POV Peeta

Katniss não sabia que eu a filmava na cama com Daphne. Ela não fazia ideia.

Eu já havia ganhado um pouco de prática com ângulos de esconderijo de câmera, mas não era aprimorado ao ponto de ela não perceber mesmo se olhasse bem. Era achável.

Mam…

Daphne apontou para ela.

— Eu? Não, eu sou Katniss!

Mamã…

— Daphne, sua mãe não…

Mamamamamã…

Ela escalou minha esposa para conseguir ficar de pé na cama e sua cabecinha deitou no ombro dela.

Katniss se derretou.

— Tem razão, minha boneca, eu sou mesmo sua mãe. Não foi de sempre, mas prometo que até o fim da minha vida você pode me chamar assim.

Segundos depois, Madge entrou no quarto e eu soube que era hora de desligar a câmera. Saí do closet sorrateiramente, sem aparentar que gravava, e pude ver que Madge olhava para Daphne com nojo.

— Você precisa pegar o voo, Katniss.

— Não, só mais uns minutinhos disso aqui, Mad… está tão bom, tão confortável…

— Katniss, não dá mais! Vamos logo com isso! Vai ser só uma semana de gravação em Atlanta, dá de boas pra você ir. Anda, se levanta…

— Daphne acabou de chamá-la de mãe, Madge. Deixa ela curtir isso – pedi.

Ela urrou gurutalmente.

— Urgh! Daphne aqui, Daphne pracolá… qual é? Essa pirralha nem é filha de vocês!

— É sim, e nós vamos deixá-la sem pais por uma semana, então peço que você cuide bem dela, Mad.

— Fala como se eu fosse maltratá-la ou algo do tipo…

POV Madge

— Já botei Noah para dormir, Madge, e já falei com o casal Mellark também – disse Clove, bocejando. – Falta trocar a fralda da Daphne e dar a comida dela. Aquela ali madruga tarde e o resto do povo já tá desmaiado.

Revirei os olhos e assenti.

Cuidar da pirralha.

— Credo, Daphne! Que cocô fedido, pelo amor de Deus! Eca!

Limpei tudo com o maior sacrifício e nojo, e logo depois me dispus a fazer a comida dela. Cenoura amassada. Eca de novo!

Ela era até boa de boca, mas cuspiu em mim umas mil vezes e ainda riu da minha cara depois. O sorriso era igual ao de Gale, assim como os olhos e a boca. O nariz era de Cashmere, mas isso era uma bênção, porque o de Gale era meio grande.

— Finalmente, Jesus! Acabamos.

Pus a tigela na pia e me voltei para ela novamente. Ela estendia os bracinhos para que eu a tirasse da cadeirinha.

— Você jura que quer que eu te bote pra dormir?

Ela gemeu e estendeu mais os braços.

Eu a peguei e a segurei em meu colo, meio deitada. Seu dedo polegar foi parar na boca e a imagem me fez ver Gale, não que ele já tenha ficado assim, imagina…

— Por que você tem que ter a cara cuspida e lavada dele, hein? Todo dia eu vejo você nele e… droga, Daphne! Eu quero esquecê-lo!

Quando eu olhava pra ela, via apenas a lembrança de que meu namorado havia morrido. Via a lembrança da minha dor. Sentia a dor toda de novo. Era um luto constante ficar perto daquela pirralha.

— Eu amava ele, entendeu? – Comecei a chorar, com direito a soluços engasgados e tudo. – Eu amava o seu maldito pai e ele tinha que inventar de morrer, de te comprar aquele maldito brinquedo! Se ele não tivesse ido naquela loja por sua causa… se você tivesse chorado um pouco menos naquela noite… talvez ele demorasse mais a pegar o maldito carro e isso teria evitado que o caminhão batesse nele. Entende agora o porquê de eu te odiar tanto? Você o matou!

E nisso ela dormiu, pensando que eu estava contando apenas uma história avulsa e terrível. Coloquei ela no berço e me sentei no chão, com as costas na parede. Não estava me sentindo bem. Estava tonta, cansada e vazia.

