Mar de Lírios

Por Décadas ou Por Alguns Meses.


"And love is a funny thing

It's making my blood flow with energy

And it's like an awakened dream

Is what I've been wishing for, is happening

And it's right on time"

Love Someone, Jason Mraz.

—É o lago.

Caspian lançou-me um olhar intrigado e se aproximou.

—Veja, no fundo – indiquei. Senti o leve arfar emitido por ele. O dourado ofuscante cintilava na água cristalina. - Parece feito de ouro. Como foi parar ali?

—Deve ter caído lá dentro. Com certeza não sabia do perigo – falou, o olhei intrigada e ele se agachou, apoiando-se nas pedras da beirada. Longe, a cabra soou perdida. Caspian apanhou um galho seco e apontou com ele para a estátua. - É o brasão de Lorde Restimar.

Prendi a respiração. Os detalhes de ouro pareceram saltar, os fios de cabelo, a expressão de dor, pela juba do leão! Caspian tocou a ponta do galho na água e com um silvo baixo, o dourado ouro tomou conta de toda sua extensão. Rapidamente, Caspian o largou no chão, pesado como ouro maciço. O calafrio que percorreu meu corpo foi mais um aviso do perigo que emanava daquele lugar. Infelizmente, teríamos que encará-lo por mais algum tempo.

—Vamos pegar a espada e sair logo daqui – pedi. A cabra baliu novamente, como um lembrete de que ainda estava ali.

—Eu posso pegar a espada – disse Caspian, sério, com os olhos fixos no lago. Havia algo diferente em sua expressão.

—Caspian, você está bem?

—Hmhm - murmurou ele, olhou para mim rapidamente. - Você pode lidar com a cabra?

Hesitei em responder de imediato, a sensação, o cheiro da magia continuava intenso, nos seduzindo. Não queria deixá-lo só, mas por fim, assenti uma única vez. Caspian desatou a corda envolta em seu corpo e estendeu-a a mim. Aquela expressão estranha no olhar persistia, começando a me incomodar. A magia ali era intensa, e qualquer um alheio a ela, sozinho, não tinha muitas vantagens. Lorde Restimar poderia explicar isso como ninguém.

—Posso, mas – hesitei, calculando as palavras certas. - Não queria deixá-lo sozinho aqui.

Ele olhou-me rapidamente e logo levou sua atenção de volta ao lago.

—Está tudo bem. De alguma forma as espadas não são afetas pela água, vê ali?

Assenti uma vez. A de Lorde Restimar estava ao lado de seu corpo, intacta. Ainda assim, era inanimada, diferente de seu dono. Uma apreensão começou a se formar em meu peito. Caspian notou minha hesitação quando estendi a mão para pegar a corda e repetiu:

—Está tudo bem.

—Esse lugar é perigoso.

—Su, sou capaz disso, você devia saber. Não estamos em uma guerra - cortou.

Respirei fundo, notando a nuance de acidez em sua voz, um claro efeito do ambiente. Hesitei decidindo se deveria contestá-lo ou não, mas desisti ao perceber que um desentendimento só pioraria as coisas, ainda mais com o efeito da magia ali. Torci para que nada acontecesse quando dei as costas e fui em direção a cabra.

Mantive os ouvidos atentos a qualquer alteração vinda da direção do lago e, felizmente, foi fácil achá-la e prender a corda em seu pescoço para conduzi-la de volta. Pelo trabalho que deu nos fazendo persegui-la, quase havia se rendido quando a encontrei, sem qualquer nova tentativa de fuga ou resistência. Quando alcancei o local do lago outra vez, Caspian conseguia retirar a espada de Lorde Restimar com o auxílio da que Lorde Bern havia presenteado. Com cuidado para não tocar na água, deitou-a sobre o chão. A expressão incomum continuava ali e senti mais do que nunca a necessidade de sair daquele lugar o mais rápido possível.

—Pronto.

Ele só assentiu, garantido que a espada secasse na terra que havia ali.

—Ninguém pode saber desse lugar – disse, somente.

—Vamos sair logo daqui.

