Murilo desliga o rádio do carro de uma maneira tão destrambelhada, de quem não conseguia apertar o botão certo, que o encaro como se não soubesse bem de onde veio tudo isso. Estava nervoso desde que chegou para o almoço e só concordou em me deixar na casa do Vinícius porque era caminho para a casa do seu chefe.

Djane já tinha saído com mamãe e por mais que o namorado pudesse fazer o caminho contrário e me encontrar em casa, eu preferi sair um pouco, respirar outros espaços. Principalmente depois de ter feito uma maratona intensa como a de ontem. Foi muito bom passar o dia inteiro vendo e discutindo série, só que também um pouco cansativo, a ponto de me impelir a sair.

Mas meu irmão continuava agoniado. Já havia tomado umas três buzinadas no caminho. Estava fazendo me preocupar com ele no trânsito.

— Vai ficar tudo bem, tá? Tô com o mp3 aqui.

Abro o zíper da bolsa só o suficiente para ele ver que o aparelho constava lá.

— Eu sei. Eu só...

— Vai ser só de madrugada, você mesmo disse. Vou estar em casa. Com fones de ouvido e tudo.

De alguma maneira, ele arranjou tempo no último sábado do ano para me arrumar fones gigantes, desses que cobrem mais do que as orelhas, cobrem quase toda sua cabeça. Já usava alguns fones para as incidências de trovões, porém, dos mais simples, que nem sempre abafavam. Agora ele me apareceu com esses para testar. Por precaução, também me fez colocá-los na bolsa, o que a estufou por completo.

— É, mas você sabe... que em algumas regiões da cidade...

— O que tem de diferente hoje, hein? Não é como se a gente já não tivesse saído com previsão de chuva ou mesmo com a chuva despencando. Além de que vou estar em um local seguro.

Era curioso eu estar mais confiante do que ele, ao contrário da noite passada. Permanecia desgostosa, no entanto.

— Desculpa, eu só... tem hora que acho que... Desculpa. É que sinto que errei contigo e ao mesmo tempo acabo fazendo coisas demais pra compensar e... eu fico todo atrapalhado pra me segurar, porque também vejo que tô exagerando e...

— Respira, Murilo. Você não errou comigo. Não tá errando comigo.

Tá, eu tava chateada, mas não com ele, só com a situação.

— É, mas esses dias você tava sorridente e feliz e agora... agora já não tá mais.

Olho para o céu coberto, nublado. Amanheceu assim, nem fechadão, nem com tanto sol, só muitas nuvens acobertando o espaço lá em cima. O friozinho de manhã foi meu primeiro sinal de que o tempo estava mudando. Ao abrir os olhos, eu soube: precisava tomar uma atitude.

— É só a vida... e eu tendo que fazer algumas escolhas chatas. Também tô processando. Mas o que mudou de ontem, ou da madrugada, pra hoje?

— Cansaço, não dormi muito bem.

Meu irmão dá de ombros e ao mesmo tempo seus ombros caem com um grande peso ao assento. Não sei se ele está em condições de ir trabalhar, mas sei que se eu falar, ele não vai desistir de ir. Então me sobra apenas ajudá-lo a aguentar só mais um pouquinho.

— Fora que eu me planejei pra ter a conversa com você e na hora saiu tão... Parece que só piorei as coisas pra você.

Enquanto ele acompanha pelos retrovisores o movimento dos carros, reforço umas boas palavras e até mesmo dou umas batidinhas em seu ombro.

— Não piorou, te juro. Só foi... um banho de água fria.

Quase congelante.

— Foi porque eu demorei a conversar com você sobre isso. Não te preparei o suficiente. Fiquei postergando pra ver se a previsão melhorava e também porque tem essa nova função no trabalho, me atrapalhei e... Queria ter feito mais.

Um caminhão-cegonha vazio passa na nossa frente e isso parece o deixar mais agitado.

— Desse jeito, vou ter que fazer o Vinícius te deixar no trabalho.

— Faltam umas... 40h... pro ano novo. Acontece de tudo no trânsito.

— Sim, acidentes. Com gente apressada, estressada, preocupada, atarantada.

Ele enfim entra numa rua que leva para a casa do Vini e assim parece sossegar mais, por não ter tanto carro ou ter que fazer manobras.

— Vou cortar caminho até a casa do meu chefe, satisfeita?

— Sim. Já temos uma acidentada. Não quero que se machuque, ainda mais por eu estar fritando seu cérebro.

Isso faria mamãe ficar mais na nossa casa, porém, não apelo com esse argumento.

— Não tá fritando não. Eu que... Eu que tô me atrapalhando sozinho.

Virando na rua do Vinícius, sei que tenho pouco tempo para lhe dizer algo bom, assim me apresso e deixo essa questão de cérebro pra depois. Me viro pra ele até, para que se concentrasse mais.

