Mar de Lírios

Raízes de Alegria.


“Cause even the stars, they burn

Some even fall to the Earth

We got a lot to learn

God knows we’re worth it

I won't give up”

— I won't give up, Jason Mraz

Alguns homens se preparavam para os serviços, outros estavam com Caspian e Drinian, observando o céu na direção da praia. No amanhecer, quando a maior parte das estrelas estava sumindo, finalmente, brilhando forte e encantadora, lá estava ela: a Estrela Azul.

—Esta é a nossa deixa, homens! – anunciou Drinian, para todos. – Partiremos assim que tudo estiver pronto!

A movimentação foi instantânea, cada um buscando seus afazeres para agilizar os últimos detalhes para o embarque, movidos por nova animação. Aos poucos, o céu foi tomado pelo laranja dourado do amanhecer, banhando tudo em ouro. Caminhei por entre aquela agitação em direção a praia, um hábito criado ultimamente. Como de costume, encontrei Eustáquio ainda deitado na areia, observando o horizonte e o sol nascente. A visão do céu era ainda mais incrível dali. Dourado, roxo, rosa. E o azul da estrela.

Caminhei até sentar ao lado dele, que soltou um grunhido tranquilo.

—Bom dia, Eustáquio. Está se sentindo melhor hoje?

Ele bufou em resposta, maneando a cabeça, indicando que estava um pouco melhor. Sorri de leve.

—Isso é muito bom.

Ele voltou seu olhar para mim, a interrogação expressa em seus olhos. Senti aquela necessidade de conversar, de contar o que se havia sucedido na noite anterior, os rumos novos que as coisas tomavam agora. Normalmente teria corrido para Lúcia para contar e assim passarmos horas conversando, mas naquele momento, Eustáquio era minha única família ali, e ver o interesse em seus olhos foi deveras reconfortante.

—Estou bem – contei, e foi impossível conter o sorriso. - Muito bem para falar a verdade.

A curiosidade percorreu seu rosto numa expressão óbvia até para um dragão.

—Quer mesmo saber? – provoquei. Ele balançou a cabeça avidamente em resposta. – Sabe, você já deve ter percebido que meus irmãos e eu conhecemos Caspian há alguns anos...

Comecei a contar-lhe devagar, não por que achasse que seria uma grande surpresa para Eustáquio, mas para aproveitar a história e as lembranças que vinham com ela, além de ter certeza de que ele compreenderia tudo. Meu primo ouviu com atenção e, de fato, surpresa não passou por seus olhos. Exceto, é claro quando concluí.

—Passei os últimos tempos acreditando que não o veria de novo e quando Aslam me permitiu voltar, eu sabia, sabia lá fundo que era o tempo que tanto desejei quando tive que partir. Mesmo que, por um momento, duvidei de que seria essa chance, enfim – pausei por um breve instante, contemplando a tristeza do meu lado com pouca fé. Uma brisa suave soprou. – Ontem à noite, Caspian me pediu em casamento.

Eustáquio grunhiu, empertigando-se, os olhos arregalados. Sorri de leve.

—Queria que você soubesse. E que pudesse dizer o que acha.

Ele grunhiu, uma leveza e um brilho tranquilo percorreram seus olhos. Toquei seu focinho e um som de passos na areia somou ao estrondo vindo da barriga de Eustáquio. Eu ri.

—Parece que cheguei na hora certa – Caspian falou. Eustáquio e eu nos levantamos, encontrando-o parado alguns passos atrás de nós – O café da manhã já vai sair.

—Certo – disse, olhando para Eustáquio novamente e notando-o meio agitado, seus olhos saltavam de mim para Caspian.

Meu primo exprimiu o que pareceu uma despedida enquanto abria as asas e preparava-se para levantar voo, mas antes de ir, deixou sua resposta. Com a delicadeza que lhe cabia, e um grunhido esquisito, enfiou o focinho em minhas costas, empurrando-me na direção de Caspian. Tropecei pela areia até conseguir um amparo nos braços de Caspian, ao passo que Eustáquio já voava longe. Ergui-me com calma, tentando recuperar a compostura e mordendo os lábios para não rir.

