron, entretanto, ainda era dificil separar ela da conquistadora que invadiu o Norte e matou o povo dos Stark.

Ela também não gosta de mim, pontificou para si mesma. Daenerys também não era imune ao ódio, isso era bem claro.

— Quando tudo acabar — Sansa disse —, voltarei para o Norte, e Daenerys ficará no Sul. Não teremos de aguentar isto por muito tempo.

Alleras, que, como era de praste nos últimos tempos, havia seguido Sansa e seu séquito, disse:

— Daenerys não é a ameaça de agora, minha bela princesa. — Ele ainda a chamava assim, apesar de Alys não gostar e já ter censurado-o diversas vezes por aquilo. — Temos de focar em acalmar o Banco de Ferro enquanto a Verdadeira Ameaça não chega.

A princesa assentiu. Apesar de ainda não saber o que pensar dessa tal “Verdadeira Ameaça”, só podia supor que teria de acreditar: Jon e Daenerys haviam se unido e deixado de combater Aegon para derrotá-la; os lordes acabaram por até passar acreditar em tudo aquilo após a batalha contra Euron.

Muitos Lordes podem ter mais confiança em Daenerys após isso, deduziu. Mas isso seria bom ou não?

Tentou não pensar naquilo. Daenerys era a rainha escolhida por Jon. Sansa tinha de confiar no irmão. Alleras estava certo: o foco dela devia ser nas dívidas com o Banco de Ferro.

— Precisamos de mais ouro, mas como? — ela indagou. — As terras do Tridente estão destruídas, os invasores pegaram diversas riquezas; o Vale, que é o reino mais fértl entre os que temos, está saqueado e longe de nossas mãos; o Norte está empobrecido, a nossa maior riqueza seria a prata de porto Branco, mas isso também está longe.

— Posso pedir para os meistres deem seus elos de ouro? — sugeriu o belo rapagão. — Pegamos o que podemos dos mortos, mas ainda existem alguns vivos.

Sansa não sentiu confiança em seguir com aquilo.

— Não teria a possibilidade do ouro também trazer a doença?

O Esfinge deu de ombros.

— Que os Bravosi peguem, então. Terão seu ouro, não? De certo podem aceitar umas perdas ou outras, aquelas sanguessugas.

— Se a doença se espalhar para Braavos — pontificou a princesa —, o Banco saberá de onde veio. Podem cortar nossa renda…

—... E podem ter tantos, mas tantos mortos, que logo vão precisar de dinheiro para tentar evitar que a economia deles quebre — rebateu Alleras.

Sansa não gostava daquilo. Era uma ideia muito traiçoeira e arriscada para se tentar.

Entretanto, talvez fosse tudo que tinham.

— Você tem um bom número de elos de ouro?

O rapagão deu um sorriso caloroso.

— Minha cara princesa, mandei pegar todos os elos dos mortos. São pequenos, mas tem bom valor.

Olhou-o de soslaio. Aquilo bem podia ser uma artimanha com Marwyn; uma tentativa de culpabilizar Sansa por tudo.

— Deixe os elos guardados,por agora — ordenou. — Mas peça os dos meistres que estão vivos e não tiveram grande contato com a doença.

Sem parecer se abalar com a negativa, o belo Alleras apenas assentiu, sorrindo.

— Como a princesa me ordenar.

Sansa fez um gesto com a mão, dispensando-o.

— Pode considerar-se dispensado de meus serviços por hoje, Alleras. Vemo-nos no salão.

O belo rapagão pegou a mão pálida de Sansa, e ela sentiu seu toque era acalentador e macio. Beijou-lhe as costas da mão com seus lábios generosos.

— Espero poder ter a honra de uma dança com tal beleza de inverno? Certamente a princesa sabe o que isto significaria para mim.

Sansa sorriu, um pouco divertida com o descaramento desse belo rapagão.

— Não preferiria uma dança com a vossa rainha?

Os olhos escuros de Alleras pareceram brilhar de divertimento com aquilo.

