POV Peeta

— Isso, mãe, nós voltamos amanhã de manhã. Sim, estamos bem e não, nós só vamos morar aqui daqui a dois meses. – Katniss falava no telefone enquanto brincava com os dedos do pé na areia.

Noah, Tyler, Hazel e as gêmeas brincavam de destruir os castelinhos que fazíamos com aqueles grãos malditos.

— June, isso não é de comer! – Glimmer falou, tirando a mão de areia dela da boca.

— Meu Deus, meu boné voou! – Marvel disse, correndo atrás do bicho.

Estava fazendo 13ºc e nós não queríamos entrar na água, porque nossos trajes de banho não eram para frio, apesar de eu achar que era suportável.

— Me ajuda, porra, tá voando alto demais!

Cato foi correndo ao socorro do nosso amigo.

— Bota o pé aqui nas minhas mãos que eu te arremesso.

— Tenho que gravar isso – Madge disse, já filmando.

Marvel colocou o pé nas mãos de Cato e este fez um impulso pra cima e pra frente. Marvel voou que nem uma ave que não é feita pra voar e quase pegava o boné no ar, mas se estatelou na areia e correu para tentar de novo. Fazendo o mesmo processo, ele voou mais alto e se machucou outra vez, até que decidiu escalar Cato e mandar ele correr enquanto este pobre coitado tinha coxas e um documento masculino ao redor do pescoço. Sim, Marvel estava na cacunda de Cato e ele ainda corria. Quando conseguiram pegar o boné, caíram de cara na areia, estatelados.

Nós rimos à beça da cena e não percebemos quando nossa afilhada foi em direção ao mar. Graças a Deus, os pés de Finnick agiram rápido e a seguraram antes que uma onda a derrubasse.

Meu coração quase se esmagou.

Ele levantou Hazel como se fosse um troféu.

— Tá viva, tá bem! Eu tenho uma filha corajosa ou sem juízo?

— Obrigada, Cato! Perdemos o voo! Por que você tinha que inventar de cagar logo agora? – Clove praguejou.

— Porque eu sou humano e porque você insistiu que eu comesse aquela papinha de neném que Tyler não quis mais.

Horas e horas se passavam até que conseguíssemos outro voo. Clove e Cato brigavam, Finnick e Annie namoravam, Glimmer e Marvel enlouqueciam com as gêmeas. E eu e Peeta… bem, acho que só queríamos dormir.

Peeta me cutucou por um momento e eu acordei exaltada. Ainda estávamos no avião e as luzes estavam acesas. O ambiente todo estava cheio de olhares curiosos e balões.

Pessoal, olhem para a esquerda— disse o copiloto pelo microfone.

Eu não estava entendendo nada até olhar pela janelinha. Fogos de artifício.

Feliz Ano Novo, passageiros. Hum… parece que temos uma surpresa no voo de hoje. Senhorita Katniss Everdeen? Por gentileza, às 00h02 olhe para a sua esquerda, tudo bem?

Hein? Como assim? Por que eu? Era alguma pegadinha? Meu aniversário e eu não sabia? Não, não… era Ano Novo, não era meu aniversário.

Não deu tempo de questionar nada, porque a porcaria do relógio resolveu marcar 00h02. Eu olhei para a janela apreensiva e, de repente, eu vi: “Casa comigo, Katniss?”. Uma frase em fogos de artifício. Fogos de artifício personalizados! Como pode?

Eu estava em choque.

— I-isso é pra mim? – sussurrei.

Todos do avião olhavam para nós.

— Só pra você, princesa. – Peeta respondeu. – Quero oficializar o nós.

Eu me levantei e andei de um lado pro outro com a mão na cabeça, sem acreditar. Então Peeta fez o mesmo e se ajoelhou, estendendo uma aliança pra mim.

— Quer se ca…

— Claro que eu quero, seu doido! Isso lá é coisa que se pergunta?

E me joguei em cima dele. Todos no avião aplaudiram.

∞ 4 meses depois ∞

POV Peeta

— Não, Prim, é só a première do filme. Claro que você vai vir, né? – Katniss dizia enquanto eu olhava as redes sociais e as notícias sobre nós. – Mas é só em agosto a estreia.