—O que foi isso? – Caspian esforçava-se para não rir também.

—Acho que foi uma aprovação – comentei, atraindo o olhar de Caspian. Não precisei comentar mais nada para que ele entendesse e abrisse um sorriso.

—Sendo assim, acho que já posso encarregar Drinian de uma pequena cerimônia.

Fui incapaz de responder, apenas o encarei surpresa.

Caspian deu de ombros.

—Todos estão ansiosos para partir, mas acho que não se oporão a adiar por mais um dia, ao menos por uma boa causa.

—Um dia... – repeti, tentando acompanhar o que dizia.

—É claro que como capitão, Drinian possuiria autoridade completa em outras circunstâncias, mas como se trata de nós e há toda a etiqueta real, a autoridade dele se limitaria ao mar. Quando regressarmos a Nárnia teremos que passar por todos os protocolos exigidos para que nossa união seja reconhecida oficialmente...

—Caspian, você está pensando em...

—Majestade – ele me interrompeu, de propósito, como se eu não houvesse dito nada. Com um sorriso brando e um olhar determinado e caloroso, ele continuou: - Aceita se casar comigo hoje?

[...]

—Homens! Amigos! - Caspian chamou alto, assim que retornamos ao acampamento, à medida que avançamos para o meio do espaço. Todos foram, aos poucos, interrompendo o desjejum para observarem atentos o que seu rei tinha a dizer, curiosos. - Houve uma mudança em nossos planos.

Um burburinho começou, mas sem ganhar forças, a confusão e a preocupação percorrendo alguns rostos. Drinian ergueu-se e se aproximou de nós dois. Não era surpresa que se preocupassem ou coisa parecida, todos desejavam partir há bastante tempo.

—O que quer dizer, majestade? Pensei que estivesse tudo pronto. - comentou. Caspian sorriu, cumprimento-o com um aperto no ombro.

—Não há motivo para preocupações - continuou Caspian, alto para que todos ouvissem. Segurei uma mão na outra, aguardando que ele continuasse, agora olhando para todos a sua volta - No entanto, precisaremos adiar nossa partida. Mas ouçam com atenção, são boas notícias! – pausou, por um breve segundo. - É uma alegria para mim ter cada um de vocês nesta jornada, e uma honra poder lhes dizer, com a graça de Aslam, que Nárnia e Telmar enfim terão sua rainha.

Seus olhos pararam em mim, tão intensos quanto na noite anterior em que fez o pedido. Eu sorri para ele, sentindo as raízes de alegria arraigando-se em meu ser enquanto Caspian caminhava até parar ao meu lado.

—Ora essa! – exclamou Rip, bem aos pés de Drinian, olhando-nos deslumbrado. – Está falando de um casamento, Alteza?!

—Estamos, Rip – falei, ele recuou alguns passos como se tivesse sido atingido com força por uma tremenda euforia. Os homens ouviam atentos e começavam a se pôr de pé. Um pouco boquiaberto, Ripchip ficou em silêncio o suficiente para que Caspian emendasse outra frase, para Drinian.

—Ficaria muito feliz se pudesse nos conceder essa honra, meu amigo.

Quase imperceptivelmente, um brilho novo banhou os olhos de Drinian e instigou sua postura de forma solene, fazendo os cantos de seus lábios se curvarem levemente para cima num recatado e discreto sorriso. Com um aceno de cabeça em silêncio, Drinian demonstrou toda sua reverência e sinceridade. Ao erguer a cabeça, sem tirar os olhos de Caspian, se pronunciou em bom som.

—Homens! Deixaremos esta ilha amanhã! Há um casamento para ser realizado!

Então aconteceu. O brado contido dos marinheiros veio a tona em uma onda impactante, em pura euforia. Abraçavam-se e riam e pulavam e batiam palmas. Ri junto e entrelacei meus dedos ainda mais aos de Caspian, trocando um olhar com ele. Vi aquela mesma alegria no fundo de sua alma e soube, outra vez, onde queria estar.

