–Estão chegando rápido demais...

–Devemos deixar os arqueiros a postos, Majestade? - perguntou Drinian.

–Não em posição, mas prontos para qualquer coisa. - respondeu o outro. - Eles não parecem nada confiáveis.

O silêncio predominou barulhento sendo quebrado apenas pelo som da munição dos canhões sendo posicionadas abaixo de nós. Os arcos e as espadas permaneceram por perto, mas não a postos. Drinian, Caspian e eu permanecemos junto ao manche.

Meu coração já batia rápido, descompassado, quando o marinheiro em observação no mastro anunciou a distância, Caspian esticou a luneta e observou por alguns segundos.

–Ergueram uma bandeira branca. Parecem pescadores. - disse Caspian. - O navio está um pouco danificado, talvez precisem de ajuda.

–São narnianos? - perguntei.

–Não. Calormanos.

–Devemos ajudar mesmo assim, majestade? E se for um cilada? - falou Drinian.

–Podem realmente estar precisando de ajuda, não seria certo negar auxílio. Mas mantenha todos em alerta para o caso de perigo. - respondeu Caspian. Drinian disse algo a Rince que desceu para onde estavam os canhões.

–E mesmo se quiséssemos prosseguir, o vento não está ao nosso favor, não há como fugir.

O navio chegou bem perto do Peregrino, os calormanos recolheram a vela, flutuando ali, a sereia sinistra em sentido oposto ao dragão. Alguns míseros metros separavam os dois navios. Uma corneta soou do lado de lá e alguns poucos homens surgiram no convés sujo do Tarcaã – nome escrito na lateral do navio -, contrapondo-se com os inúmeros marinheiros no convés do Peregrino. Algumas cordas estavam penduradas até o chão. Era sem dúvida calormano.

Respirei regularmente para manter a calma. Uma suave brisa soprou a nosso favor, não suficiente para fazer o navio se mover, mas como um sinal de que logo o vento viria nos tirar dali.

Os tripulantes do Tarcaã eram homens barbudos de turbantes e roupas sujas, rostos encardidos e dentes podres. O navio era reflexo da condição dos tripulantes. Uma bandeira calormana rasgada tremulava no alto do mastro. Tentaram chegar mais perto.

–Não se aproximem mais! - gritou Drinian.

–Fique perto de mim. - sussurrou Caspian, permanecendo à minha frente, escondendo-me parcialmente. Assenti.

–Viemos em paz! - gritou um deles.

–Quem são vocês? - perguntou Caspian. - De onde vem?

–Pescadores, senhor! - respondeu o mesmo. - Partimos da Calormânia há muitos meses em busca de peixes, mas enfrentamos uma dura tempestade há duas noites, nosso navio não tem condições de voltar para casa, precisa de reparo.

Dei uma rápida olhada pelo convés deles.

–Não há redes e muito menos peixes a vista. - sussurrei.

Caspian assentiu minimamente e Drinian lançou um discreto olhar à Rince, que estava juntos dos arqueiros no convés.

–Em dois dias de viagem vocês encontrarão terra firme. - orientou Caspian.

O capitão do Tarcaã sorriu, correndo os olhos pelo Peregrino. Por trás dele, mais homens surgiram ao convés, sua quantidade aumentando consideravelmente.

–Por favor, só estamos pedindo ajuda. - sorriu de lado. - Nossas crianças tem fome em casa. - então gesticulou sugestivo para seus homens armados numa ameaça velada. - Vai nos ajudar, não vai... Majestade?

A brisa soprou um pouco mais forte.

–Eles vão atacar... - pensei alto, mas dizendo num sussurro.

–Não temos como ajudá-lo no reparo. Será mais viável que chegue a terra firme daqui a alguns dias. - respondeu Caspian, firme. Falando mais baixo em seguida: - Dê a partida, Drinian.

–Remem! - ordenou Drinian e os marinheiros a postos lá em baixo nos impulsionavam para frente devagar.

–Ora, já vão? - gritou o do Tarcaã. - Negar ajuda não é coisa que um nobre faça! - os outros riram alto. Caspian não respondeu. O capitão deu de ombros. - Peguem-nos.

Os calormanos gritaram em triunfo. Uns agarraram-se às cordas penduradas e lançaram-se para o convés do Peregrino.

–Arqueiros! - ordenou Drinian.

Saí de detrás de Caspian e puxei uma flecha da aljava, mirei e atire num dos que estavam nas cordas, fazendo-o cair no mar. Preparei outra flecha enquanto Caspian desembainhou a espada e alguns marinheiros lutavam contra os calormanos que alcançaram nosso convés. Outros chegaram até aqui saltando de um navio para o outro.