— Você tá fazendo o bastante, Mu, pode ter certeza. Me deixou sorrir o quanto deu. Eu também não liguei pra checar a previsão. Eu só fui vivendo os dias, um de cada vez. E não é como se o mundo fosse acabar. Só vou perder alguns eventos... Tô me preparando pra perder... e ganhar em outras instâncias. Também pra ser sincera com as pessoas sobre isso. Aceitar que existe um problema. Esse é o primeiro passo, não é?

Sua resposta vem logo que ele estaciona na porta do namorado.

— S-sim.

— Você fez sua parte e fez do jeito que pôde. Tá tudo bem, sério. Não tô chateada com você, nem nada do tipo. Na verdade, tô é preocupada com você no volante desse jeito.

— Vou ficar bem. Mas sabe que pode me ligar a qualquer hora, não sabe?

Com essa sua demonstração de agonia de novo, decido antecipar uma informação – ou melhor, decisão – que tomei essa manhã, quando acordei com mamãe ainda na minha cama, permitindo-se dormir para além do seu horário matutino e depois de suas palavras na madrugada terem assentado. Soube ali que Murilo tinha razão: seria um inferno pra eu sair de casa nas condições de trovoadas e comemorar qualquer coisa. Soube também que havia chegado a hora de dar uma resposta diferente para a questão da terapia.

Como Murilo, eu estava planejando um momento para trazer o assunto à tona. Contudo, se isso iria lhe trazer um pouco mais de calmaria, ou alívio, iria fazer por ele. Porque, como mamãe falou, é o que faço.

— Olha, Mu, nesse próximo ano... Eu vou buscar ajuda, tá? Profissional. Não sei quando exatamente ou... como propriamente. Só sei que vou fazer isso. Eu vou me preparar pra isso. E eu sei que tu vai me ajudar também. Mas agora, preciso que você se concentre em terminar o que precisa terminar hoje. No trabalho e no quer que seja. Sem batidas no trânsito, sem acidentes, sem torrar o cérebro, e sem...

Não termino, porque ele tira seu cinto de segurança e me abraça. Não sei ao certo se lhe trazer grandes emoções era o ideal para ele seguir no volante, porém, sinto que fiz algo de bom. E sinto que tô fazendo por mim também. Mesmo que algo por dentro me impulsione a fugir desse sentimento. Ainda mais por notar o tremor no corpo de meu irmão, de quem está para lá de emocionado.

Com carinho, nos desvencilhamos. Murilo passa a mão no rosto pra dispersar o nariz já congestionado e eu foco no meu pedido.

— Promete? Promete que vai... se concentrar?

— Vou me esforçar, prometo.

Ele então me olha com bico de quem tá segurando a emoção, me abraça forte de novo e me solta disposto a me deixar ir.

— Ta-á... errr... tá entregue então. E prometo que vou estar em casa, c-cedo, umas... errr... 20h no máximo. Pra a gente ver um filme... ou qualquer coisa. Ainda tem sorvete?

— Você comprou mais ontem, não lembra?

Ele inspira para equilibrar mais as emoções.

— Ontem eu tava totalmente no automático. O que é um papo pra outra hora. Tenho mesmo que ir.

— Tudo bem. Ainda vamos papear muito.

Ele acena com graça como quem corresponde a um comando militar. Rio de modo breve, o que me parece ser o primeiro riso do dia, e tomo um fôlego antes de lhe dar um beijo estalado na bochecha. Bem recebida, abro a porta para uma nova jornada de conversas importantes. Algum ânimo, no entanto, me foi injetado para prosseguir.

— Até depois. Sem batidas.

— Sem batidas.

~;~

Há pouco mais de um ano me direcionei para esta casa ansiando e temendo um contato a mais com o Vinícius. Agora cá estou ansiando para conversar sobre... coisas. Tantas coisas. Coisas que não quero mais postergar e nem ter que esperar o ano novo. Porque quero que, assim como fiz com meus amigos, estarmos eu e o Vinícius na mesma página. Ou algo bem próximo disso.

As chuvas vêm aí, como também as reuniões de família, as festividades, o feriado, o novo ano, e quero estar em sintonia com o namorado. Faz muito tempo que estou lhe devendo umas conversas e, ao mesmo tempo, tanta coisa já aconteceu. Quero que ele ouça e saiba o quanto eu o amo. Que quero passar a virada com mais certezas do que dúvidas ou conflitos. Quero a gente junto, com nossas vidas de mãos dadas, entregues.

Preciso dizer essas palavras também porque nosso último encontro foi estranho. Assim como havia coisas lhe bagunçando a cabeça, havia as minhas paranoias e preocupações. Que a gente se ouça e se cuide. É tudo o que mais quero no momento.