A partir dali o dia foi uma agitada loucura. Drinian começou a lançar ordens para todos, separando um pequeno grupo para providenciar comida e tudo o que fosse necessário para esta tarde. Nos puxou para um canto e nos contou, em suas discretas palavras, como se sentia grato por confiarmos a ele esta autoridade. Discutimos brevemente o que seria feito, por que certamente nenhum homem ali deixaria passar em branco a celebração de casamento de seus reis.

Ficou decidido que, como fazia bom tempo, Drinian celebraria nosso casamente no fim da tarde, pois era tempo suficiente para que a comida ficasse pronta. Seria na praia, para que Eustáquio pudesse estar presente. Enquanto isso, nos concentramos no processo de nos preparar para zarpar no dia seguinte. Havia um clima novo e vibrante em todo o acampamento. Por mais que não me sentisse como tal, sabia que para eles era motivo de festa estar presente no casamento de seus reis, um privilégio, e nada me deixava mais honrada.

No decorrer da manhã, cheia de afazeres, quase não pude me dar conta de quão rápido as coisas avançaram. Não muito mais que semanas atrás Caspian e eu mal conseguíamos nos livrar da dificuldade imensa de nos vermos com frequência, especialmente depois dos efeitos do feitiço. É claro que não significava que não queríamos, no entanto era uma questão delicada e eu preferia não pensar muito se de fato a estávamos resolvendo. Porque, querendo ou não, boa parte de tudo cabia a um futuro que não conhecíamos e muito menos controlávamos. O que quer que viesse, viria com a permissão de Aslam e lidaríamos com isso. Era importante demais viver o tempo que nos foi concedido dessa vez, e não cometer o mesmo erro novamente.

Era uma decisão arriscada para meus padrões, mas optei por ela. Pelo risco, pela primeira vez, e me senti livre. O medo e a insegurança que pensei que viriam não vieram. Na verdade, houve esperança. E, quando dei por mim, já estava quase no meio da tarde. O banho de rio ajudou a melhorar aquela aura de paz, tranquilidade e harmonia que inundou o dia de hoje. O bosque sempre tão quieto e silencioso, já não parecia tão sombrio ou hostil.

Troquei a roupa que usava por uma camisa branca, que era o mais perto de roupa de noiva que chegaria. Mas era apenas um detalhe pequeno. Terminava de pentear o cabelo quando Ripchip chamou da entrada, pedindo para entrar. Quando lhe respondi, ele adentrou, puxando um embrulho grande de tecido púrpura.

—Com sua licença, Majestade – disse ele, levemente ofegante. – Trouxe este pequeno presente para este dia!

Apressei-me em pegar o embrulho, com um sorriso espalhando-se por meu rosto e um calor aquecendo o peito. Todos estavam se empenhando como podiam para aquele dia, tornando-o especial mesmo com todas as nossas limitações.

—Rip, eu não sei como agradecer tudo o que você e os outros estão fazendo por nós hoje.

—Ora, alteza, é simples! Apenas receba de todo seu coração. É uma alegria imensa para nós, e uma honra – fez uma elegante reverência.

—É mais perfeito do que eu poderia pedir – confessei. Ele sorriu, olhando-me com olhos brilhantes.

—Espero que lhe sirvam bem – comentou, indicando o tecido em minhas mãos, e rio, dando de ombros. - Não tiramos medidas para não estragar a surpresa.

Sorri mais.

—Obrigada, Rip.

—Vou deixá-la à vontade, Majestade. Nos vemos daqui a pouco - dirigiu-se à saída depois que assenti, mas lançou-me um último olhar brilhante, entusiasmado e alegre antes de sair.

Desdobrei o tecido com cuidado, encontrando uma coroa de galhos delicados, trançados com heras e enriquecidos com minúsculas e coloridas flores silvestres, que parecia que iria se desmanchar ao menor toque quando, pelo contrário, era resistente e duradoura. Coloquei-a sobre a cama mordendo o lábio inferior, encantada com o trabalho primoroso de quem a fez.

