Mar de Lírios

Meu nome é Bern.


Susana.

Continuei gritando, mesmo quando Caspian não podia mais me ouvir. Eles acertaram sua cabeça com força, fazendo-o perder a consciência. Mesmo assim eu gritei tentando me soltar das mãos dos homens que me seguravam, Eustáquio já não estava mais em meu campo de visão, mas eu continuava ouvindo aos fundos os berros desesperados dele. E pude vislumbrar outros mercadores carregando o corpo desacordado de Caspian.

Lágrimas se acumularam em meus olhos num misto de sentimentos.

Medo. Medo do que iriam fazer comigo, com Caspian e com Eustáquio, medo do que aconteceria. Eu entendi muito bem a intenção do homem com seu olhar malicioso. As lagrimas transbordavam no desespero de fugir dali, mas foi inevitável. Eles me levaram por um corredor escuro, amordaçaram-me para que eu parasse de gritar e amarraram minhas mãos nas costas.

Desespero. Minutos atrás estava tudo bem, tudo calmo e agora parecia tudo perdido. Nós estávamos separados e vulneráveis. Eu não queria pensar no que podia acontecer a Caspian estando desacordado, nem a Eustáquio com medo e indefeso nas mãos daqueles homens, e muito menos a mim.

Ao chegarmos do lado de fora, os brutos me empurraram pelo caminho escuro, uma trilha que se esgueirava pela escuridão da noite entre colinas e algumas casas distantes umas das outras. E foi ao passar por uma dessas casas que uma voz fez os mercadores interromperem a caminhada. Foi só então que percebi que mais mercadores e prisioneiros haviam se juntado a nós.

- Mais um dia de trabalho duro, Pug? – perguntou a voz. O dono dela era um homem de cabelos compridos e grisalhos que se aproximou do homem que segurava meu braço.

- Fazemos o que podemos para sobreviver. – respondeu o tal Pug, irônico.

- O ultimo servo que me vendeu, Pug, estava doente e acabou de morrer. – falou, chamando a atenção.

- Sinto muito, senhor, mas nem sempre é possível garantir a qualidade de toda a mercadoria. – desculpa esfarrapada. Eu estava abismada. Que espécie de ser humano trata outro como mercadoria?

- Esta jovem parece bem saudável. – o homem indicou a mim. – Quanto está querendo por ela? - Como se já não bastasse tudo o que eu estava passando, ainda seria vendida?! Oh, Aslam, o que vai ser de mim...?

Pug pareceu inquieto.

- Sinto muito, senhor, mas o chefe quer esta aqui para ele próprio. - Pisei bem forte no pé de Pug, advertindo para que tomasse cuidado com suas palavras, eu não seria a diversão de ninguém. Pug soltou um granido. – Ora, comporte-se! – apertou meu braço. O homem riu.

- Pug, acredito que seu chefe apreciaria mais uma boa quantia em dinheiro. – ele parecia certo do que dizia. Pug pareceu pensar.

- Quanto está disposto a oferecer?

- Cento e cinquenta. – falou o homem, confiante. Cento e cinquenta?! Só isso?! Se eu não estivesse amordaçada, com certeza estaria boquiaberta.

Pug hesitou por alguns segundos, mas cedeu por fim.

- Feito. – estendeu a mão para receber o saquinho de pano cheio de moedas do homem antes de me empurrar para perto dele. – Faça bom proveito, essa deu trabalho de capturar. – Pug falou por fim, antes de seguir caminho com os outros mercadores e com os prisioneiros. Observei eles se afastarem, e lá na frente, no topo da fila, pude ver Eustáquio se debatendo e chorando. Meu coração se apertou.

O homem tirou a mordaça e eu respirei aliviada, ele então soltou meus pulsos.

- Não tenha medo, querida, ninguém irá lhe fazer mal. – ele assegurou com tom de voz reconfortante.

- Como pode dizer isso se compra seres humanos como mercadorias?! – ele não esperava por esse tom de voz. Eu o encarava e ele pareceu retraído.

- Eu não concordo com o que Pug faz, mas o que posso eu sozinho fazer contra eles todos? Na verdade, eu compro escravos para dar-lhes liberdade. O ultimo que comprei não morreu e sim foi embora quando eu o deixei livre...

Pensei por uns segundos.

- Por que comprou a mim e não a qualquer outro? – perguntei, mais calma.