— A rainha — respondeu ele — em nada se compara a beleza da minha bela princesa.

— Bem, a princesa se sente lisonjeada — Sansa respondeu. — Mas devo me preparar para o casamento. Assim como você, Esfinge. Vista algo bonito.

Ele assentiu.

— Como desejar, princesa. — Fez uma vénia rápida e saiu do local.

Quando ele saiu, Alys Mormont grunhiu.

— Passarinho tem tido amigos estranhos — Sandor comentou.

Sansa deu um sorriso cansado.

— Tempos estranhos, velho amigo — comentou. — Na verdade, nem todos podem ser chamados de “amigos”, temo.

— Princesa — ralhou Alys —, deixa aquele dornês ter muita liberdade!

Sansa acenou.

— Preciso da ajuda dele. Ele tem sido útil na questão das contas. Ele…

— Deve estar informando tudo para a rainha!

Sorriu.

— Ora, isto não é óbvio? Que ele conte! Verá que não tem para usar contra mim.

Alysane não pareceu satisfeita.

— As pessoas vão comentar — avisou ela, batendo o pé.

A princesa deu um dar de ombros como resposta.

— Sei bem os riscos que corro. Acredite, ninguém ousará duvidar da minha virtude de forma descarada. Meu irmão mostrou no salão os riscos disto.

Um silêncio desconfortável se seguiu após a menção a morte de Sor Albar. Ninguém realmente podia concordar com uma execução sem julgamento, mas quem teria poder para ir contra um rei que tanto ajudou seu povo e que tem uma rainha dragão consigo?

Não importava. Sor Albar estava morto, o que tornava Myranda a herdeira dos Portões da Lua. Isso era bom, pelo menos aquelas terras não estariam em mãos inimigas… o problema era que o castelo estava destruído, o que o tornava simplesmente inútil.

— Princesa — disse Wylla —, devo mandar água para encher a sua banheira? — Ao notar o semblante de confusão no rosto dela, explicou: — para o casamento.

— Ah — esse dia estava tão complicado, que ela havia se esquecido da maldita cerimônia. Aquiesceu ao pedido da dama de companhia. — Claro, Wylla. Por favor.

X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X

Ned e Arya estavam em pequeno cômodo — pequeno para os padrões de Harrenhal, claro —, na cama, com seus corpos nus cobertos por um grosso cobertor de pele de urso.

— Acha que Gendry vai realmente aceitar isso? — O lorde de Starfall indagou, com as bochechas ainda coradas pelo ato carnal. Seus cabelos cinzentos estavam desgrenhados, mas até que os de Arya, e ele exibia vários arranhões no corpo. (Todos fáceis de esconder, com exceção para a ferida aberta no lábio inferior, onde Arya lhe mordera.)

Arya deu de ombros. Ainda sentia dores nos rins e a semente morna de Ned entre as suas pernas. Os pés calorosos de seu amante acariciando os seus próprios pés, duros como couro fervido.

— Gendry logo vai esquecer, você sabe como ele é — respondeu ela, sonolenta. Queria dormir, mas tinha de ir para o estúpido casamento.

Ned não compartilhava de sua certeza.

— Arya, ele realmente ficou furioso…

— E daí? É com você que vou me casar, não?

— Sim, mas… — Ele suspirou. — Olhe, princesa, sei que gosta muito de mim, mas sei que seu coração está com Gendry. Não, não tente negar, sei que é verdade. Sei que foi para mim que foi sua donzelice, assim como a sua mão, mas sei que seu coração é dele, não meu.

Arya o silenciou com um beijo. Ned logo entrelaçou a língua quente dele na dela, como dois vermes trepando.

Quando se afastaram, os olhos Ned estavam escuros de desejo.

— Eu te amo, Ned — ela disse, bem próxima ao rosto pálido e anuviado dele. — Você me fará sua lady, não é? Não vai?

Ned assentiu.

— É claro! Você é o meu amor! — Ele a encheu de beijos, tocando todo o seu rosto longo com seus lábios rosados e calorosos. Teria feito amor de novo com ela, caso ela não o tivesse afastado, aos risos, de forma delicada.