Então abri o tecido completamente. Pesado e em tom purpúreo, eu o conhecia bem, era o mesmo usado para as velas do navio. Aquele, em especial, havia sido talhado para ser um manto. Sorri, jogando-o por cima dos ombros e atando o laço em volta do pescoço. A cor púrpura contrastou com a branca da camisa, a preta da calça e o rosado das bochechas causados pelo sol. Apanhei a coroa com flores e ajustei-a sobre os cabelos soltos, já maiores.

Carreguei a parte longa do manto por todo o caminho depois de sair da tenda. O acampamento estava silencioso e deserto enquanto a luz dourada do início do pôr-do-sol banhava todo o ambiente sob o céu azul. Todos já deviam estar na praia e foi para lá que segui. Caminhei por entre as rochas na trilha já marcada pelo uso constante e, a princípio, minha visão foi ofuscada pela luz do sol assim que cheguei à praia.

Sequer doeu ou incomodou. Na verdade, tocou minha pele de maneira terna, como um cumprimento muito bem-vindo. À medida que fui identificando as formas sobre a areia, notei que de fato todos estavam ali. A silhueta de Eustáquio destacava-se em um ponto mais afastado, a frente dele concentravam-se todos os marinheiros, mas meus olhos foram atraídos para perto de meu primo. Caspian usava um manto igual ao meu e conversava com Drinian.

Sei que somente alguns segundos se passaram, lentos como várias horas, enquanto fiquei de pé ali. O mar reluzia, o verde das árvores e os tons terrosos e cinzentos das montanhas nunca pareceram tão vívidos. O céu manchava-se de roxo, rosa e laranja e tudo era banhado pelo dourado intenso, como a juba do próprio Leão. O ar só voltou aos meus pulmões quando Caspian pousou os olhos em mim. Mesmo de longe, seu olhar me causou uma reviravolta e uma calmaria que logo assentou paz e avivou ainda mais a alegria dentro de mim.

Nunca sonhei com algo tão bom quanto aquele passo da história estava sendo. Nunca estive tão certa. Respirei fundo e soltei o manto, que se espalhou atrás de mim.

Sorri de leve para ele. A partir de Caspian, os olhares pouco a pouco foram virando para mim. As conversas foram interrompidas e um caminho foi aberto entre os marinheiros, para que eu pudesse ir até onde Caspian estava. Sorri para eles enquanto passava, caminhando sobre a areia com tranquilidade ao passo que cada um fazia uma suave e solene reverência. Caspian me acompanhou com o olhar o tempo inteiro e sorriu, assim que o alcancei.

Lancei um olhar para Eustáquio, parado logo atrás de Caspian, com Ripchip sobre sua cabeça. A expressão de meu primo era diferente da que costumava usar, trazia uma expectativa e uma alegria rara de se ver. Podia jurar que estava sorrindo. Drinian estava de pé ao lado de Caspian e me cumprimentou com uma reverência e um sorriso sutil. Caspian ficou a minha frente. Sua mão soltou o punho da espada para pegar as minhas e levá-las aos lábios, entregando um beijo sobre meus dedos sem nunca desviar o olhar. Permanecemos de mãos dadas e os dedos de Caspian envolveram ainda mais as minhas quando Drinian começou a falar, num toque quente e seguro.

Confesso que alguma terminação nervosa em minha mente me lembrava sobre a importância de ouvir as breves e belas palavras de Drinian, mas não consegui. Não consegui desviar os olhos dos de Caspian, dourados pelo sol e tão intensos e profundos que pareciam ver minha alma. Havia tantos sentimentos passando por ali naquele momento, tantas palavras silenciosas e tantos desejos e sonhos que me tiravam o ar. Milhares de lembranças e sofrimentos pouco a pouco desvaneciam na brisa fresca daquele fim de tarde.

Tinha a perfeita consciência de que no exterior estava em plena paz e tranquilidade. Porém sentia o olhar de Caspian em meu âmago, minha pele ficara extremamente sensível ao toque de suas mãos, como se fosse tudo o que eu sempre quis e tudo o que eu precisava ter. Meu coração acelerava ao dar-me conta de que estávamos ligados sob testemunhas ímpares, confirmando o que já havia entre nós há muito, muito tempo. Não haveria outro alguém que ocupasse igual lugar em meu peito. Num reflexo involuntário, entrelacei meus dedos ainda mais aos de Caspian.

