Marcas da Meia Noite
Outra família
Eu não sei o que deu em mim. Encontrar uma garota assim, no meio da rua, e chamá-la para dar um passeio? Onde estou com a cabeça?
No final das contas, Liz é uma garota legal. Possui um mistério, algo que não consigo definir. E isso me atrai muito.
Ao caminhar em direção ao seja lá o que for que Liz deseja me mostrar, vejo uma locadora de carros. Apesar de ficar somente mais um dia aqui, decido locar um veículo, e logo estamos dentro dele, indo em direção à saída da cidade.
– Relaxe - murmura ela.
Percebo que estou tenso. Acho que dirigir outra vez menos de 48 horas depois de um terrível acidente está fazendo meus nervos ficarem a flor da pele.
É quando me lembro dela, nas árvores.
– Eu vi você - digo.
Desta vez, ela é quem fica tensa. Dou um tempo para que Liz possa se recompor e observo as árvores passando rápidas.
– Sim - ela fala, apenas. Então faz um sinal para que eu vire à esquerda num cruzamento.
– Não precisa falar sobre isso, se não quiser.
– Não, tudo bem. - Então respira fundo. - Eu moro um pouco adiante de onde aconteceu o acidente.
– Naquela mansão? - Arregalo os olhos, fazendo-a rir. Seu riso é incrivelmente contagiante.
– Sim. Na propriedade Ravenwood.
– E o que estava fazendo tão tarde nas árvores?
Ela demora um pouco para responder.
– Eu estava tomando um ar. É um bom lugar para se pôr os pensamentos em ordem.
Sei que isto não é verdade. De algum forma, apenas sei. Pelo menos, não a verdade completa. Mas decido não pressioná-la.
– Uau, então você é, tipo, a Jane, do Tarzan? - brinco. Ela ri novamente.
– Tudo bem, você pode entender assim.
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Depois de alguns minutos, Liz indica que devemos parar. Descemos do carro e caminhamos juntos até uma clareira. Um pouco mais adiante, posso ouvir o barulho de água.
– Um rio? - pergunto.
– Quase. Uma cachoeira.
– Uma cachoeira? Em Gatlin? Não sei, mas Gatlin não me parece do tipo que possui uma cachoeira.
Ela ri e balança a cabeça.
– Você é sempre assim? - Olha para frente e continua. - Essa cachoeira não existia. É muito recente.
– Como assim?
– É artificial - diz, rápido. - Foi construída há um tempo. Poucas pessoas sabem da existência dela.
Mais especificamente eu, meu pai, minha mãe, tia Ridley e tio Link.
Paro. Liz olha para mim, indagando o motivo de eu ter parado. Retribuo seu olhar.
– O que você disse? - pergunto.
– Eu disse que poucas pessoas sabem da existência da cachoeira.
– Não, depois disso.
Ela se interrompe, olhando para mim fixamente. Por um momento, tenho medo que ela me ache louco.
– Eu não falei nada além disso, Mit. - Liz se mexe, inquieta. - Você quer ir embora? Porque, se quiser, vou entender. Por mim, tudo bem.
Balanço a cabeça. Devo estar imaginando coisas.
– Esqueça. Vamos continuar - digo.
Liz vira-se e continua caminhando em mais absoluto silêncio. Sigo-a por entre as árvores e logo sinto os respingos da água na minha pele.
Como descrever? A cascata cai em três níveis diferentes, formando alguma espécie de piscina. A água é tão cristalina que posso ver a areia do fundo com facilidade. A sensação de estar aqui é simplesmente maravilhosa. Como se nada pudesse me atingir. Como se o mundo lá fora não existisse. Mas nada ali indica que aquela cachoeira fora construída por mãos humanas. A água parecia ter moldado as pedras.
– Uau! - exclamo.
Liz sorri para mim e me puxa para que possamos sentar em uma sombra.
– Gostou? - pergunta.
– Incrível. Não parece que é artificial, de verdade.
– É, eu sei. A natureza ajuda àqueles que a ajudam.
Olho para ela. Seus olhos verdes se deleitam com a vista. Seus joelhos estão dobrados e seus braços os abraçam de forma relaxada. Ela usa um short jeans desfiado e um cinto dourado. Sua blusa é amarela clara, com alguns furos atrás. Vestida desse jeito, dá para entender porque ela não se encaixa entre aquelas pessoas, qual a sua diferença.
Liz é simples. Vive numa mansão, mas não ostenta riqueza. Suas roupas, apesar de joviais, parecem lhe servir por seu conforto. Seu rosto é limpo de maquiagens e isso o torna ainda mais lindo.
– Você não gosta de Gatlin? - pergunto.
Ela se assusta com a pergunta repentina. Então olha para mim e sorri.
– Não é que eu não goste. Meu pai é de Gatlin. Minha mãe... Bem, de certa forma é também. Não sou eu que não gosto de Gatlin. É Gatlin que não gosta de mim.
– Por quê?
– Não sei. Acho que pensam que sou uma aberração.
Paro um pouco, olhando para frente.
– Não acho que seja por isso - falo. - Acho que é só porque você é você mesma. Não tenta impressionar nem impor nada a ninguém. Você é diferente deles. E isso os deixa malucos.
Liz sorri e murmura um agradecimento. Sorrio de volta e deito-me na grama, colocando os braços por trás da cabeça. Ela observa meus movimentos, mas continua sentada.
– E você? Fale-me mais sobre você - peço.
Ri.
– O que quer saber?
– Hm, não sei. Que tal seu sobrenome?
– Liz Duchannes Wate. E seu?
– Wight. Mitchel Wight.
– Wight... Wight... Acho que já ouvi esse sobrenome em algum lugar. De onde você é?
– Chicago.
Ela vira-se para mim bruscamente, seus olhos arregalados e sua expressão assustada.
– Chicago? - pergunta.
– Sim. Algum problema?
Ela respira fundo algumas vezes, tentando se recompor. Então torna a falar:
– Não, nada. Qual o nome do seu pai, Mit?
– Mathew. Por quê?
Outra família.
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