Levamos a cabra para o acampamento e apenas quando fomos tomando distância da caverna Caspian foi voltando ao normal. Não havia dado uma única palavra até chegarmos a uma distância considerável, o envolvimento pela magia finalmente findando. De fato, era melhor que ninguém mais encontrasse aquele lugar.

Caspian

Todos os trabalhos seguiam muito bem e em poucos dias poderíamos partir novamente. Eustáquio tentava se adaptar e se incluir da melhor maneira possível no processo. Já havíamos notado que ele mudara, mesmo sem dizer uma palavra, depois que virara dragão. Claro que ainda tinha seus momentos de recaída, mas seu esforço era válido e muito apreciado por toda a tripulação, principalmente no que dizia respeito ao trabalho mais pesado. Alguns dias depois de cair no encantamento, Eustáquio ajudava a puxar as toras de madeira para o conserto do navio e, inclusive, encontrou a árvore perfeita para o mastro, arrancando-a pela raiz. Além disso, era especialista no manejo do fogo, é claro. Graças a ele, o trabalho de meses foi reduzido a semanas.

E graças à Aslam, ninguém mais encontrou aquela caverna e consegui evitar o impulso de voltar lá todas as vezes desde que fomos lá, alguns dias atrás. Aquelas águas poderiam consentir riquezas sem medidas para quem as detivesse, muito pior do que o tesouro do dragão. Não lembro com clareza do que se passou lá dentro, apenas que conseguimos a espada que polia agora. Observando a lâmina reluzente, vi que o trabalho estava pronto. Deixei-a sobre a mesa que tinha na tenda, sendo atraído pelo objeto pequeno sobre a madeira. Os anéis que Coriakin me deu permaneciam comigo a maior parte do tempo e embora eu não tenha expresso em pensamentos claros, sabia o que faria com eles. Como um hábito corriqueiro, abri e olhei os anéis que agora estavam diferentes. Lembro-me vagamente de tocá-lo na água, sem ter certeza de que o fizera, mas essa era a única resposta possível. Segundo o mago, eles foram feitos de uma rocha que caiu do céu em sua ilha e por isso tinham o tom acinzentado com pontos cintilantes minúsculos que lembravam o céu noturno. Desde o dia na caverna, porém, haviam mudado. Ou pelo menos, o maior havia.

A cor original agora estava mesclada pelo dourado do ouro. De alguma forma, a magia não conseguiu dominá-lo por completo, ressaltando o quanto eram especiais. Tanto quanto sua finalidade também o era. E de um jeito ou de outro, eu não queria mais adiar. Fechando a caixa e guardando-a no bolso, saí pela noite em suas primeiras horas, quando todos já se preparavam para descansar, e fui rumo a praia, onde eu sabia que ela estaria.

Susana

Eustáquio estava especialmente cabisbaixo naquela noite. Haviam momentos em que a constatação da realidade parecia atingi-lo de modo diferente, e a tristeza se tornava visível em seus olhos. Era o que acontecia. Como de costume, Ripchip e eu ficávamos com ele na praia até que pegasse no sono, conversando e tentando animá-lo. Funcionava na maioria das vezes, naquela noite, porém, encontramos uma resistência maior. Com a cabeça enorme sobre a areia, ele derramava algumas lágrimas silenciosas e, também em silêncio, acariciei seu focinho.

—Vai ficar tudo bem, Eustáquio - reforcei. Ripchip concordou com a cabeça.

—Veja bem, nem tudo está perdido como parece. Eu aposto que não acreditava em dragões há alguns dias e olhe só! Se conseguiu algo tão impossível assim, o que lhe impede de também reverter? Sabe, coisas extraordinárias, acontecem a pessoas extraordinárias – disse Ripchip, de pé na areia, seus olhos miúdos, mas incandescentes, fixos nos de Eustáquio, que o olhava curioso e um pouco descrente. - Vai ver é um sinal, que você tem um destino extraordinário. Algum destino maior do que você pode ter imaginado.

