Mar de Lírios

Um momento de paz.


Fui para o convés, desci até a cozinha em busca de água e voltei para cima indo em direção a beira do navio sentindo o vento vindo do Norte.

-Obrigado. - disse uma voz atrás de mim, olhei em direção a ela e deparei-me com meu adorado primo. - Por me ajudar lá na Ilha.

-Só fiz o que deveria fazer. - falei calmamente.

-Aposto como se fosse Edmundo ele não teria me ajudado. - comentou, apoiando-se na beira ao meu lado.

-É claro que ajudaria você, Eustáquio, apesar de tudo, você é nosso primo e nunca vai deixar de ser. - falei. Eustáquio sorriu levemente. - Mas me diga, como Edmundo e Lúcia estão?

-Ah... Do mesmo jeito de sempre... Edmundo está bem mais alto que eu e olha que quando ele chegou lá tínhamos a mesma altura. Acho que Lúcia está da sua altura.

-É, eles devem ter crescido mesmo...

-Você precisa ver a euforia deles toda vez que chega uma carta sua ou de Pedro... - isso me fez sorrir.

-Mas e você, está gostando de ter eles lá? - essa era a pergunta crucial. Ele deu de ombros.

-Sabe como é...

-E o que está achando de Narnia? - essa sim eu queria saber a resposta. - Está se divertindo?

Ele me encarou como se eu fosse a maior idiota do mundo.

-Se você considera diversão quase morrer afogado, ter uma faca apontada para o meu pescoço, ser capturado por mercadores de escravos e não conseguir ser vendido...

-Tudo bem, já entendi.

-Ah, claro, fora o fato de ter sido sequestrado por minha prima num navio com piratas que me trouxeram a força para esse lugar, você já foi lá embaixo? Parece um zoológico! - ele se afastou sem olhar para onde ia e ao virar esbarrou em Caspian.

-Foi mesmo? - perguntou ele, encarando o loiro com o cabelo preso para trás, uma pose confiante e de certa forma ameaçadora.

-Me trouxeram contra a minha vontade! - afirmou Eustáquio.

-Achei que tínhamos salvado sua vida. - Caspian ergueu as sobrancelhas.

-Que seja! Vocês pelos menos poderiam ter procurado o cônsul britânico para me mandar de volta para casa! Cansei disso! Cansei disso tudo! - ele saiu falando sozinho. Caspian suspirou e ao olhar para mim, cruzou os braços.

-Não falei para você descansar?

-Desculpe, majestade, mas eu não estou cansada. - sorri.

-Não me chame de majestade. - pediu ele.

-Por que, majestade? - provoquei “inocentemente”. Caspian segurou o riso.

-Por que eu sou um pirata mau e vou fazer você andar na prancha. - brincou. Nós rimos.

-Sim senhor, majestade. - bati continência. Ele me encarou.

[…]

O sol já se punha e eu estava deitada na cama, esperando o sono vir. Só ouvia o som do mar e sentia o suave balanço do navio, quando escutei uma batida discreta na porta.

-Pode entrar. - respondi baixo.

-Acordei você? - ouvi a voz de Caspian logo em seguida do som baixo da porta se fechando em algum lugar do ambiente escurecido.

-Não – sussurrei. - Eu não estava dormindo. Sentei na cama com as pernas embrulhadas. Caspian sentou na beira da mesma. Um breve silêncio.

-Está sem sono também? - perguntei.

-Um pouco, mas não consigo dormir com Travos e Eustáquio roncando. - nós rimos baixo. - Então vim ver se você estava acordada para termos um momento de paz sem que Drinian apareça para nos interromper. - disse ele me fazendo rir de novo, me sentindo um pouco nervosa com a situação em que me encontrava, sozinha com Caspian, a noite, em um quarto escuro... Tudo bem, talvez fosse bobeira minha, sei que Caspian jamais me desrespeitaria, mas o problema não era esse e sim o que eu iria fazer, e não sei se conseguiria me controlar se a situação fugir do controle...

-Se importe se eu ficar aqui? - perguntou ele, um pouco receoso.

-Não, claro que não. - respondi.

-Não quero parecer desrespeitoso... - acrescentou.

-Não tem problema, Caspian – falei, segurando sua mão. - Quero que fique aqui... - sussurrei mais baixo ainda.