—.... a minha benção, enquanto capitão do Peregrino da Alvorada.

Caspian pôs o anel em meu dedo e assim fiz com ele. Um alvoroço maior foi bradado pelos homens. Vivas e urros exultantes nos ensurdeceram e, avançando um passo, com um enorme sorriso, Caspian selou seus lábios nos meus num beijo breve. Eu o retribuí, correspondendo a tudo o que significava. Sua testa tocou a minha e sem soltar minhas mãos, acariciou meu rosto com a mão livre. Ele sorria e sabia que um reflexo daquele sorriso estava em meu rosto.

O som da música começou e alguns se espalharam para dançar ao passo que outros vieram nos cumprimentar. Ouvíamos a voz de Ripchip de longe e os grunhidos de Eustáquio também. Conforme a noite foi caindo, uma enorme fogueira foi acesa por ele, que ficou visivelmente feliz com seu desempenho, sendo cumprimentado por quem estava perto. Havia muita carne e vinho, do que restara, todos haviam concordado de que era a hora certa para usá-lo. A música animada seguiu noite a dentro com danças, cantorias e muitos festejos

Eu sabia que eles haviam se empenhado por cada singelo detalhe e eu não poderia estar mais grata. Caspian e eu comemos, brindamos e dançamos com nossos amigos, uma diversão plena que mandou para longe as pessoas de rei e rainha, deixando apenas nós. Nós dois, comemorando com amigos a nossa união. Perante os protocolos reais, não era oficial, mas ali nada disso importava, nada era mais suficiente.

Quando a noite avançava e o vinho começava a fazer efeito, Caspian discretamente me chamou. O vigia do navio havia vindo à terra para a celebração e, como em seus informes diários e dos que o rendiam vez ou outra, nenhum navio ou qualquer tipo de movimentação foi vista nas redondezas em todo este tempo que estamos aqui. Por isso, foi considerado seguro que nós fossemos passar a noite no navio. Sem interromper a festa ou chamar qualquer atenção, Caspian guiou o bote pequeno em direção ao Peregrino, nos levando para a calmaria do mar e o silêncio da noite estrelada.

O pouco vinho que tomara já garantira um rubor a mais no rosto, tinha certeza disso embora estivesse bem longe de qualquer embriaguez. Falamos sobre a bela noite por todo o caminho, e quando alcançamos o navio, Caspian prendeu o bote como deveria e deu-me passagem para subir primeiro pela escada de corda. Pisar no convés quieto era um tanto reconfortante, afinal, o Peregrino tornara-se nossa casa e estava afastada dele há boas semanas. O cheiro de tinta ainda era forte devido aos reparos recentes, que foram primorosos, devo ressaltar. Quem via a estrutura daquela forma jamais imaginaria que o mastro havia se partido e que o navio quase naufragara.

Caspian parou atrás de mim quando subiu, virei-me para ele e comentei:

—Está como novo!

Ele concordou.

—Sim - segurou-me as mãos, aproximando-se mais. - E ele terá o privilégio de conduzir a nova rainha de Telmar. - Sorri ao passo que ele se inclinou até beijar-me docemente, Caspian sussurrou: - Fizemos algumas alterações na cabine para você, venha.

Sem me dar tempo de expressar qualquer reação, ele me conduziu até a cabine principal. Seu interior estava impecável e poucas coisas haviam mudado, a não ser pela presença de um novo armário com duas portas, bem ao pé da cama. Caspian explicou que achou que um armário seria mais confortável para organizar minhas coisas do que outro baú, como o dele, já que precisávamos organizar as roupas dele e as roupas dele que eu ajustara para mim. Sorri e agradeci. Certamente seria e eu não havia pensado nisso.

Então, ele me mostrou outra alteração, uma que passara despercebida por mim. Logo abaixo de uma janela, estava uma mesa nova, pequena, individual, e cujo tampo era inclinado, próprio para desenho. Olhei da mesa para Caspian e ele sorriu ainda mais com o que quer que viu em meu rosto.