— Mais tarde — ela prometeu. — Agora, devo me preparar para o casamento de meu irmão.



X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X O X

Óleo de flores de especiaria* foi usado para umectar os fios de prata da rainha, que logo vieram a ser trançados e enfeitados com sinos de prata, que cantavam conforme ela mexia a cabeça, como os sinos de um dothraki. A rainha envergava um belo vestido preto, com rubis e opalas de fogo no peitilho, que brilhavam ao refletirem o lume das chamas bruxuleantes.

Margaery prendeu um manto pesado de lã tingida de preto. Um dragão de três cabeças cuspindo fogo fora cozido nas costas, mostrando o símbolo da casa Targaryen.

Um manto de donzela. Parecia uma grande piada que esse manto fosse envergado por aquela rainha.

Daenerys estava coroada pela imensa coroa de ouro, feita em essos, com cada uma das três cabeças de dragão sendo feita de joias diferentes. Uma de jade, uma de ônix e outra de marfim.

A rainha Dragão foi levada até o bosque sagrado — uma extensa caminhada, diga-se de passagem, pois o caminho até o bosque era um verdadeiro labirinto imenso, e, para chegar à árvore coração (uma coisa horrorosa, com uma imensa boca aberta em uma carranca cruel e grotesca), tiveram de andar vários quase um hectare inteiro, senão mais.

Os lordes e ladies aguardavam a sua nova rainha, cobertos de neve branca e açucarada, que subia até os calcanhares e também cobria partes de seus corpos. Não haviam apenas lordes, mas líderes do povo livre, além de alguns estrangeiros em Essos. Todos em um silêncio severo, escrutinado a rainha e seu séquito.

Margaery não viu sinal de Stannis, nem de seus homens.

O Rei aguardava-a, coberto de neve, usando um gibão negro, com os cabelos de prata soltos. Estava segurando um manto branco, com um imenso lobo costurado à fios de prata nele, com pérolas de água doce para enfeitar.

Então, pensou Margaery, realmente esses reis vão casar-se na fé antiga do Norte. Fazia sentido: a fé dos sete nunca iria realmente aprovar o casamento, e, mesmo que não fosse o caso, a religião do Rei do Norte era dos deuses antigos. Imaginou, também, que não ficaria bom para a rainha casar na fé vermelha: muitos lordes a repudiavam, temendo que essa fé estrangeira tome o lugar de seus próprios deuses.

Daenerys continuou a andar até Jon, deixando seu séquito para trás, caminhando pela camada de neve açucarada na relva morta do bosque sagrado.

Com surpreendente delicadeza, o esguio Rei do Norte soltou a corrente que prendia o manto de sua rainha, e entregou para um servo qualquer, que o levou para longe. Prendeu o novo manto de símbolo Stark, e ambos voltaram-se para a imensa Árvore Coração à frente deles. Seu rosto era severo, mas eles pareceram não notar, ajoelhando-se em frente aos velhos deuses, botando as mãos nos tronco pálido, e murmurando para a árvore.

No alto da árvore, os corvos os observavam, com olhar severo.

Ao observar o casal, Margaery se indagou se estava vendo o fim de tudo que conhecia: da cavalaria, de sua fé verdadeira, da honra.

Sentia que estava vendo o começa do fim de tudo.

Não suportando mais olhar para aquela cena, Margaery virou os olhos, encarando qualquer outra direção. Acabou por fitar um rapaz numa cadeira de ébano. Tinha olhos verde-musgo, cabelo acobreado e belas maçãs do rosto. Usava um círculo de prata na fronte, e Margaery imaginou que aquele deveria ser o príncipe Bran Stark. Ao seu lado, estava sua irmã, Sansa, com um olhar introspectivo para a cena do casamento.

O príncipe se virou e fitou Margaery, sem parecer se importar com a neve caindo pesadamente sobre ele, e sorriu.



**Yep, essas duas flores existem no livro, acreditem! ksksksksk