Fotografados fazendo compras em Bervely Hills, Katniss de biquíni (grrr, fotógrafos safados), eu com Noah enfiando sorvete no meu nariz… Glimmer enlouquecendo com a briga das gêmeas, que já tinham dois anos… Ah, e notícias sobre a gravação do nosso filme.

O diretor disse que dava pra esconder a gravidez durante as gravações, mas isso era total e completamente inviável naquele momento, porque Katniss teve um aborto espontâneo devido à nossa genética. Nós dois somos primos e ambos temos genes das doenças da família. As probabilidades aumentam. Ela havia perdido o bebê uma semana antes de começarmos a gravar o filme.

Ainda doía, mas nós tínhamos que seguir em frente. Acabou que fizemos terapia, nos casamos em Las Vegas e deu tudo certo. Estava dando, pelo menos, mas Kat ainda sentia movimentos-fantasma na barriga.

— Anda, me dá logo Noah – Clove disse e eu dei um último beijo no meu filho. – Vem, meu pequeno, vamos fazer uma pintura facial no parque com Tyler. O que acha? Vamos deixar papai e mamãe fazendo cabelo e maquiagem. Tchauzinho, gente linda!

— Tchau! – disse Noah para nós dois.

— Viu só? Ele gosta da tia Clove, nem chora por dar tchau a vocês. A tia Clove é demais mesmo, Noah adora me ver dançando o tchan.

Tchan? – Katniss perguntou, franzindo o cenho.

— Uma dança que eu inventei. Eles riem muito. Bem… lá vamos nós. Vejo vocês em 17 horas, quando acabar a gravação.

— Dezessete horas sem nosso filho… não teria dado certo mesmo, com dois…

O telefone dela começou a tocar.

— Gale? – ela atendeu. – Ah, não, você pode vir vê-lo, se quiser. Compro a passagem para você hoje à noite. Está tudo bem. E com vocês? Tá cuidando da minha família? Hum… que maravilhoso! Mas e você e Cashmere? Já decidiram o que vão fazer? Ah… tem certeza de que aguenta sozinho, Gale? Certo… Até mais, aguarde meu e-mail. Tchau.

— Ele sabe que agora estamos estudando em casa, com o famoso homeschooling?

— Ele deve imaginar.

Então fomos gravar. A primeira cena foi uma comédia. Katniss teve que surtar por ter colocado o gato dentro da máquina de lavar.

— Meu Deus, bichano cretino! Por que você não foi embora com a tia Abby? Eca… e você tá fedendo! Pura roupa suja!

Então ela colocou de novo o gato na máquina de lavar e eu tive que entrar correndo na falsa lavanderia do cenário.

— Seu chefe me deu um tapa! – vociferei.

— Eu só pedi que você pedisse para ele pedir pro dono do restaurante pedir pro gerente me promover à garçonete principal. Não é tão difícil assim!

Miau! — a produção colocou o som.

Katniss fez uma cara desconsertada e eu abri a máquina de lavar.

— Tudo bem. Vou tirar esse gato daqui, assim como qualquer objeto cortante ou pontudo – falei, agarrando o bichano.

— Ei… não vai – ela pediu, meio tristonha, e eu parei de andar. – Eu não estou saindo do controle, eu juro.

Eu ri irônico.

— Pode crer que está. Isso já passou dos limites. Eu vou contatar a assistente social.

Eu odiava falar assim com Katniss, mas ela não era ela, ela era a personagem naquele momento.

— Não vai! Eu vou dar um jeito! Em breve tudo vai se resolver. Preciso da sua ajuda, não o contrário. Por favor.

Ela veio até mim e eu tive que fitá-la com seriedade antes de assentir e dar um abraço nela. Assim que ela desvencilhou, deu um beijo no canto dos meus lábios.

— Eu…– ela hesitou – nada, esquece. Vai. Vejo você na escola.

Corta! Vamos fazer mais umas vinte vezes e depois escolhemos a melhor.

E lá íamos nós.

Filmamos apenas duas cenas naquele dia. Bem… eu filmei só uma. Katniss quem teve que filmar outra com Finnick.

— Ela não vai voltar, entendeu? – Katniss chorava e soluçava. Sua atuação não podia estar mais perfeita.

Aquele é o tipo de cena que se faz e tem que ajeitar a maquiagem, por causa das lágrimas e da cara inchada. Eles faziam um take e retocavam a maquiagem, consecutivas vezes. Eles também se beijavam nessa cena, um beijo técnico, várias e várias vezes.