- Por dois motivos. Primeiro, para livrá-la das mãos do Chefe de Pug e dos demais mercadores, com certeza, se chegasse às mãos dele seria como o brinquedinho de todos eles. – estremeci. – E segundo, por que você me é estranhamente familiar... – ele me analisou com os olhos estreitos. – Eu lhe pareço familiar? – perguntou. Só então olhei para seu rosto com mais atenção. Estava um pouco mais envelhecido, mas parecia muito com um dos desenhos na parede da cabine do Peregrino.

- Como... Como o senhor se chama? – perguntei.

- Meu nome é Bern.

Meu coração deu um salto enquanto um sorriso se formava em meu rosto. Com uma alegria repentina eu abracei o homem que pareceu surpreso com minha reação, mas retribuiu o gesto de forma acanhada. Desfiz o abraço, mal contendo a animação.

- Lorde Bern, nem acredito!

Ele pareceu se espantar.

- Me conhece? Você é de Narnia?

- Lorde Bern, sou Susana Pevensie, Rainha de Narnia. – falei calmamente. Os olhos brilhantes do homem me encararam estupefatos.

- Não é possível! Agora me lembro de onde a vi, foram dos quadros na biblioteca! Majestade perdoe-me por não tê-la reconhecido de imediato. – ele ia curvar-se numa reverência. Eu sorri.

- Não há problema.

- Mas o que a senhora faz por aqui? Como caiu nas mãos de Pug? Ah, aquele infeliz, será o fim para ele, onde já se viu tratar uma Rainha desse jeito?!

- É uma história meio longa... – comecei.

- Venha, acomode-se em minha casa, lá poderemos conversar melhor. – ele indicou a casinha pequena mais atrás.

Acompanhei-o até lá, sentei à mesa e Bern me acompanhou num chá.

- Agora, conte-me, majestade, o que aconteceu?

- Bom... Eu cheguei a Ilha ao pôr-do-sol com meu primo e com o Rei Caspian...

- Caspian...? – ele parecia emocionado. – Caspian foi um dos meus melhores amigos... Embora isso fosse me fazer muito feliz, é praticamente impossível que ele estado com vossa majestade ao pôr-do-sol, Caspian faleceu a muitos anos...

Eu sorri.

- Sei disso... Mas não era Caspian IX com quem eu estava e sim o filho dele, Caspian X. Nós estamos no mar a procura do senhor e dos outros fidalgos.

Lágrimas e emoção fizeram os olhos de Bern brilhar.

- Oh, céus... Mas onde ele está?

- Os mercadores capturaram a todos nós. – senti meu coração apertar de novo. – Sabe o que podemos fazer para ajuda-los? Sabe onde fica a prisão?

- Sim, sei, mas... Não! – ele se levantou de supetão. – Não podemos ir lá!

- Precisamos ir! – levantei também.

- Ninguém vai lá, é muito perigoso!

- Mas é preciso! Seu rei precisa de você!

Bern pareceu pensar até que suspirou por fim.

- Está bem. Nós vamos. Mas não garanto nada, majestade.

Saímos imediatamente, mas a prisão ficava muito, muito longe, quase do outro lado da Ilha. A cada segundo que passava, a cada minuto, meu coração parecia mais apertado. Por minha mente pensamentos horríveis me assombravam. Começava a me desesperar, jamais me perdoaria se acontecer alguma coisa a eles... Já estava quase amanhecendo, Ripichip logo viria atrás de nós.

- Ali. – falou Bern indicando as portas da prisão, as ruas estavam desertas, a cidade inteira estava deserta.

- Vamos. – falei, saindo de onde estávamos “escondidos” e caminhando silenciosamente em direção a porta. Que estranho... Não havia ninguém guardando o lugar...

- Oh! – era Lorde Bern, virei para ele e vi um homem prendendo-o com uma faca no pescoço.

- Ora, ora quem temos aqui. – escutei a voz de Pug assim que senti a lamina gelada em meu pescoço. Ele falou mais alguma coisa que não me preocupei em ouvir.

- Não sabe o que está fazendo, seu miserável! – começou Bern. – Ela é sua Rainha!

- Rainha?! – debochou Pug. – Então vai valer uma boa quantia, mais do que cento e cinquenta moedas, assim como o senhor... Para dentro, agora! - ordenou, puxando-me para dentro da prisão, trouxeram Lorde Bern logo atrás de mim. Descemos uma escada, como se fossemos para um porão escuro. Ele abriu o portão da cela e nos jogou lá dentro, caí no chão duro e frio de pedra, machucando o joelho e arranhando as palmas das mãos. Foi quando vi alguém deitado na cama desconfortável que havia ali.

- Caspian! – saltei até ele, mas Caspian ainda estava desacordado.