Caspian saltou da popa e começou a lutar junto com os marinheiros que estavam no convés. Travos quando não os acertava com o machado, os lançava para o mar. Mirei e atirei seguidas vezes, focando nos que tentavam chegar ao Peregrino e eles caíam no mar.

Rip ficara praticamente invisível correndo pelos marinheiros, deixando ver apenas os piratas que fazia cair sem vida. Drinian atirava com a besta, Rince permaneceu na popa comigo, próximo à beira do navio enquanto eu estava perto do manche.

–OS CANHÕES! - gritou Drinian.

Perdemos um marinheiro, empurrado do navio por um pirata, quando se ouviu o primeiro estrondo dos nossos canhões. O solavanco me desestabilizou, fazendo-me perder a mira e cambalear para o lado, dando ao pirata em que mirava a chance de me alcançar assim que soltou a corda e pisou no Peregrino.

Defendi-me de sua cimitarra com o arco, desviando quando podia. Chutei-o nas oportunidades que tive. Aparei um de seus golpes com o arco outra vez, sustentando. Consegui apoiar-me bem e empurrar a cimitarra de volta com força, fazendo-o girar. Aproveitei a oportunidade e saltei em suas costas pressionando o arco contra seu pescoço, tentando sufocá-lo, fazendo-o curvar-se para trás para que eu não precisasse tirar os pés do chão.

O pirata grasnou, não conseguindo se livrar do arco. Deixei meu rosto ao lado de sua cabeça para que não me acertasse com a mesma, o que não me impediu de ser atacada de outra forma. Quase sufocando, ele acertou-me fortemente com o cotovelo na barriga, atingindo o ferimento.

A súbita falta de ar e a dor aguda me fizeram soltar uma mão do arco, deixando-o respirar de novo. Assim que o soltei e antes de poder reagir, ele girou e acertou-me no rosto, certeiro. Caí com tudo no chão num baque sonoro, zonza, com os ouvidos surdos. De relance o vi tomar impulso e em seguida a pressão da bota preta e pontuda contra mim seguidas vezes. Senti o ferimento rasgar a cada uma delas. Não ouvi meu grito, mas sei que gritei, apesar do sangue em minha boca.

Os disparos dos canhões continuaram e vieram gritos do Tarcaã no mesmo momento em que vislumbrei a lâmina da cimitarra brilhar, erguida ao sol, e baixar contra mim. Ainda segurava o arco em uma das mãos e tirando forças sabe Aslam de onde, o ergui nas duas mãos, conseguindo bloquear mais aquele golpe. Arfando, chutei seu joelho de forma contrária à articulação, empurrando sua espada para o lado ao mesmo tempo. Ele grunhiu de dor e tentou equilibrar-se de novo, dando-me tempo suficiente para alcançar uma flecha e me arrastar. Porém, por estar com muita dor, não consegui me afastar o suficiente para atirar, tendo de me defender com o arco outra vez. Sentia a camisa molhada pelo sangue do ferimento e por meu queixo escorria o sangue da boca e nariz machucados.

Estava exausta e tonta por causa da dor e da perda de sangue, mas não poderia fraquejar agora. Impulsionei-me para ficar de joelhos, defendi-me com o arco pela última vez e cravei a flecha em sua coxa. O ferimento espirrou sangue dando-me a prova de que conseguira atingir a artéria.

O pirata cambaleou para trás. Rapidamente apanhei outra flecha, posicionando-a no arco. Usando suas últimas energias, ele tentou reagir, mas já era tarde. Atirei, atravessando a flecha por seu pescoço.

Fraca, caí novamente, ao mesmo tempo que o pirata.

Tudo estava acabando. Rince matara seu oponente. Pude ver o mastro do Tarcaã ficando cada vez mais baixo, sinal de que nossos canhões conseguiam afundá-lo. O vento finalmente soprou nas velas purpúreas do Peregrino, nos levando para longe dali. Os marinheiros gritaram em vitória enquanto o Tarcaã afundava com seus piratas.

Ofegante, senti o quanto a dor era aguda vinda do ferimento. Não consegui levantar, permanecendo de lado no chão. Tirei a aljava o mais rápido que pude, levando as mãos sobre o ferimento. Gemi de dor, ainda tonta agora pela dor atroz, trazendo os joelhos em direção ao peito na vã tentativa de contê-la.

Minha cabeça explodia, não conseguia mais manter os olhos abertos. Apenas olhei para minha mão suja de vermelho, inútil em tentar conter o sangramento que acumulava-se no chão do Peregrino.

–Por Aslam, Majestade! - Rince ajoelhou-se ao meu lado. - CAPITÃO! CAPITÃO!