— Minha tia me abandonou aqui, deixou comigo minha irmã de seis anos de idade e eu estou surtando porque toda vez que a assistente social está nessa maldita casa, minha suposta tia, que na verdade é nossa amiga se passando descaradamente por ela, tem que estar no banheiro morrendo de dor de barriga. Na próxima vez que aquela mulher vir aqui, ela não vai apenas querer ouvir a voz da minha tia, ela vai querer vê-la e vai esperar até ela sair do banheiro. Então não me manda ficar calma, tá bom?

— Tá, tudo bem, desculpa.

E Finnick puxou minha esposa pela cintura e a beijou com vigor. Era tudo atuação, mas isso em dava nos nervos. Eu podia até dizer que tinha raiva.

Katniss o empurrou do beijo e limpou a boca.

— Não posso fazer isso com você. Sabe que o que você sente não é recíproco. Desculpa.

— É, eu sei, mas o seu queridinho gosta da nossa melhor amiga. Acho que é melhor a gente se contentar com o que tem, pra não ficar sofrendo que nem você...

E ele saiu pela porta.

Corta! Essa foi ótima, mas vamos de novo.

Resumindo, chegamos em casa exaustos. Noah já dormia, graças aos braços de alguém do H&M que não estava na gravação. Na sala, os outros – Annie, Clove, Marvel e Cato – cochilavam e Hazel assistia à TV de dentro do bercinho de tela, aqueles que são bem fundos.

POV Katniss

— Hazel, você deve estar com sono, não? – perguntei e escutei Glimmer derrubar algumas coisas na cozinha. – Peeta, vai ajudar ela a fazer o leite das gêmeas que eu vou colocar Hazel pra dormir no quarto dela.

Hazel tinha um quarto só pra ela. As gêmeas dividiam um e Tyler e Noah o outro. A mansão era gigante e ainda dava pra todo mundo ter filhos ali.

Balancei ela na cadeira de balanço enquanto cantava uma canção de ninar e depois a coloquei no berço, quando finalmente adormeceu. Fui procurar Peeta e o encontrei tomando banho. Aproveitei para entrar na banheira junto e encostar minhas costas no seu peito.

— Estamos fazendo isso por eles, né? Pra terem um bom futuro? – perguntei retoricamente.

— Estamos, estamos fazendo o que podemos. E daqui a alguns anos talvez tenhamos dinheiro para comprar nossa própria mansão. Agora vamos tirar uma selfie. Os fãs merecem. Hashtag “descanso merecido”.

Ele bateu a foto a postou nas redes e uma conhecida angústia recaiu sobre meu peito.

— Peeta, eu preciso de você como primo por um momento. Eu amo você como meu marido, mas eu sinto falta do meu primo.

Ele suspirou pesado.

— Sabíamos que isso ia acontecer, mas tudo bem… quer eu como primo? Toma! – E jogou um monte de água com espuma na minha cara.

— Isso não vai ficar assim! De jeito nenhum! – Eu comecei a rir e quase o afoguei com tanta água.

Limpamos o banheiro e colocamos nossos pijamas. Deitei na cama, deixei meus músculos relaxarem nos braços de Peeta e peguei o celular para assistir uma série no Netflix, porque havia muitos meses que eu não conseguia terminar uma temporada de Grey’s Anatomy.

— Minha filha é famosa e eu que fiz o vestido do tapete vermelho dela – meu pai falou para o diretor do filme, todo orgulhoso. – Isso é incrível.

Prim endoidava com os famosos, pedindo selfies o tempo todo, sem saber com quem falar primeiro. Ela estava encantada e enorme, uma verdadeira moça.

Flashes, fotos, poses e entrevistas. A produtora do filme chamou os atores mais ban ban bans de Hollywood. Era muito pra digerir e eu estava confusa, atordoada.

— Katniss, quando você fez aquele primeiro vídeo, imaginava que estaria aqui agora? Era isso que você queria? Geralmente os vloggers de famílias tradicionais não são chamados para fazerem entrevistas na TV ou filmes, por que você acha que isso aconteceu com vocês?

Fui até a moça que me perguntou essa última pergunta porque era a mais original e não-óbvia de todas.