Até enfrentar ameaça de chuva e trovões enfrento, porque ele é importante assim.

Só que ele não tá atendendo a campainha.

O carro não está na porta, mas pode estar na garagem. Busco o celular para poder checar se está em casa, pois vai que deu uma saída rápida?

No primeiro toque, ouço a chave na porta. Ela me revela um Vinícius vacilante e agitado, como quem deu uma pequena corrida.

— Eu... errr... estava lá no fundo.

Antes de mais nada, com calma, abraço-o pelo pescoço. Suas mãos deslizam por meu dorso até minhas costas e sinto ligeiramente o cheiro da sua colônia pós-banho. Os cabelos já estão secos e acho que até bem bagunçados, do que pude capturar antes de me grudar a ele. Nesse ponto, não falamos nada, só ficamos assim, quietos e juntos, respirando e existindo, por um tempinho. Poderia ficar assim por muito tempo mais se não significasse ficar no meio da porta da rua aberta.

Ao passo que nos soltamos, que ele se move para fechar a porta, noto que está puxando da perna. Mancando na verdade. Nem mesmo pergunto, só o encaro e Vini... Não sei dizer bem, pois, enquanto responde, ele olha para o outro lado, o muro de sua casa, como se quisesse fugir do assunto. Como se estivesse evitando contato visual.

— Tropecei ainda pouco, nada demais.

— Certeza?

— Foi só um balde fora do lugar.

Ele tá estranho, isso é certo. Mais estranho do que a última vez que nos vimos, que foi o dia do sorvete – que não rendeu sorvete – e depois mal trocamos mensagem. Está esquivo desde aquele dia.

Mas acho que quero crer que tô vendo coisas demais. Pode ser um problema no trabalho, como qualquer pessoa. Pode ser só esse balde que deu uma topada.

De qualquer modo, teremos tempo para desfazer nossas estranhezas e refazer nossos planos. Foi com essa confiança que vim para cá, não foi?

Dessa vez sou eu quem acompanho seu passo lento. Diria que é um pouco risível dada a situação, porém, algo na sua expressão me diz que ele não está para esse tipo de humor ou piadinha sem graça. Algo não está no lugar.

Pra todo caso, preencho o vazio.

— Acredita que o Murilo não encontrou gelatina no supermercado?

— Eu também não. Mas comprei iogurte.

Ao menos está respondendo. Isso já é algo.

— Tá valendo pra mim. Tinha fila?

Acho que o pego desprevenido, pois, se antes estava meio distante, agora ele entra na conversa pensativo, como quem nota algo que de última hora.

— Fui bem tarde pra não pegar fila e talvez por isso já não tivesse muita coisa lá.

— É, muito provavelmente.

Apesar de ser o Vinícius a nova vítima machucada, quando vamos subir os três degraus da varanda, ele sobe bem rápido na minha frente para poder me dar suas mãos e braços de suporte.

— Como você tropeçou?

— Tava descendo da escada e não vi o balde.

— Quer dizer que... você tava no telhado?

— Uhum.

Embora agora pareça distraído, isso me acende um oh-oh interno. Porque ele só vai pra lá quando algo lhe perturba. E fazia um tempo que não subia assim.

Bem, não que eu saiba.

Isso me impele a perguntar de uma vez, sem mais rodeios, ainda na varanda:

— Você quer me dizer alguma coisa, Vinícius?

Ele desvia, abrindo mais a porta da sala para eu entrar.

— Vini?!

Coçando ou massageando, sei lá, a ponte de seu nariz, o namorado soa um pouco perdido:

— O que foi mesmo que você perguntou?

Sou direta mais uma vez, embora em tom moderado e ponderado, seguindo pela sala de frente e ele meio de costas.

— Você quer me dizer alguma coisa?

— Não sei, v-você quer?

Bem centrada e branda, assinto.

— Quero. Quero te dizer muitas coisas. Mas porque sinto que você tá fugindo? Não tá nem me olhando.

— Só tô disfarçando a dor no meu pé, só isso.

Pode ser que sim, pode ser que esteja doendo pra caramba, só que esse não é o meu Vini brincalhão ou dramático. Em outros tempos, sei que faria uma cena enorme e divertida. E ele está o exato oposto. Distante e incerto. Algo errado não está certo mesmo.

Faço uma nova tentativa antes de me sentar ao sofá.

— De verdade?

Vinícius ajusta umas almofadas para eu poder me acomodar e esticar a perna, mas ele permanece na outra ponta do sofá, comigo encarando-o e de olho em cada movimento seu.

— Tô bem, de verdade. O que você queria falar?