Ele conseguiu a atenção de Eustáquio, e então prosseguiu:

—Posso te contar uma ou duas aventuras minhas se quiser, só para passar o tempo - foi se sentando. - Acredite se quiser, mas você não é o primeiro dragão que eu conheço. Há muitos anos, mais anos do que eu queria dizer, eu estava com um bando de piratas e conheci outro dragão, mais feroz que você...

Não pude evitar sorrir de leve, os dois quase não se desgrudavam mais e Rip tinha um toque especial para distrair Eustáquio da tristeza. Então, tornei-me ouvinte de suas aventuras, olhando para o mar calmo e escurecido pela noite, abaixo do céu de tantas estrelas. Já estávamos naquela ilha há dias, o concerto do Peregrino estava quase finalizado e a Estrela Azul ainda não tinha aparecido, uma noite sequer. Depois que Rip contou uma última história, o silêncio prevaleceu. Ficamos os três apenas observando as ondas e as estrelas, o som do mar embalando conforto naquela noite calma e pacífica da aventura. Em algum momento, deitei sobre a coberta que trouxera e fechei os olhos, respirando fundo para absorver e guardar os aromas daquela paz.

Foi tudo o que fiz, mantendo os olhos fechados sem contar o tempo. Despertei algum tempo depois, num susto. O silêncio parecia muito mais intenso e, desconfiada pela quietude repentina de um tagarela e um resmungão, olhei-os novamente. Eustáquio dormira, sua respiração audível estava compassada, assim como os filetes de fumaça que saíam de suas narinas, apoiadas com o queixo sobre uma das patas. Na frente desta, muito próximo ao rosto de meu primo, Ripchip ressonava tranquilamente, enrolado em si mesmo. Levantei-me para voltar ao acampamento, com todo cuidado para não causar ruído, apanhei a coberta e a sacudi, enrolando-a nos braços em seguida. Caminhei pela areia e quando quase alcançava as pedras, deparei-me com Caspian, vindo em minha direção.

—Eles dormiram de tanto falar – afirmou baixo, depois de lançar um olhar para os dois.

—Ripchip com certeza – confirmei. Caspian voltou seus olhos para mim.

—Estava indo dormir?

—Sim – sussurrei. – O dia foi cansativo hoje. E você?

Caspian colocou as mãos nos bolsos e pareceu pensar por um segundo.

—Na verdade, ainda está um pouco cedo. A noite está linda e eu quero fazer algo que venho adiando há dias – riu de leve – Pensei em perguntar se gostaria de vir comigo. Mas se estiver cansada, não se preocupe, o dia realmente foi trabalhoso.

Sua última frase nem de longe pareceu tendenciosa à persuasão, no entanto, sua proposta atiçou a curiosidade em mim: o que poderia querer tanto fazer àquela hora? Certamente, fez passar qualquer cansaço.

—Eu adoraria – sorri. Caspian sorriu de volta, o típico brilho em seu olhar oscilou com o movimento da face.

—Vamos.

Para intensificar minha curiosidade, Caspian seguiu pela areia em direção a trilha escondida que percorremos em nosso primeiro dia na ilha, quando buscávamos por Eustáquio. Lancei um último olhar aos dois dorminhocos e então o segui. Longe da fogueira na praia, o bosque pareceu incrivelmente escuro, cegando-me brevemente até que minhas pupilas se adaptaram à luz azulada do luar, intensa, que iluminava todo o caminho.

Andamos tranquilamente monte acima, com muito mais habilidade do que quando chegamos. A intenção de Caspian, no entanto, ainda não estava muito clara.

—Desculpe não termos fogo nem a aquela luz mágica da lanterna – ele disse, voltando-se para mim com a mão estendida que aceitei com minha mão livre, passando por cima de uma raiz imensa. – Mas não nos seria muito útil.

—Caspian, você já sabe que estou curiosa, não precisa me torturar – falei. Ele riu livre.

—Torturá-la sequer é uma intenção – à meia luz, eu o vi sorrir. Para disfarçar o vacilo em meu peito, continuei, colocando a pequena coberta por sobre meus ombros, quase como um cachecol.

—Não vai mesmo me dizer?

—Achei que a essa altura já teria deduzido para onde vamos – provocou. Sorri de lado, às suas costas.

