Mar de Lírios

Águas perigosas.


Retornamos ao navio com os marinheiros comemorando a vitória e comentando os melhores momentos da batalha. De fininho, caminhei para a cabine, apoiando-me em um barril com a leve tonteira, mas Rip me viu.

-Já vai, majestade, não vai comemorar? Drinian vai abrir um barril de rum! - falou inocentemente, vindo em minha direção e saltando em cima do barril em que eu me apoiei, os olhinhos piscantes me encarando.

Sorri fracamente.

-Talvez outra hora, Rip...

-Majestade! - chamou Rince, vindo em minha direção. - Conseguimos recuperar. - ele me entregou a aljava com o arco e as flechas. Eu estendi a mão para pegá-los, mas Rince escorregou num pouco de rum derramado no convés e acabou esbarrando em mim. Gemi baixo com a dor, assim que seu cotovelo bateu eu meu ferimento. Isso chamou a atenção de Ripchip.

-Oh, está ferida, majestade?! - ele olhou alarmado, assim como Rince, para a mancha de sangue em minha camisa.

-Não foi nada, Rip... - falei.

-Está acontecendo alguma coisa por aqui? - Caspian se aproximou, alegre, com seu cálice de rum.

-Rainha Susana foi ferida na batalha, majestade. - foi dizendo Rip. Logo a alegria de Caspian sumiu e seus olhos pousaram sobre a camisa manchada.

-Susana, por que não me disse?! - ele estava com aquele tom, como se eu estivesse a beira da morte.

-Por que não é nada demais. É só um corte... - tentei, mas de nada adiantou. Caspian entregou seu cálice a Rince.

-Venha, ajudo você com isso. - pegou-me pela mão e levou-me quase que arrastada para a cabine.

-Caspian não precisa, é só corte, eu posso cuidar disso sozinha. - insisti, mas ele me levou para a cabine como se leva uma criança e medrosa para o dentista. - Caspian, é sério, não precisa, eu posso cuidar disso! - mas ele me ignorou novamente. Bufei, sentando na beira da cama, enquanto ele abria as portas de um pequeno armário que eu não tinha notado. Voltou até mim trazendo o elixir de Lúcia.

-Abra a boca. - ele já destampava o recipiente de diamante e o aproximava de mim. Pus a mão sobre a dele, afastando o elixir delicadamente.

-Deixe isso para momentos necessários. - falei.

-Mas você está ferida. - justificou.

-Caspian, não estou morrendo! Foi só um corte, posso me curar sozinha... - falei pacientemente.

-Ok. - ele suspirou, tampando o vidro. - Então ande com isso. - entregou-me o mesmo. Eu iria protestar, mas ele me interrompeu. - Ou você anda com o elixir, ou eu faço você tomar.

Bufei pegando o objeto. Enquanto eu o engatava no cinto, Caspian voltou ao armário, revirou mais um pouco e trouxe algodão junto com um remédio de ervas para cicatrização.

-Pelo menos isso. - entregou-me.

-Tudo bem, tudo bem, já entendi, você não vai desistir...

Ele deu um sorriso torto, dando-me um beijo na testa.

-Descanse. - ele saiu, deixando-me sozinha.

Suspirei dando um impulso para levantar da cama, indo em direção ao espelho. Criei coragem, ergui a barra da camisa e fiz um nó deixando-a na altura da cintura. Se mamãe me visse agora, me obrigaria a tomar banho de sol... Mas a palidez de minha pele estava manchada de vermelho. O ferimento não era tão pequeno quanto eu imaginei que fosse; continuava sem oferecer perigo, mas certamente seria um incomodo.

Primeiro limpei o sangue com um algodão seco até restar apenas a listra vermelha na direção do umbigo, só que mais para a direita. Espero que não fique cicatriz...

Em seguida peguei outro pedaço de algodão, molhei no remédio e coloquei sobre o ferimento. Minha primeira reação foi gritar, mas mordi o lábio fortemente para impedir o som de minha voz. Gritar só serviria para Caspian voltar correndo até aqui e me enfiar o elixir goela abaixo. Apoie-me na parede fechando os olhos com força esperando a dor aliviar. Assim que consegui respirar normalmente, e a dor intensa havia passado deixando o local “anestesiado” restando leves ardências.