— Eu acho que o que aconteceu foi um caso dramático. De repente, somos adolescentes comuns e, de uma hora pra outra, nos vemos numa situação difícil. Mas situações difíceis todo mundo tem. Não quero me gabar, mas acho que foi por causa do romance entre mim em Peeta, porque é algo polêmico, para ser sincera – A entrevistadora riu e eu ri junto. –, e acho que isso chamou atenção do público.

— Seu diretor está chamando. Foi um prazer, Katniss, obrigada.

— Eu que agradeço! Tchauzinho.

Ao fim da noite, cheguei em casa morta, completamente zumbificada e exausta. Péssima hora pra receber um telefonema desses:

Katniss? É você?

— Cashmere? O que… o que quer?

Katniss, eu preciso que venha pra Denver agora. É o Gale, ele sofreu um acidente.

— Foi acidente de carro? – Solucei.

— Foi. Ele teve uma parada cardíaca depois da cirurgia. Não conseguiram… enfim, eu soube que Madge namorava com ele à distância – Cashmere disse.

— O enterro é quando? – mudei de assunto.

— Amanhã à tarde, mas a gente tem que ter tempo de… de resolver sobre a minha filha, Katniss.

Eu me engasguei e tossi. Ela me deu tapas nas costas para eu desengasgar.

— Ele quis que você ficasse com a Daphne, Katniss.

— Oi? Cashmere, eu tenho dezoito anos! Não posso ficar com sua filha assim, sem mais nem menos.

— Você tem uma casona, um carro, um filho de dois anos e milhões de dólares na conta. Eu dou minha filha pra você. Eu quero que fique com ela, mas não faça por mim, faça por Gale.

O pai de Cashmere apareceu com a neném no colo e meu útero se revirou. Eu queria tanto aquele bebê… mas parece que Deus quis mais, precisou de um anjinho no céu. Ele criou asas. E eu precisava cuidar daquela princesinha ali, daquela anjinha sem asas, porque ela precisava de ajuda. Precisava de mim.

Pelo meu falecido filho, eu tinha que fazer isso.

— Eu… ai meu Deus… isso é loucura… Tudo bem, ok, eu aceito ficar com a sua filha, mas se o juiz não autorizar… eu não vou bater boca.

Cashmere sorriu e foi ligar para o advogado. De uma hora pra outra, o pai dela jogou a criança em meus braços.

— Toma essa bombinha de cocô, ela vai ficar muito mais feliz com você.

A menina de cabelos escuros e olhos cinzas olhou pra mim apreensiva e com a mão na boca.

— Ai meu Deus, coitada dessa criança.

Liguei para Peeta imediatamente.

— Vem pra Denver e deixa Noah aí com o povo. A gente têm um novo bebê, Peeta.

Dois dias depois do enterro, comigo ainda de cara inchada de chorar e residindo em nossa não-completa casa, o juiz fez uma série de perguntas para nós dois. Tivemos que comprovar nossa renda fixa, mostrar nossos vídeos diários e atestar que tínhamos condições de criar essa criança. Graças a Deus, já éramos formados na escola e já tínhamos emprego. A única coisa com a qual ela iria querer encrenca era com o fato de nós não termos vinte e um anos, mesmo emancipados.

— Com todo respeito – comecei –, creio que essa criança deveria ficar em uma ambiente amável e com gente conhecida. Os únicos responsáveis capazes de assumir a guarda são da parte materna da família dela, e eles não a querem. Não sei de que valem essas minhas palavras, mas, pela vontade do meu amigo, eu posso cuidar desse bebê como se fosse meu. Era isso que ele iria querer, e era um pai maravilhoso.

O juiz suspirou.

— Muito bem, se for pelo bem-estar dessa criança e pelo desejo de adoção da mãe biológica, concedo essa criança à Katniss Everdeen e a Peeta Mellark.

Bateu-se o martelinho e lá estávamos nós doi… três.

Uma mulher de luto, um homem que surpreendentemente aceitou a proposta maluca dessa mulher (ele sabia que o bebê não tinha culpa de ser filha de Gale) e uma menininha de dois meses de vida, órfã de pai e abandonada pela mãe.

Lição do dia: faça o certo.

— Você não ficará sozinha – sussurrei no ouvidinho dela. – Eu prometo que não. Nunca mais.