—Saquear o tesouro do dragão na calada da noite, eu suponho.

Caspian maneou a cabeça.

—Quase isso.

Sorri largo.

—Eustáquio não fará questão do ouro.

—Caso contrário, podemos deixar ele ficar com o bracelete – gracejou.

—Cuidado – falei, sem esconder o sorriso, tocando o tronco de uma árvore ao passar – Ele ainda cospe fogo, não terei como defendê-lo.

—Está bem – suspirou ele – o bracelete e duas moedas.

—Acho justo.

Pude notar que ele sorriu. O bosque silencioso tornava-se cada vez mais claro à medida que subíamos. Depois de tanto percorrer as elevações dessa ilha, aquela trilha agora pareceu rápida e tranquila. Caspian não se desviou do caminho que levava ao topo, instigando ainda mais minha curiosidade. Continuamos pelos minutos seguintes conversando trivialidades. Uma brisa suave roçou meu rosto quando o final da trilha surgiu adiante. As árvores terminavam como um portal, posicionado na lateral do caminho, o ponto mais alto não estava longe. Caspian estendeu-me a mão, ajudando-me a subir mais aquele pedaço. Dessa vez, no entanto, não me soltou. Quando paramos, meu fôlego ficou preso dentro do peito de forma tão abrupta e paralisante quanto naquele primeiro dia.

Ali do alto, a ilha e suas pontas rochosas despontavam em direção ao céu como um conjunto de pinceladas em tons escuros e sombras. As cores, dessa vez, encontravam-se no céu, tão estrelado cuja claridade substituía a lua. Longe, o mar que se seguia além e ao redor da ilha oscilava arroxeado e tranquilo. A brisa suave fez mechas do meu cabelo roçarem contra meu rosto, fazendo-me perceber que estava boquiaberta. O céu noturno parecia um manto de veludo do azul mais profundo, cravejado de cintilantes diamantes, a perder de vista.

—É mais impressionante do que pude imaginar – Caspian sussurrou. Fui capaz apenas de confirmar com a cabeça, a princípio.

—Não me ocorreu de voltar aqui... muito menos a noite - ouvi-me dizer, um pouco perplexa, pois não dera clara autorização para aquelas palavras, em seguida, ficando ainda mais perplexa por não ter pensado nisso.

—Todas as noites, desde que chegamos, foram noites de céu estrelado ou de luar – disse Caspian. – Fiquei imaginando como seria a vista daqui em uma dessas noites.

Olhei para ele, parado ao meu lado.

—Fico feliz por ter vindo – disse com um sorriso, olhando para frente outra vez. – Achei que a vista que tivemos daqui durante o dia era a mais bela que já tinha visto, mas essa... Essa é...

—Deslumbrante – completou. Sorri para ele, concordando. – Se me permite – estendeu as mãos em minha direção, apanhando a coberta e desenrolando-a de meu pescoço, para então estendê-la no chão. Caspian agachou-se e sentou sobre ela, logo deitando-se – Me acompanha?

Em qualquer outra ocasião, meu primeiro impulso seria dar voz aos inúmeros pensamentos prós e contras, em especial a estes últimos. Mas naquela noite não havia nada, nenhum que pudesse oferecer a menor insegurança, apenas o desejo de passar aquele tempo ali, aproveitando a companhia dele. Sentei-me sobre a parte livre da coberta para então deitar-me ao seu lado, repousando a cabeça sobre seu ombro. Caspian envolveu-me com o braço esquerdo, contornando minha nuca e repousando sua mão sobre meu ombro, aconchegando-me a si. Aquela posição tornou a visão do céu muito mais intensa. A imensidão noturna parecia querer nos esmagar, voluptuosa, ao mesmo tempo que refrescava a alma com certa liberdade, revelando-nos nossa pequenez. Era completamente hipnotizante.

—São tantas... – ouvi Caspian sussurrar muito baixo em algum momento. Ergui o olhar brevemente para seu rosto, encontrando seus olhos brilhantes, completamente focados no que havia acima., a luz prateada lhe dava uma aura mágica no rosto. – Muito mais do que eu costumava ver do castelo.

