Mar de Lírios

Estão Chegando Rápido Demais


–Estão se afastando! - anunciou o marujo do alto do mastro. Ao longe, vimos o navio escuro e sombrio se afastar para sudoeste. O ar entrou livremente em meu pulmão com um alívio enorme.

–Arqueiros... Descansar... - disse Drinian do alto da proa, ao lado de Caspian e eu. Dei meia volta, retornando para a cabine para deixar o arco e as flechas.

–Você está bem? - perguntou Caspian, de modo que só eu ouvisse. Assenti uma vez.

–Acho melhor eu descansar um pouco... - falei, tentando desvencilhar-me de alguns marinheiros. Refiz todo o caminho para a cabine, fechei a porta, deixei a aljava em seu antigo lugar, tirei as botas e deitei-me na cama. Tentando entender o que estava acontecendo comigo, adormeci.

[…]

Após cochilar, o que, para mim, foram segundos, eu abri os olhos. Meu estomago fez barulho e, pelo sol, percebi que já era de tarde. Levantei, calcei as botas e escovei os cabelos antes de deixar a cabine. No convés, dois marinheiros lutavam amistosamente portando espadas, ao redor, os outros marinheiros assistiam.

Sorri com a cena que não deixava de ser cômica, afinal, as mãos daqueles homens manuseavam cordas e outras coisas que tenham a ver coma navios, não estava acostumados com armas, embora soubessem usá-las, apenas estavam um pouco enferrujados. Nem pareciam aqueles que lutaram comigo nas Ilhas Solitárias.

Atravessei o convés, animada, e desci os degraus para a cozinha rápido demais, o que fez meu ferimento doer. Parei bruscamente com a dor chata, apoiando-me na parede. Assim que a ardência amenizou, eu levantei e catei alguma fruta para comer.

–Comendo fora de hora, Majestade? - assustei-me com uma voz atrás de mim.

–Rip! Você me assustou! - falei.

–Desculpe, Majestade. - pediu ele com aquele olhar risonho. Mordi minha maçã. - Descansou bem?

–Hum-hum. - respondi, comendo.

–Se me permite perguntar, Senhora, desde quando não come? - brincou ele, vendo-me devorar a maçã.

–Eu não lembro... - fiz uma cara distraída. Nós rimos.

–Majestade! É a sua vez! - gritou um marinheiro no convés.

–Tenho que ir, Majestade, Rei Caspian vai entrar no duelo!. - despediu-se e subiu rápido. Logo ouvi o tilintar de lâminas. Terminei aquela maçã e peguei outra, junto com algo para beber e voltei ao convés.

Lá, Caspian duelava com um dos marinheiros enquanto os outros faziam uma pausa em seus afazeres para se divertir assistindo o duelo emocionante. Eu subi as escadas que levavam ao manche, parando ao lado de Drinian e assistindo tudo lá de cima..

–Tudo bem, Majestade? - perguntou ele.

–Tudo sim. - falei, comendo a maçã. - O que está acontecendo? - perguntei, indicando os dois que duelavam.

–Duelos são uma das poucas diversões que temos aqui, Majestade. Qualquer pessoa a bordo pode participar, mas não praticamos muito isso, já que o Rei Caspian sempre vence... - confidenciou. Eu ri e nós continuamos assistindo o duelo.

Com uma série de golpes sucessivos, Caspian derrubou o marinheiro sobre alguns barris, vencendo-o e fazendo os marinheiros aplaudirem. Caspian ostentava um sorriso deslumbrante, girando a espada nas mãos.

–Quem quer ser o próximo a beijar o convés? - perguntou, brincalhão, olhando em volta para os marinheiros que estavam por todo lado para ver os duelos, sequer tinha se dado conta de minha presença. - Alguém? - voltou a perguntar. Ninguém se pronunciou. Estendi minha maçã inacabada para Drinian e ele a segurou enquanto eu descia os degraus, parando no meio da escada.

–Eu vou. - anunciei. Caspian virou para mim num átimo enquanto os marinheiros cochichavam, como se provocassem Caspian.

Desci o resto dos degraus lentamente, olhando diretamente pra Caspian, que me fitava de sobrancelhas unidas, enquanto o vento balançava meus cabelos.

–O que está fazendo...? - perguntou ele, em meio a uma risada nervosa.

–Você perguntou quem queria ser o próximo a duelar. Eu quero duelar. - dei de ombros, me aproximando dele.

–Não acho uma boa ideia. - disse ele.

–Por que não seria? - dei um sorriso, provocante. - Por acaso tem medo que eu o vença?

–Ohh...! - murmuraram os marinheiros, não assombrados, mas animados com o rumo que as coisas tomavam. Caspian riu.

–Não, mas eu não luto com damas, muito menos com rainhas... - confidenciou. Inclinei a cabeça para o lado.

–Por favor, Caspian, já lutei em diversas batalhas... Deixa, vai, prometo pegar leve com você.

–Achei que só usasse arco e flecha. - argumentou. - Nunca lhe vi usando espadas.

–Deixe-me mostrar então. - sorri. Ele estava nervoso, e tentava disfarçar com risadas um pouco desafiadoras.

–Oh...! - provocaram os marinheiros.

Estendi a mão para o ultimo marinheiro que lutou com Caspian para que ele me entregasse sua espada. Os olhos dele olharam para mim, depois para Caspian, que por sua vez, me encarava. O Marinheiro continuou perguntando com o olhar para Caspian, hesitando em me entregar a espada. Por fim, Caspian acenou uma vez com a cabeça para ele e o mesmo me entregou a espada, logo se afastando. Caspian e eu nos encaramos, agora ele tinha um sorriso torto assim como eu.