—Caspian, é linda...!

Toquei a madeira lustrada da mesa, entalhada em delicados desenhos nas laterais e nos pés.

—Esta – disse ele, se aproximando – É um presente.

Sorri para ele outra vez.

—Eu adorei – garanti, sincera – É perfeita.

—Fico feliz. E tenho certeza que Rince e Drumus também ficarão ao saber.

Eu ri e toquei seu braço, olhando em seus olhos.

—Obrigada, Caspian. De verdade.

Ele se inclinou até me dar um beijo carinhoso nos lábios.

—Acho que agora pode me chamar de algo melhor que Caspian. Algo como Meu Bem, Querido, Meu Amado Rei...

Ri alto e o beijei de volta.

—Como quiser, Meu Rei...

Os braços dele envolveram minha cintura, colando-me ao seu corpo. Aprofundamos o beijo ao passo que cruzei meus braços em volta de seu pescoço. Caspian logo subia e descia suas mãos por minhas costas, mergulhei meus dedos em seus cabelos, beijando-o com uma liberdade maior do que a que eu costumava me dar, como na noite anterior, sob as estrelas. Aquele calor era abanado novamente e eu já podia sentir seus sinais surgindo, despertando.

Caspian me fez recuar devagar até estar entre ele e a mesa principal. Suas mãos estavam em meus quadris quando a coroa de flores caiu sobre a mesa. Uma distração que nos fez interromper o beijo. Lancei um breve olhar para ela, certificando-me de que não se despedaçara. Aproveitando essa oportunidade, os lábios de Caspian tocaram meu pescoço, trazendo minha atenção de volta para si. Fechei os olhos, sentindo o toque morno e os arrepios que causava. Suas mãos subiram por minha cintura, costas e ombros até encontrarem o laço que prendia o manto e desfazê-lo, largando-o sobre a mesa.

—Você está linda – sussurrou, tocando meu rosto – Quando eu a vi chegar à praia - beijou-me a face – Era como se não houvesse mais ninguém ali – beijou meu queixo – E quando estava perto de mim – beijou meu pescoço, subindo para perto da orelha – Com a luz do pôr-do-sol, parecia feita de cristal, parecia não ser de verdade – a pressão suave e firme de seus lábios contra minha pele me fez suspirar – Seus olhos – a respiração quente se espalhou pela base da orelha, causando um arrepio discreto – São os mais belos que já vi, mas hoje... - beijou-me o pescoço outra vez, descendo em direção à clavícula, e busquei apoio em seus ombros. – Hoje estavam surreais – beijou a curva do pescoço, demoradamente.

Mal podia respirar quando Caspian recuperou a postura, colando seu corpo ao meu. Tão de perto, seu porte o fazia mais imponente em contraste a mim. Seu olhar e sua expressão estavam diferentes, intensos e penetrantes como estiveram no monte. Ele apoiou-se na mesa ao se inclinar e tomar meus lábios outra vez, com a mesma urgência latente que se apossava de mim. Roubou meu fôlego e parte do equilíbrio que me restara.

Tirei o seu manto com a coordenação que me restava. O pano caiu no chão com um som abafado e eu deslizei para cima da mesa, sentando na beira e trazendo Caspian para mim, envolvendo-o com minhas pernas. O contato mais íntimo me fez estremecer, puxando-me como um ímã. Toda a conexão interrompida na última noite estava sendo retomada automaticamente. O beijo que sequer fora quebrado, agora era voraz. Sentia meus lábios arderem levemente em meio a dança de línguas que empertigava meu corpo inteiro. Minha mão livre percorria os ombros, costas e braços de Caspian, sentindo cada relevo dos músculos tensionados. Seu toque subia por minha coxa e quadril, afundando na curva da cintura. Eu arfei quando o beijo cessou para que ele tomasse outra vez os rumos sensíveis do pescoço.