—É um privilégio – sussurrei de volta. – Em meu mundo, quase não podemos vê-las mais. Principalmente da cidade.

Senti a dúvida e a curiosidade emanar dele.

—Como não veem estrelas? Elas foram embora?

Ergui-me no cotovelo para olhá-lo, com as sobrancelhas unidas.

—Embora? Do que você está falando?

—Bem, as estrelas – disse naturalmente. – Elas têm suas próprias vidas, não? Podem mover-se pelo céu.

—Ah – sorri. – No meu mundo, as estrelas não são como as daqui. – Caspian baixou o olhar para mim, o interesse gritando em seu brilho.

—E o que são?

Pensei por alguns segundos antes de responder:

—São como o sol, só mais distante de nós.

—Como o sol? – Caspian ergueu as sobrancelhas, descrente.

—Sim... – dei de ombros, deitando-me outra vez.

Ficamos em silêncio por um momento. Permiti-me vagar por aquele mar de estrelas, até sentir Caspian se remexer, erguendo-se de lado e olhando-me de cima.

—Você está falando sério?

—Estou.

—Não faz sentido. Como é possível cada estrela ser como um sol, se o próprio sol é uma estrela e, tal como as outras, é alguém?

Precisei me sentar. A comichão da complexidade instigando o fundo de minha mente para logo tomá-la, empolgada diante do dilema gerado.

—Minha nossa... – mordi o lábio. Pensar desse modo faria meu cérebro entra em curto naquele momento, então foquei em sua dúvida inicial e em omo poderia lhe explicar sem confundi-lo. Caspian ergueu as sobrancelhas outra vez, agora quase vitorioso. Pisquei – Bem, a diferença é que em meu mundo as estrelas não são seres vivos como as daqui. São apenas... Energia... – dei de ombros, não muito segura da frase que formara. E não estava muito conformada com isso.

Caspian ponderou um pouco e deitou-se novamente, eu o imitei. Senti o toque suave de seus dedos no comprimento de meu cabelo, arrepiando-me de leve. Houve silêncio por algum tempo.

—Acho que entendo porque você diz ser um privilégio – pausou – Meu pai costumava dizer que navegaríamos até o fim do mundo. Eu sonhava com isso todas as noites enquanto estudava as estrelas. Depois que ele se foi, observá-las era como tê-lo por perto, então imaginei que se navegasse até o fim do mundo poderia encontrá-lo.

—Deve ter sido muito difícil.

—No início, sim. Muito. Mas com o passar do tempo, foi a melhor coisa que pude fazer naquela época – então acrescentou, mais leve: - Hoje posso ser útil ao Drinian.

Nós rimos baixo. Outra carícia em meu cabelo fez-me fechar os olhos e respirar fundo. Ele continuou:

—Navegar até o fim do mundo era menos impossível do que tê-la aqui. Aslam é bondoso demais comigo.

Aquelas palavras aqueceram meu peito de dentro para fora como poucas vezes senti. Os dedos de Caspian brincaram outra vez com meu cabelo e sua mão livre mergulhou no bolso da calça. Já o vira fazer aquele gesto inúmeras vezes na última semana, algo que sempre vinha acompanhado de hesitação e um olhar intenso que fazia um arrepio subir por minha espinha. Ouvi a respiração profunda mover seu peito logo abaixo de meu rosto. Um beijo cálido encontrou a pele fria de minha testa.

—Se quiser, posso ensinar o que aprendi com as estrelas – sussurrou – quando estivermos em casa.

Lambi os lábios antes de erguer o rosto para olhá-lo, apoiando o queixo em seu peito.

—Seria meu professor?

—Com muito prazer – o sorriso leve, tornou-se provocativo. – Mas é claro que, em troca, você poderia me ensinar mais coisas do seu mundo.

—Com toda certeza, Vossa Majestade.

