10:34 pm

As sirenes uivam no meio da rua. Estou em pé, olhando a movimentação de corpos, o vai-e-vem de médicos. Pelo visto, a coisa tinha sido feia. Quando eu estava no carro, não havia percebido o quão grande havia sido o estrago. Mas, por algum milagre, consegui sair andando e ileso do carro.

Olho para o veículo. Ainda não posso entender como consigo estar aqui. Devo ter um anjo muito forte me protegendo. O carro está completamente amassado e posso ver um corpo estatelado no chão, mas não consigo identificá-lo. Há muitos policiais e médicos em volta.

Acidente na autoestrada 9, perto do condado de Gatlin.

Gatlin. Por que eu estava em Gatlin? Com certeza, só era de passagem. Se meu carro não tivesse batido aqui, eu jamais perceberia essa cidadezinha minúscula, com seus policiais atrapalhados e sua gente enxerida.

Sim, enxerida.

Logo dezenas de pessoas estavam em volta do perímetro, observando e cochichando. Havia várias senhoras de aparência antipática, assim como vários adolescentes usando a mesma blusa com o que parecia ser um anjo depravado - afinal, a menina parecia estar quase nua, com as asas nas costas.

Viro-me para os carros novamente. O corpo que está ali é de uma mulher. Pelo visto, está morta. Os médicos não se importam tanto comigo agora. Depois de me revisarem, rastrearem cada centímetro do meu corpo, concluíram que eu não havia sofrido nada. Quero dizer, fora alguns arranhões, eu nunca estive melhor.

Olho em volta. O acidente aconteceu perto de uma bifurcação. No entanto, parece que só há movimentação em uma delas. A outra está incrivelmente deserta.

Encaro a entrada vazia. Lá adiante, parece haver algum tipo de casa senhorial, mas de onde eu estou só há árvores. Eu as observo, tentando deixar minha mente vagar e não se irritar com os curiosos que estão à volta - e que agora me perceberam completamente ileso.

Um pequeno movimento nas folhas me chama atenção. Olho, alerta, e vejo um pé sumindo entre os galhos. Um arrepio desce por minha coluna. Sei que é burrice, e todo o meu corpo grita para que eu não me aproxime, mas mesmo assim, chego mais perto. As sirenes de repente ficaram silenciosas. Caminho devagar até a base da árvore onde o pé sumiu.

– Quem está aí? - pergunto, alto o bastante para que a pessoa, seja lá quem fosse, pudesse ouvir, mas baixo, para que nenhum observador preste atenção em mim.

Outro movimento rápido entre as folhas.

– Não vou machucar você - digo.

Dessa vez, demora mais um pouco para vir sua resposta muda.

Um rosto aparece entre as folhas. Posso ver sua expressão tensa. É uma garota, aparentemente com uns dezesseis anos, não muito mais nova que eu.

Tudo isso, absorvi em questão de segundos. Porque quando encarei seus olhos, tudo pareceu desaparecer.

Verdes.