O que eu tô fazendo aqui ainda, Gale? Por que você me deixou aqui? Por que não me levou junto para comprar esse brinquedo? Isto aqui é uma tortura para mim, pior do que qualquer outra possível. Ela faz com que eu sinta que você ainda está vivo, mas sei que não está. E isso é horrível. Eu não consigo aceitar que você me deixou!

Olhei para ela novamente e, dessa vez, percebi que Gale desaprovaria totalmente minha posição a respeito dela. Ele devia estar me detestando nesse exato momento, onde quer que estivesse. A culpa não era dela.

A culpa era dele, ou do motorista do caminhão. Não dava pra saber quem perdeu o controle primeiro. E isso tudo em dava tanta raiva! Gale também não iria querer que eu culpasse os envolvidos, ele não iria querer me ver tão furiosa. Eu estava sendo uma idiota, mas eu precisava disso, era o meu tipo de luto. Eu tinha que tê-lo, só não precisava descontar nos outros.

— Eu não odeio você, Daphne. E sei que a culpa não é sua, ok? – sussurrei para ela, mesmo que estivesse dormindo. – Seu pai podia ter ido na loja de brinquedos mais pertinho da sua casa. Ele podia ter evitado o acidente. Mas preferiu ir numa loja mais longe porque lá o embrulho era daqueles que você conseguia rasgar. Ele adorava te ver rasgando os presentes. Era a maior felicidade momentânea que ele podia ter. Eu… eu não vou dizer que te amo porque isso não seria verdade, mas espero um dia poder dizer isso, porque você é a única coisa que me restou do seu pai e eu o amava. Eu não te odeio.

∞ anos depois ∞

— Bora logo, cabeças de bagre! A gente vai ser os últimos a pisar no tapete vermelho! É o Oscar, negrada, vamo logo! – gritei. – Noah, pelo amor de Deus, tem papel higiênico na sua bund… na sua calça, tira isso!

Clove apareceu na minha frente e eu gritei de susto.

— Jesus, Clove!

—… esteja convosco. Ele está no meio de nós – Cato gritou ao fundo, completando ironicamente.

Peeta filmava tudo e se borrava de rir da bagunça.

— Pois é – Clove disse. – Ele já morreu, querida. Só se livrando dos pecados e morrendo pra conseguir conhecê-lo.

— Ai, tá, tá, tá, mando um recado seu pra ele quando isso acontecer, mas pelo amor de Deus, ajeita essa maquiagem! Fica dizendo que manja das maracutaia dos blushes, sombras e batons… dá nisso. Tá parecendo o curinga, minha filha! Vai se ajeitar e deixa o maquiador te ajeitar. Vou chamar um carro separado para você ir depois, porque eu tenho que levar o resto da cambada que foi indicada. A babá vai já chegar para ficar com as crianças e…

— Madrinha, por que só eu e Noah podemos ir? – perguntou Daphne, fazendo bico.

— Porque vocês são filhos dos dois indicados do grupo, então precisam ir – expliquei, e ela sorriu, mostrando suas duas janelinhas fofas na dentadura já mutante.

Seus cabelos castanhos estavam ficando loiros e cacheados nas pontas. Ela parecia um anjinho. A cara de Gale.

E lá fomos nós, loucamente entrando no tapete vermelho.

Perguntas sobre a nova gravidez de Annie (surpresa!) foram feitas, Katniss tropeçou e caiu duas vezes, Peeta tentou segurá-la em ambas as ocasiões e os dois, como esperado, foram os que mais tiraram fotos e deram entrevistas. Nem Noah e Daphne escaparam.

— Noah, como tem sido trabalhar como seus pais?

— Ah, é bem legal, tirando que eles ficam no nosso pé o tempo inteiro. Eu e Daphne realmente gostamos de atuar, sabe? Nossos pais demoraram muito para aceitar isso, mas deu tudo certo e cá estamos nós. Espero em breve ganhar minha estatueta.