O sorriso de Caspian abriu ainda mais ao mesmo tempo que ele se moveu, erguendo-se e mergulhando a mão em meus cabelos até alcançar a nuca e levar meu rosto de encontro ao seu. O beijo cálido tão familiar jamais deixaria de atiçar as borboletas por todo meu corpo. Senti a textura da barba por fazer quando toquei seu rosto, levando os dedos até a curva do maxilar, erguendo-me o suficiente para ter apoio no cotovelo.

Caspian rompeu o beijo brevemente, os lábios e a ponta de seu nariz roçaram os meus levemente quando inclinou o rosto para o outro lado, senti sua respiração por meros segundos antes do beijo ser retomado. Logo a sensação do toque de sua língua invadiu-me e senti todo meu corpo fraquejar, completamente presa. Retribuí seu beijo da mesma forma, segurando-me em seu ombro. Caspian moveu-se, pude ouvir o atrito contra o chão fora da coberta e senti seus dedos roçarem minha nuca mais uma vez, posicionando-se firmes e atenciosos, ao passo que a postura dele foi imposta a mim, inclinando-me para trás com o apoio de seu braço livre.

O beijo revirava meu interior, mas a mão quente e espalmada de Caspian contra minhas costas conduziu um pequeno choque e em minha pele que incitou o arquear involuntário da coluna, colando meu corpo ao dele. Senti meu coração aos pulos, os lábios pulsando suavemente no beijo contínuo. Caspian, então conduziu sua mão livre de minhas costas para a cintura, da cintura para o quadril, perna e todo o caminho de volta, marcado em chamas, bagunçando ainda mais qualquer ordem que seu beijo ainda não houvesse desfeito.

Ofegante, Caspian interrompeu o beijo, iniciando outros inúmeros por meu queixo e pescoço. Vi novamente o céu estrelado, que passou como um borrão pois no mesmo segundo fechei os olhos, sentindo os lábios quentes pousarem na clavícula causando um arrepio por todo meu corpo. Mergulhei os dedos em seu cabelo, seus lábios regressaram aos meus com uma mordida suave. Sua mão direita deixou de passear por meu corpo para ir de encontro ao chão, prendendo-me entre seus braços e induzindo-me de volta a coberta.

Caspian manteve seu rosto bem próximo ao meu enquanto deitava minhas costas novamente no chão. Ele, no entanto, não me acompanhou, manteve-se mais erguido, a fim de olhar em meus olhos. Eu podia ver em todo seu rosto, desde a intensidade do olhar até os lábios entreabertos, a respiração irregular, tudo mostrava que aquela bagunça, aquele calor, não estava apenas em mim. Era um limite novo, intenso e assustador. Vendo-o ali, com todo aquele sentimento expresso nos olhos, com o céu estrelado atrás de si com sua luz prateada nos iluminando, o calor que emanava do seu corpo, a brisa suave, tudo parecia estar no lugar, tudo tinha cheiro de casa. Sorri para ele, com o coração aos pulos. Caspian tocou meu rosto e aproximou-se, beijando-me outra vez.

Senti seu corpo deitar sobre mim com cuidado, fazendo-me sentir seu peso, seu calor pulsante e a carícia de seu toque. Ergui um dos joelhos, apoiando o pé no chão e levei minhas mãos para suas costas abraçando-o a mim, percorrendo toda sua extensão. Caspian voltou a beijar meu pescoço enquanto soltava os botões do colete que usava, para logo despi-lo, deixando apenas o algodão das nossas camisas separando o contato da pele. Levei as mãos para os cabelos dele outra vez, trazendo-o para meus lábios.

Caspian acomodou-se sobre mim novamente e pude sentir seu desejo, pulsante, que atiçou ainda mais o calor que fluía por meu corpo provocando-me um leve ofegar. Caspian percorreu meu quadril com certa pressa, conseguindo uma brecha entre a camisa e a calça quando fazia o caminho de volta para cima. Dois dedos foram de encontro a minha pele e o simples toque pareceu em chamas. Ele hesitou por alguns segundos, olhando-me nos olhos, mas como se lesse o pedido silencioso em minha mente, conduziu sua mão por aquela brecha, tocando-me por baixo da camisa, deixando um rastro de brasa por onde passava.

