Marcas da Meia Noite

Tem um lugar que quero mostrar


– Mas eu não quero ir para a escola, mãe! - reclamo.

Todo dia é a mesma coisa. Minha mãe sempre tentando me fazer levantar da cama e dizendo a mesma ladainha.

– A escola é importante. Achei que você quisesse ter uma vida normal.

– Deixe-me ter minha vida normal na minha cama, hoje. Dormir. Viu? Dormir é normal.

– Liz Duchannes. A escola é uma experiência incrível. E nem eu nem seu pai deixaremos você perder isso.

E como se tivessem combinado, meu pai aparece na porta.

– Liz, levante-se, você vai se atrasar.

Como discutir com ele? Então simplesmente me levanto e vou para o banho.

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A Jackson é simplesmente a versão em miniatura de Gatlin. As pessoas que estão aqui são cópias de seus pais e mães, com seus preconceitos e discriminações. E, se em Gatlin eu já não tenho amigos, muito menos tenho na Jackson. Acho que criar laços afetivos com a filha de Lena Duchannes é quase um pecado por aqui.

Meu pai estaciona em frente ao prédio do colégio. Olho para ele, suplicante. Mas Ethan simplesmente balança a cabeça e me manda descer do carro. Suspiro, abro a porta e saio em direção à entrada.

Cabeça baixa. Cabeça baixa. Repito para mim mesma. Então ouço o motor do carro do meu pai arrancando e logo virando a esquina. Conto mentalmente: um. Dois. Três.

E o primeiro encontrão acontece.

Olho para frente, pensando em desafiar alguém. Mas não posso fazer isso. Não posso expor meus poderes. Não importa se já fui invocada, não preciso desperdiçar minhas energias com essa gentinha.

Uma menina loira passa rindo histericamente com suas amigas. Claro. São as Herdeiras. Reconheço-as pela camiseta.

Na época em que meus pais estudaram na Jackson, um grupo de meninas que não gostavam da minha mãe criaram o Anjos da Jackson, ou algo assim. Mas, óbvio, essas meninas cresceram, casaram-se, tiveram filhos. E esses filhos são os Herdeiros e Herdeiras que "continuam mantendo vivo o legado dos pais", como disse a diretora Andrea. E se o Anjos original não gostava da minha mãe, adivinha de quem os Herdeiros não gostam? Isso mesmo! Liz Duchannes!

Abaixo a cabeça novamente, enquanto as meninas somem pelos corredores. Eu poderia muito bem entrar no prédio e sumir em alguma das salas abandonadas, mas sei que minha tia Ridley estaria me espionando. Por isso, decido-me sentar no jardim até que o sinal toque. Viro-me e...

– Ai! - reclamo.

– Desculpe, eu... - uma voz masculina começa a se explicar.

Olho para ele e minha respiração para por dois segundos. É ele. O cara do acidente. O cara que eu salvei. Eu o encaro e parece que todo o barulho desaparece. Meus olhos estão presos nos seus, que são de um tom surpreendentemente preto, sem distinção entre íris e pupila.

– Eu... - ambos tentamos falar e paramos. Então começo a rir e o garoto parece relaxar.

– O que foi? - pergunta, o tom divertido.

– Nada. Não se preocupe.

– Você está bem? Está machucada? Meu nome é Mitchel - apresentou-se.

– Estou bem, nem um aranhão. Sou Liz. - Sorriu e ele sorri de volta.

– Ei, você é... - começa a falar. Sei o que ele irá dizer. Minha mente grita com urgência: "aqui não!". Mitchel se cala por alguns segundos e depois retorna: - Nada.

Sorrio, grata. Eu não sei o que houve, mas aquilo certamente me tirou de uma encrenca.

É quando o sinal bate. Olho para trás e solto um suspiro triste.

– Você estuda aqui? - ele questiona.

– Sim, infelizmente. E agora tenho que ir.

Mitchel encara as portas por alguns segundos e então vira-se para mim:

– Não quer sair daqui um pouco? Venha me mostrar a cidade.

Reviro os olhos. Gatlin não tem exatamente muita coisa para se ver. Será que pode, pelo menos, ser considerada uma cidade? Além disso, ainda tem minha tia Ridley que deve estar de olho em mim.

– Eu não sei... - respondo.

– Vamos, por favor! Vou enlouquecer se ficar aqui! Não conheço nada, e provavelmente vou embora amanhã.

Amanhã?

Sim, amanhã.

Tomo um susto e olho para ele. Mas Mitchel não parece saber de nada. Pelo menos, não demonstra nada.

Eu não sabia que ele pode me escutar. Eu podia ouvi-lo, às vezes, escutar seus pensamentos. Mas não fazia ideia de que ele também pode me ouvir.

Balanço a cabeça e olho para trás, para os prédios. Para minha surpresa, Ridley está ali. Ela sorri e faz um sinal com a mão para que eu fosse em frente. Suspiro.

– Tudo bem, vamos.

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Mitchel e eu caminhamos por todo o centro da cidade, o que quer dizer que demoramos no máximo meia hora. Agora estamos no estacionamento do Pare & Roube, comendo batatas fritas e observando os poucos pedestres que passam por ali.

– Conte-me mais sobre você, Liz - pede ele.

– Não sei, Mitchel... Eu...

– Mit.

– O quê?

– Mit. É como meus amigos me chamam. Mas, sim, continue.

Sorrio. Ele me considera uma amiga?

– Eu gosto de escrever contos, ler, ouvir música e tocar violão.

– Violão? Uau!

Eu rio. A expressão dele foi realmente hilária.

– E você, o que gosta de fazer? - pergunto.

– Hmm. Bem, eu faço faculdade de Administração. Gosto de ler, mas não escrevo. Não toco nenhum instrumento!

– Meu tio Link me ensinou a tocar. Ele teve uma banda, quando tinha a minha idade.

– Acha que ele poderia me ensinar a tocar guitarra?

Demoro um pouco para responder. Meu tio Link é um Incubus, uma criatura noturna. Ele era um humano, na época de adolescente, mas ao se envolver com Ridley e minha família, se tornou um ser das Trevas. Não que ele fosse mau, ou algo do tipo. É só o que os Incubus são. Alimentam-se de sangue, a maioria deles. E alguns alimentam-se de sonhos. Como o tio Macon se alimentava.

– Acho que sim - finalmente digo. - Mas ele tem hábitos noturnos.

– Como nas histórias de terror?

Eu rio. Sim, com certeza.

– Provavelmente. Mas venha, tem um lugar que quero mostrar.