Tudo limpo, pus-me na missão de vasculhar as roupas de Caspian em busca de calça e camisa limpas. Encontrei uma camisa azul comprida demais para mim. Vesti a mesma e sua barra chegou até acima de meus joelhos, as mangas mais compridas que meus braços escondiam minhas mãos e o pescoço foi o que chegou mais perto de servir em mim. Dispensei as calças, usando a camisa como vestido, e as botas, ficando sem as botas, ficando descalça, pus o cinto de volta a cintura e escovei os cabelos bagunçados, o que demorou um pouco já que estava entrando bastante vento na cabine. As batidas na porta não desviaram minha atenção de manter os cabelos no lugar.

-Entre. - falei.

-Trouxe isso para você. - Caspian fechou a porta e colocou um pequeno cesto com algumas frutas sobre a mesa.

-Obrigada. - falei. Caspian se aproximou.

-Como está o ferimento? - quis saber.

-Melhor que meu cabelo. - resmunguei desistindo de tentar arrumá-lo. Caspian riu e pelo espelho eu o vi se aproximar. Ele envolveu minha cintura por trás, mergulhando o rosto em meus cabelos bagunçados e suspirando.

-O que foi? - perguntei baixinho e baixinho ele respondeu.

-Devo muito a Lorde Bern... Por ter salvo você... Eu senti tanto medo, Su... Medo do que poderiam fazer a você... E depois vimos aquele homem correndo atrás dos escravos desesperado... Imagino o que ele deve estar sentindo agora e eu estaria na mesma situação que ele se não fosse por Lorde Bern. - ele olhava para nossa imagem no espelho. Por um momento eu não soube o que dizer e um silêncio pairou na atmosfera da cabine.

-Só há um meio de agradecer a ele... - sussurrei finalmente. - Temos que trazer os moradores de volta...

-E vamos trazer, não importa quanto tempo isso leve... - suspirou ele, novamente afundando o rosto em meu cabelo. - Senti falta de estar assim com você... Sozinhos... E sem correr risco de morte. - acrescentou divertido. Ri de leve. - Pena que não dê para passarmos o tempo todo assim grudados pelo navio nem passar muito tempo aqui... Talvez os marinheiros se sintam desconfortáveis... - Concordei com a cabeça enquanto ficava de frente para Caspian, ele me abraçou forte e eu gemi de dor por causa do machucado – Desculpe.

-Tudo bem – meus dedos enrolaram-se delicadamente nos cabelos de Caspian. Ele se aproximou lentamente e eu fechei os olhos. Sua respiração estava próxima, nossos lábios se roçaram quando uma batida na porta nos interrompeu.

-Pode entrar. - disse Caspian meio aborrecido, afastando-se de mim. Drinian abriu a porta.

-Majestade, será que pode vir aqui um momento? - chamou ele.

-Sim, já estou indo. - respondeu Caspia. Drinian fechou a porta. Caspian ia se aproximando de mim novamente quando outra vez houve uma batida na porta, fazendo-o se afastar novamente.

-Só mais uma coisa, majestade. - disse Drinian. - É urgente.

-Já estou indo, Drinian. - resmungou Caspian. Drinian fechou a porta e Caspian suspirou. -Vou fazer ele andar na prancha mais tarde.

Eu ri, aproximando-me de Caspian, ficando na ponta dos pés e beijando seus lábios. Ele abraçou minha cintura, beijando-me também. Não demorou muito para se tornar intenso, e, num dos melhores momentos, precisei interromper o beijo pousando os calcanhares no chão.

-O que foi? - perguntou Caspian. - Doi ficar bastante tempo na ponta dos pés. - sussurrou. Ele sorriu, se curvando em minha direção novamente, começando de onde parou. Ao fim daquele beijo ele saiu da cabine para atender o chamado de Drinian.

Caspian

O breve aborrecimento evaporou com aquele beijo e eu caminhei até Drinian.

-O que foi? - pergunei chegando até onde ele estava com Travos, no mesmo instante percebi as expressões preocupadas. - O que foi que aconteceu? - perguntei mais apreensivos. Travos faou.

-Estamos nos aproximando de águas perigosas, majestade. - disse ele. Esperei que esclarecessem melhor.

Drinian decidiu dizer de uma vez.

-Águas de piratas.