Fechei os olhos, sentindo a carícia subindo pela lateral do corpo, pela cintura, mergulhando pelas costas. A respiração de Caspian roçava meu rosto, quente e ofegante, e ele parecia concentrado naquele toque, como eu. Minha respiração ficava cada vez mais irregular e arfei de leve quando ele tocou suavemente a base de meu seio esquerdo com a ponta do polegar, na altura das costelas, ao mesmo tempo que senti suas costas estremecerem.

—Caspian...

Meu corpo pedia mais, eu podia ouvir a requisição, mas algo lá no fundo de minha mente freava aquele desejo. Eu sabia bem o que era e vinha bloqueando aquela influência da razão desde o primeiro beijo. Não queria parar, mas também não tinha certeza se deveria ou não dar vazão ao que queria. Aquele sentimento vinha como uma onda do mar, chocando-se e erodindo qualquer limite ou expectativa que pudesse já ter sido criado ou estabelecido em mim, superando-os.

Beijei Caspian outra vez, intensamente, impondo certa força contra ele de modo que pudemos erguer o tronco do chão. Continuei conduzindo-o até que ele estivesse sentado e eu, de joelhos. Não interrompi o beijo quando sentei em seu colo, apoiando meus joelhos no chão, um em cada lado de seu corpo. Estremeci ao acomodar-me ali, sentindo o volume pulsante roçar contra mim, apesar das roupas. Caspian beijou-me voraz e sua mão pousou em meu quadril, puxando-me para ele. Acariciei seu peito, ombros e braços sentindo cada relevo muscular tensionado. Sua mão esquerda foi de encontro a folga da camisa e mergulhou sem hesitação para minhas costas. Logo a direita tomou o mesmo caminho e toda a pele das costas flamejava com seu toque. Notei meu próprio corpo pulsar ainda mais e minha mente começava a ficar nublada pelo desejo. Um movimento de quadril involuntário e tímido me fez arfar um pouco mais alto.

Os dedos de Caspian se aproximavam de meu seio outra vez quando, de repente, ouvimos o farfalhar de enormes asas. No susto, nos afastamos e pudemos ver a silhueta de dragão voando tranquilamente em direção oposta à nossa. Os baques sonoros de meu coração ecoavam por meus ouvidos. Igualmente ofegante, Caspian tocou meu braço, fazendo-me olhá-lo.

—Vamos sair daqui.

Apanhamos o colete, a coberta, e seguimos de volta pela trilha. A sensação intensa da aproximação persistia e no começo meu corpo parecia um pouco desorientado a andar, mas logo pude me acostumar, ainda que fosse quase impossível conter a respiração alterada. Sabia que qualquer novo toque, naquele momento, inflamaria novamente – e ainda mais – todo desejo e para Caspian parecia ser do mesmo modo, pois manteve-se um pouco afastado por quase todo caminho de volta. Não falamos muito também. Não era necessário.

Combinamos vagamente de voltar ao acampamento por caminhos e tempos diferentes. Apenas quando estávamos quase de volta à praia, com a respiração mais normalizada, Caspian parou, o espaço de três passos que nos separava foi extinto e ele tocou meu queixo, encostando sua testa na minha. A respiração dele estava pesada e permanecemos alguns segundos ali, parados. Toquei seus braços e nos abraçamos. O cheiro dele inebriando meus sentidos. Fechei os olhos. Não havia necessidade de dizer qualquer coisa. Cada gesto, cada toque disseram tudo que precisava ser dito e tudo que precisávamos ouvir. Caspian, no entanto, levou a mão ao bolso outra vez e de lá puxou um objeto bem pequeno.

—Eu estive esperando o momento certo, mas acho que ele nunca vai chegar – sussurrou – ou, no mínimo, não vou conseguir esperar por ele - permitiu-me ver a caixa pequena em suas mãos, meu coração enlouqueceu e o olhei surpresa. – Sei que ainda temos coisas para acertar, mas eu a amo da forma mais profunda que conheço e não posso, de forma alguma, deixar de lutar pela vida que tanto sonhei. Quero vivê-la, não importa se por décadas ou por alguns meses, eu preciso vivê-la. E desejo com minha alma que você possa vivê-la comigo.