Ficamos alguns segundos assim, até que, de repente, num movimento rápido, ele atacou. Num movimento mais rápido ainda, eu bloquei fazendo o som do colidir das lâminas soar alto. Nos encaramos novamente. Fiz questão de exibir um sorriso de canto desafiador enquanto os marujos vibravam.

Dessa vez eu ataquei com golpes rápidos, mas Caspian se defendeu de todos e no ultimo segurou meu golpe com sua espada, forçando sua arma contra a minha. Nossos rostos estavam bem próximos. Ele sorria enquanto minhas sobrancelhas se uniam por causa do esforço que eu fazia, ele era muito forte. Terminei com aquilo afastando-me dele. Girei dando vários golpes seguidos dos quais ele tentava se defender. Os marinheiros vibravam.

Minha espada batia contra a de Caspian com cada vez mais força, num ritmo maior de golpes até que sua espada voou longe, pousei a ponta de minha lâmina em seu pescoço enquanto suas costas tocavam o mastro. Houve uma pausa, ele me encrava e os marinheiros comemoravam, mas sem que eu pudesse perceber, com uma rapidez impressionante, ele segurou meu pulso, empurrando a espada para longe e girando-me de uma forma que conseguiu prender-me com meus próprios braços, abraçando-me por trás.

Senti sua respiração pesada em meu pescoço.

–Eu venci. - falamos juntos. Depois rimos. Os marinheiros se dispersaram ao poucos por causa do clima. - Não, eu venci. - falamos.

–Eu venci primeiro. - falei.

–Você não venceu, a luta nem tinha acabado. - argumentou.

–Você que recomeçou quando eu venci e a finalizei. - dei um sorriso largo.

–Não, não. Você que cantou vitória antes do tempo. - disse ele, girando-me de frente para si, ambos sorrindo bobos.

–Tudo bem, eu venci. - falei. Saí de seu abraço me afastando dele, subindo as escadas, atrás da cabeça do grande dragão. Caspian me seguiu.

–Isso não tem nada de gentil, sabia? - reclamou, subindo logo atrás de mim.

–Não tem nada a ver com gentileza, tem a ver com justiça, e isso não é comigo, é com Edmundo. - falei. Caspian riu, parando ao meu lado, ambos debruçados na beira do navio.

–Justo? O Edmundo? Faça-me rir! - ouvimos a voz de Eustáquio. Nos viramos para ele. - Ele tem infernizado a minha vida desde que chegou à MINHA casa!

–Vai por mim, ele também não queria estar lá. - falei.

–Então por que não foi com você para os Estados Unidos? Lúcia podia ficar, ela é fácil de aturar, mas ele devia ter ido!

–Tenho certeza que tia Alberta lhe explicou tudo. - comecei. - Ou eles dois ficavam, ou nós quatro ficávamos. Aposto que você prefere Edmundo à Pedro. - provoquei.

Ele fechou a cara.

–Prefiro meu quarto de volta. - resmungou, descendo.

–Ainda bem que ele foi, mais uma palavra e eu o lançava no mar.

–Cas! Ele é chato, mas ainda é meu primo.

Caspian assentiu contra a vontade e ficamos em silêncio. Falar sobre meus irmãos com Eustáquio me deixou levemente incomodada. Eu sempre me senti mal por ter viajado com meus pais e tê-los deixado na casa de tia Alberta, senti como se os tivesse deixado desprotegidos. Pedro tinha mesmo que ir para a casa do professor Kirke, para estudar, mas eu não precisava viajar... Suspirei. Por isso tentei me redimir mandando o máximo de cartas possíveis, contando todas as novidades, também comprando inúmeros presentes.

–Seria bom se eles estivessem aqui. - comentou Caspian e eu soube imediatamente de quem ele falava.

–Seria sim. - sorri.

–Majestades. - Drinian subiu ali com uma expressão séria.

–O que houve? - perguntou Caspian.

–Aquele navio, está se aproximando de novo.

Ele não precisou falar mais nada. Casipan e eu olhamos para Oeste. E lá estava o navio chegando mais perto. O vento o estava favorecendo... Meu coração gelou. Drinian passou a Caspian a luneta e o mesmo esticou-a, direcionando-a em seguida para o navio estranho.

–Eles não parecem muito amigáveis... - comentou.

–Calormanos não são amigáveis. - resmunguei.

–O que acha, Drinian?- perguntou Caspian, fechando a luneta.

–Devemos ficar prontos para um ataque, Majestade, talvez seja só um barco pesqueiro, mas... - ele não precisou completar. Descemos para o convés onde todos estavam em estado de alerta.

Não havia muito a se fazer além de esperar. Talvez estivéssemos enganados e eles fossem amigáveis, seria precipitado preparar os arcos e espadas, eles poderiam tomar esse gesto como ofensa e aí sim, seria pior.

Um clima tenso pairava no convés. Drinian, Caspian e eu estávamos juntos, e logo Ripchip se juntou a nós. Lá em baixo, os outros marinheiros colocavam-se a postos ao lado dos canhões.

Caspian esticou a luneta novamente e lamentou.

–Estão chegando rápido demais...

–Devemos deixar os arqueiros a postos, Majestade? - perguntou Drinian.

–Não em posição, mas prontos para qualquer coisa. - respondeu o outro. - Eles não parecem nada confiáveis.