Enquanto me distraía ali, Caspian soltava meu cinto. Em segundos, o couro caiu sobre a madeira da mesa, ao mesmo tempo que senti a calça afrouxar e descer, só não escorrendo pelas pernas pelo motivo de eu estar sentada. Afastei-me o suficiente para olhá-lo nos olhos. Corei um pouco, mas não desviei o olhar enquanto me vingava, tirando-lhe o seu cinto. Caspian não se moveu um centímetro para longe, tão perto que eu podia sentir sua respiração descompassada contra meu rosto. Soltei seu cinto no chão, liberando a camisa que comecei a puxar para cima, até que ele a tirasse. Meu fôlego falhou brevemente, o brilho dourado das chamas acentuavam as sombras e elevações do dorso, ressaltando as linhas formadas por cada músculo.

Caspian puxou minhas botas, largando-as no chão, antes de se inclinar até mim outra vez, retomando o beijo. O contato de seu dorso nu contra minhas mãos quase as queimou, seu calor irradiando até mim. Seus dedos mergulharam em meu cabelo e eu o abracei mais, Caspian aceitou, pressionando seu corpo contra o meu, fazendo com que sentisse o centro pulsante de todo calor que emanava dele. Minha respiração estava acelerada, meu coração vacilante batia mais rápido a cada novo estímulo. De repente, a cabine pareceu pequena demais, fechada e abafada demais.

Eu o afastei com as mãos tocando seu peito, conduzindo-o, para descer da mesa, sem interromper o beijo. Minhas calças deslizaram livremente até o chão e eu apenas as empurrei para o lado com o pé, ficando apenas com a camisa longa. Sentindo as pernas livres, notei Caspian me conduzindo até a cama com as mãos firmes em minha cintura. Então, num ímpeto, interrompi o beijo, fazendo-o parar. Não sei dizer quantas vezes a possibilidade daquele momento havia passado por minha mente nos últimos anos, mas em nenhuma imaginei que meu corpo arderia tanto, inflamaria tanto, e ao mesmo tempo se refrescaria e se banharia com aquelas sensações. Nunca tinha me sentido tão livre, tão ousada e tão apaixonada. Isso só aumentava a falta de pudor exclusiva daquela união.

O olhar sedento e levemente intrigado de Caspian pairou sobre mim. Mordi o lábio e levei minhas mãos até o laço na gola da camisa, desfazendo-o. Um belo brilho de desejo e admiração passou pelos olhos de Caspian quando soltei o laço e empurrei o tecido de cima dos ombros. A sensação do algodão deslizando por meu corpo contrastou bruscamente com a de estar completamente nua no segundo seguinte. O olhar de Caspian queimava em minha pele, fazendo-me sentir a criatura mais bela e desejada. Meu corpo inteiro enlouqueceu.

Caspian se aproximou um segundo depois, tomando meus lábios vorazmente, suas mãos ávidas foram de encontro a minha pele, em brasa. Começando pela cintura, costas, descendo e acariciando meus quadris e então subindo pela barriga até se encaixar no seio esquerdo. Meus joelhos fraquejaram e eu arfei, agarrando-me ao seu braço. Seus beijos retornaram ao meu pescoço, explorando o máximo que conseguia ao passo que a carícia em meu seio avançava. Gemi de leve. Caspian deixou meu seio, me beijou outra vez, demorada e intensamente. Usando as mãos, tentei trazê-lo para mais perto de mim, para satisfazer a ânsia de ter sua pele na minha, mas percebi que seu braço direito impedia esse fim, pois se ocupara com o nó da calça.

Estremeci, sentindo meu corpo tensionar. Em movimento rápidos e eficazes, ele se livrou da calça e puxou-me contra si. O contato nu me arrancou um arfar mais alto, ateando fogo e umidade em meu corpo. Cada toque de Caspian parecia ter o efeito de sensibilizar meu corpo ainda mais. Acaricie suas costas, ombros, braços, quadril, sentindo o calor se tornar um só. Ele se abaixou, passando um dos braços por trás de meus joelhos e erguendo-me no colo. Com os olhos no meu a todo instante, deitou-me sobre a cama confortavelmente. O recebi sobre mim, envolvendo seu corpo com minhas pernas. Ele se acomodou e arfou quando sua intimidade tocou a minha. Eu gemi, arqueando as costas institivamente.