Ele mordeu o lábio inferior antes de se chegar para mais perto de mim, embrulhando-se, voltei a me deitar, assim como ele. Ficamos um de frente para o outro, a princípio em silêncio, mergulhando nos olhos um do outro. Não pude evitar minhas bochechas de arderem a medida que eu via nos olhos dele tanta admiração e amor. Ele sorriu assim que fiquei vermelha, e me perguntei como ele conseguiu ver. A ponta de seus dedos tocaram minha face rubra.

-Você é linda, Su... - ele sussurrou, o suficiente para eu ficar mais vermelha.

-Não vale me fazer corar... - falei. Caspian sorriu, chegando mais perto de mim.

-Como você está? - perguntou ele.

-Deitada? - brinquei, Caspian deu um sorriso torto. - Estou bem... Você não devia se preocupar tanto comigo.

-Se eu não ficar preocupado com você e seu bem estar com o que vou me preocupar? - questionou divertido.

-Simples, não se preocupe.

-Eu sou um Rei, tenho que me preocupar com alguma coisa! - alegou me fazendo rir, mas logo esse riso foi passando quando uma certa apreensão começou a me incomodar.

-Talvez com o que Drinian disse a você hoje... - falei. Caspian me olhou e lambeu os lábios antes de responder.

-Com isso você não precisa se preocupar. - desconversou.

-Eu sei que é algo importante. - insisti. - Por que você não me diz o que é?

-Por que não quero preocupar você com isso.

-Sabe que eu vou descobrir mais cedo ou mais tarde. - ergui as sobrancelhas. Ele hesitou.

-Bem, estamos em águas perigosas a partir de agora... - começou ele. - Drinian me alertou sobre a possível presença de piratas... E serpentes marinhas.

-Serpentes marinhas?! - por um curto período de tempo, senti meu coração parar.

-Mas são apenas histórias. - disse Caspian, tentando não me amedrontar.

-Nativos narnianos eram apenas histórias alguns anos atrás. - retruquei. Caspian me envolveu e seus braços, puxando-me para mais perto dele, acolhendo-me num abraço quente e confortável.

-Nesse caso, eu protejo você. - sussurrou. Em resposta, passei meus braços ao redor seu corpo, deitando a cabeça em seu peito, sentindo seu aroma delicioso; não era perfume, era seu cheiro natural que me fazia sentir me casa e aprofundava a vontade de nunca sair dali.

Senti Caspian beijar o alto de minha cabeça, fechei os olhos, respirando lentamente, inalando seu perfume. Foi só fechar os olhos que o sono pesou, travei uma breve luta contra ele, não queria perder nenhum segundo daquele momento entre nós dois. Ele deu outro beijo em minha cabeça enquanto seus dedos afastavam o cabelo de meu rosto. Foi inútil tentar lutar, o sono e o cansaço acabou me vencendo e eu adormeci nos braços de Caspian.

Acordei no meio da noite após um sonho estranho do qual não conseguia me lembrar. Assim que consegui absorver a informação de que estava acordada, percebi que Caspian não estava mais deitado ali. Olhei em volta e o vi na varanda da cabine, debruçado no parapeito. Joguei o lençol para o lado e levantei, caminhando descalça pelo chão frio de madeira até ele.

-Oi... - sussurrei tocando seu ombro nu e parando ao seu lado, sentindo o vento frio da noite acinzentada próximo ao amanhecer.

-Oi. - ele sorriu de leve. - Perdeu o sono?

-Tive um sonho estranho... - dei de ombros. Ele apenas assentiu, envolvendo minha cintura com os braços e puxando-me contra si delicadamente, prendendo-me num abraço carinhoso. Silêncio por incontáveis minutos enquanto observávamos o mar que o Peregrino deixava para trás, sentindo o vento e escutando o silêncio. Até que Caspian deu um riso fraco. - O que foi...? - perguntei a ele.

-Nada... - olhei-o e ele prosseguiu. - Esse momento, nós dois, juntos desse jeito, olhando o mar, perto do amanhecer... Não sei quantas vezes sonhei com um momento assim.

Eu sorri.

-E nos seus sonhos até onde ficávamos assim?

-Até ficarmos velhinhos.

O assunto ficou por ali quando Caspian se inclinou para mim e beijou-me suavemente.

Após aquele beijo terno e cheio de significados, permanecemos mais um tempo na varanda até que o frio aumentou e voltamos para dentro da cabine, fechando a porta da varanda. Não faltava muito para o amanhecer, nós nos deitamos novamente, cobertos pelo lençol quente, abraçados, onde permanecemos pensativos, trocando beijos carinhosos e carícias tímidas, em silêncio, ouvindo a respiração um do outro.