Caspian abriu a caixa pequena, permitindo-me ver o par de anéis, meu coração falhou e senti o pinicar das lágrimas em meus olhos. Caspian fitou-me profundamente, envolvendo-me em seu olhar, para então sussurrar:

—Case comigo, Susana, e seja meu sonho realizado.

As lágrimas finas desceram por meu rosto. Meus batimentos oscilavam entre um ritmo frenético ou a parada absoluta que somados à surpresa me impediram de formar qualquer frase coerente.

—Caspian... – foi tudo que consegui dizer. Ele ainda olhava em meus olhos e sorriu, secando uma das lágrimas com o polegar.

—Eu esperaria por você minha vida inteira, esperarei até que tome sua decisão, não precisa me responder agora.

Segurei a mão que estava em meu rosto, molhada pelas lágrimas. Seus olhos estavam intensos e queriam passar tranquilidade, embora eu pudesse quase ouvir seu coração tão acelerado quanto o meu estava. Ele beijou-me na testa calmamente, antes de começar a se afastar. Eu o vi recuar e, mesmo com o raciocínio atordoado, a vontade de dizer-lhe algo era urgente. Era uma gentileza me dar tempo para pensar, mas convenhamos, eu tinha que responder, tinha que dizer alguma coisa! Apesar de nenhum som conseguir achar saída de dentro de mim. Somente quando ele estava há alguns metros, pude chamá-lo de novo, e nunca seu nome pareceu tão certo em minha voz. Ele virou-se para mim. Mais lágrimas caíram, quentes como o desejo que provamos, como o sentimento que vivia em meu peito há tanto tempo.

—Eu o amo. Com todas as minhas forças. E, seja por décadas ou por alguns meses, nada, nada me faria mais feliz do que ser sua esposa.

[...]

De volta na tenda, deitada na cama, meu coração ainda estava aos pulos, a adrenalina pura correndo por minhas veias abria um vale gelado inteiro na barriga. O sorriso brotou incontrolável, pus a mão sobre o peito, sentindo as batidas que ecoavam em meus ouvidos, mordi o lábio, ainda sensível, revendo toda a noite novamente. A vontade de gritar chegava à garganta e o desejo de correr para Lúcia e contar-lhe era mais forte do nunca, pressionando ainda mais a saudade que sentia dela. De meus irmãos.

Meus irmãos. Talvez eles jamais soubessem do que se passara comigo. Ficar em Nárnia significaria deixá-los, deixar nossa vida e nossa família, sem qualquer garantia de que poderia voltar a vê-los. Eles compreenderiam, não tinha dúvidas quanto a isso. No entanto, ainda seria uma grande parte de mim mantida tão longe. E seria doloroso, também não haviam dúvidas quanto a isso. Mesmo assim, era uma decisão que eu tomaria.

Sorri novamente. Respirei fundo e quase pude sentir o cheiro de Caspian outra vez, sentir seu calor... Um arrepio interrompeu meus pensamentos, acusando o frio na barriga e a crescente excitação, provocados pela lembrança. Tentei acalmar a aceleração em meu peito fechando os olhos e assim adormeci.

Um som distante vinha se aproximando, indefinido e solitário. A medida que chegava mais perto, ficava mais nítido, puxando-me do sono tranquilo. Era uma voz, que logo começou a ser acompanhada por outras. Despertei cansada, a luz azulada indicava que ainda não amanhecera completamente. Havia uma movimentação do lado de fora que despertava a todos. Ouvi a voz de Caspian, apesar de não conseguir distinguir o que dizia. Levantei e fui até a bacia e jarra com água que mantinha na tenda, completei a higiene matinal o mais rápido possível e saí para ver o que se passava. Não foi difícil.

Alguns homens se preparavam para os serviços, outros estavam com Caspian e Drinian, observando o céu na direção da praia. No amanhecer, quando a maior parte das estrelas estava sumindo, finalmente, brilhando forte e encantadora, lá estava ela: a Estrela Azul.