Porém, ele adiou. Inclinando-se sobre mim e beijando meus lábios, trilhando um caminho pelo pescoço, colo e descendo até meu seio. O toque de seus lábios e língua contra minha pele sensível causou uma onda de choque por todo meu corpo. Levei minha mão para seu cabelo, estimulando-o a continuar. Meu ofegar ficava cada vez mais acelerado, a certeza de que iria desfalecer se tornava mais próxima, embora fosse a última coisa que queria naquele momento. Contra minha vontade, Caspian interrompeu o que fazia e subiu. Seu rosto pairava sobre o meu no primeiro movimento. Agarrei-me as suas costas ouvindo meu corpo gritar por ele e não demorou para que eu o sentisse por inteiro.

—Caspian...!

Recebi um beijo em resposta ao meu débil chamado. Um beijo rápido e intenso que me transmitiu toda a tensão que se apossava de seu corpo. Ele logo se moveu outra vez, e outra e outra, até mergulharmos no frenesi ardente que inundou meus sentidos com o puro desejo e prazer. Não havia mais nada no mundo, nada além dos limites daquela cama. Nada no passado, ou no futuro, havia apenas aquele tsunami de fogo que explodia em meu corpo, arrancando-nos gemidos ofegantes cada vez mais altos.

Sua respiração arquejante sussurrava meu nome ao pé do ouvido, a voz rouca e pesada. Respirar, para mim, não era suficiente e foi menos ainda quando Caspian moveu-se mais uma série de vezes, com intervalos mais curtos. No penúltimo movimento, meu corpo inteiro pareceu se desmanchar numa onda alucinante e devastadora de prazer que impulsionou minhas costas a arquearem. Minha voz soou alta e descompassada, agarrando-me a ele como se fosse afundar. Caspian estremeceu sobre mim, acompanhando-me logo em seguida.

Após algum tempo, o silêncio predominou embalado pelo som ainda ofegante de nossa respiração. Caspian deitou-se ao meu lado, puxando-me para seus braços e nos cobrindo com o lençol. Repousei a cabeça sobre seu ombro. Seus dedos desenhavam traços incertos em meu braço enquanto o vento suave trazia, bem longe, o ruído da festa que seguia na praia. Ficamos em silêncio por um bom tempo, acariciei seu peito com as pontas dos dedos e Caspian brincou com meu anel quando parei, inebriada por seu cheiro. Observei o gesto por trás de quase sonolentas piscadas.

—Coriakin disse que foram feitos de uma rocha que caiu do céu na sua ilha – sussurrou. – Ele me entregou por sua causa. De alguma forma, ele sabia o que viria – fez uma pausa. – Desde então eu os trazia comigo, esperando o momento certo.

Aguardei que ele continuasse.

—Mesmo depois do que vimos com o feitiço, de todas as incertezas, eu sabia que deveria fazer alguma coisa, não poderia só esperar como da última vez... Não me conformaria se fosse assim, não teria paz.

Ainda haviam incertezas. Muitas, na verdade. E mesmo que eu tenha tido resistência quanto ao destino indicado, ou a tentar mudá-lo, estava grata por ter aceitado o ponto de vista de Caspian. Eu também não teria paz. Beijei seu ombro e me ergui para olhá-lo nos olhos.

—Ainda bem que foi assim.

A mão que mexia no anel tocou a lateral de meu rosto, e nos encontramos no meio do caminho em um beijo terno e demorado. Um detalhe voltou a minha mente e aproveitei a breve pausa para comentar.

—Você ainda não me disse porque o seu anel é diferente.

Caspian lambeu os lábios, e sorriu de lado.

—Acho que podemos falar sobre isso depois.

Roubando-me o fôlego outra vez e provocando o calor que mal havia abrandado, Caspian retomou o beijo.

“Through the hourglass I saw you

In time you slipped away

When the mirror crashed I called you

And turned to hear you say

If only for today

I am unafraid”

— Take My Breath Away, Berlin