— Noah – Daphne pestanejou, indignada, batendo o pé no chão impacientemente. – Como você pode falar isso? Você mal aparece nos filmes! E eu também não tenho muitas cenas. Nossos pais não querem nos destacar muito e dizem que é para o nosso bem, mas acho que isso é paranoia de gente velha, sabe?

Eu e a entrevistadora rimos, junto com um sorriso de Noah, que sussurrou alguma coisa no ouvidinho dela.

— Ah! Duvidam que eles vejam isso, mas todo mundo aqui é velho, Noah. Tenho certeza de que já trocaram todos os dentes. Olha os meus!

Ela abriu a boca para a entrevistadora, que gargalhou mais ainda com as gracinhas da menina de seis anos.

Depois do auê do tapete vermelho, nos acomodamos perto de Katniss e Peeta. Daphne e Noah brincavam silenciosamente nos celulares, até que a cerimônia começasse. Quando começou, foi difícil mantê-los quietos e atentos. Só consegui depois de suborná-los com a promessa de comprar potes de sorvete que dava para duas semanas. Os dois iam me matar, mas enfim…

Acho que dois ganhadores do Oscar não matariam a própria agente. Eles estavam ali por minha causa, afinal.

Infelizmente, Peeta não ganhou sua estatueta de melhor ator coadjuvante, mas todos esperavam que Katniss ganhasse a dela, de atriz principal. Ela havia ganhado o Globo de Ouro e todos as outras premiações. Não havia perdido uma sequer. Só faltava o Oscar.

Na internet, lia-se comentários como “Katniss Everdeen arrasou na atuação desse filme. A cena da briga foi a melhor, com gritos, choros e explosões.”. Ela havia melhorado muito na atuação, tipo umas mil vezes. Acho que ela havia nascido para ser atriz. Juro por Deus. O nascimento de Noah ajudou ela até nisso.

Não me surpreendi quando o nome dela foi chamado.

A plateia explodiu em aplausos e Daphne e Noah se penduraram em mim, derrubando-me no chão.

— Madge? – Katniss me procurou, provavelmente querendo em dar um abraço.

— Vai lá. – Levantei o polegar, ainda com dois toicinhos em cima de mim. – Arrasa, gata!

Ela riu e foi lá. Consegui me livrar dos pesos-pesados no exato momento em que ela tropeçou na escada e acionou vários risos.

Ai, ai…

Eu pensei que não poderia piorar. Mas aí ela inventou de lançar uma bomba no meio do discurso lindo que fazia.

— Quero agradecer a Peeta, porque eu não estaria nem viva sem ele. Sério, literalmente. À Madge, que foi a melhor amiga e agente que eu poderia ter imaginado ter; ao povo do H&M, seus lindos, porque eles me fizeram seguir em frente quando eu pensei que só conseguia andar de ré e principalmente aos meus filhos, que são a única coisa não bagunçada da minha vida. Sei que posso olhar para eles e me sentir segura. Devia ser o contrário, não? Quem é a criança aqui mesmo?

A plateia riu.

— E é por isso que eu e Peeta anunciamos que tem outros bebês a caminho. Vocês não vão poder ver ainda, mas tenham certeza de que já estão no forno, como minha irmã Prim fala.

Todos pareciam chocados.

— Pois é, Peeta e eu vamos ser os novos Brad e Angelina. Quatros filhos, gente! Temos para dar e vender! Bem… porque, claro, precisamos de mais bagunça para ver o H&M se meter em loucuras, não é?

Bem, isso foi uma semana antes de descobrirmos que Clove também estava buchuda.

Então fiz uma loucura, porque com tantos bebês rodeando minha vida, deu vontade de ter um também.

Conheci um cara numa festa pós-premiação. Ele era bonito, jovem e tinha cheiro de rosas. O nome dele era… quer mesmo saber?

Não basta dizer que tive dois filhos com ele?

Não?

Tudo bem, eu digo. Mas só o sobrenome.

Snow.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.