Agora sou eu que estou incerta de como começar. Sei que ele também tem o tempo dele para contar as coisas, porém, não deixo de pensar sobre como estava na última vez que nos vimos e como as milhões de coisas que temos para nos dizer ficaram outra vez pendentes e, por mais que queira trazer outros papos, quero destrinchar isso. Tirar isso de seu peito, de seus braços, mãos e olhos.

Troco a posição de minha perna para a mesa de centro para que ele possa se aproximar, mas quando Vinícius se senta na mesinha, encurvado e a certa nova distância, resolvo falar sobre isso. Ou pelo menos começar com isso e ver até onde ele vai.

— Na verdade, tenho muito pra te falar. E tem algo que eu decidi e preciso... Eu tomei uma decisão, Vinícius. Das grandes.

Então acontece algo que me deixa chocada de ouvir, mesmo que ele fale baixinho e cabisbaixo, e chocada até para responder, porque travo a ponto de não sair quase nada inteiro. A não ser meus nãos.

— Veio pra terminar comigo.

— O q...? Não. NÃO. O qu...? Como que...? Não. Apenas NÃO?! De onde voc...?

Como um exímio derrotista, ele sequer parece me ouvir.

— Eu sabia que mais cedo ou mais tarde iria acontecer.

— Vinícius, endoidou, foi? O que você tá dizendo? Tu tá me ouvindo?!

Ele se levanta, quase arrastado, se afastando cada vez mais.

— Não precisa ter pena de mim, Lena, porque se isso é o melhor pra você, eu...

Dou um salto tão grande pra me levantar que praticamente nem dou bola para a vista que dá uma leve escurecida, só olho pro chão pra me firmar melhor e então me colocar à sua frente. Intervenho com minha presença e minha postura. Quando ele me nota, puxo seu rosto com ambas as mãos e nos aproximo.

— Vinícius, eu NÃO vou terminar com você. Não vim pra terminar com você. Não vim para falar nada disso. Pelo contrário, vim para discutir um novo plano para a gente passar o ano novo junto. A virada e... todos os... meses... depois. Consegue entender isso?

Ele me encara por alguns segundos enfim e acho que sua ficha está para cair.

Solto-o para que caia logo em si e lhe mostrar o quanto estava inteira, ali, afirmando isso. Que nada em mim queria isso.

— Não vai... Não vai terminar comigo?

— N-NÃO. A não ser que tenha, sei lá, roubado todo o meu dinheiro do banco ou... roubado qualquer outra pessoa. E você não fez isso. Então, NÃO, eu não tenho pretensão de terminar nosso relacionamento. Não tenho e... nem tive até então.

— Mas...?

Ainda há algo nebuloso em seus olhos e não falo de um estar mais vermelho do que o outro, só sei que eu vou até o fim agora. Dou um passo para atrás apenas por fins de me assegurar na tontura rápida que me toma. Me sento com calma na ponta de uma das poltronas que está logo detrás.

— Agora eu... Agora eu que quero entender de onde isso saiu. Tem alguém dizendo essas coisas? Tem... Tem alguém te dizendo isso? Foi meu avô? Porque ainda posso partir aquele velhinho no meio. E dar um belo sermão.

Vinícius se encolhe aos meus pés e pernas.

— Não, Mi, não. Não foi ninguém. Não além de...

— Além de quem, meu Deus?

Ele sussurra, outra vez envergado e envergonhado.

— Além de mim.

Essa visão sua me quebra de um jeito que não tenho nem palavras ou ação, senão tocar-lhe a cabeça e cabelos em um gesto cuidadoso. Inclusive, puxo-o mais para que deite a cabeça sobre minhas pernas.

— Vini.

— Eu sou um id...

— Não diga essa palavra, por favor.

— Um tonto, se preferir. Um imbecil.

Mantenho um carinho em sua cabeça como se pudesse puxar todas essas sensações e frases ruins suas. Sabia que ele estava diferente, contudo, não sabia bem o que esperar ou do que se tratava. E pra falar a verdade, ainda não sei.

— O que houve esses dias? Hein? Porque... até onde sei, tivemos um Natal tão legal – e doido – e bom. E meus avós ficaram aqui. Meu pai veio. Vocês se deram bem. Ou não? Porque se foi ele, eu...

Inevitavelmente, fecho as mãos em seus cabelos macios como se pudesse transmitir toda minha decepção ao meu pai à distância. Mas o Vinícius me faz soltar logo em seguida quando diz, desanimado:

— Seu pai foi bom comigo. Seu avô Luiz também.

— Então o que houve? Como que a gente saiu de... juras de amor e boas risadas pra... pra esse momento? Você achando, acreditando, que eu iria terminar?

Lembro-me novamente do dia do sorvete e de como ele estava péssimo. Pior, da história que ele mesmo contou.

— É ainda por conta daquele... daquele sonho? Ou do... Gui? Eu só tô tentando entender.

Com cautela, ele levanta minimamente a cabeça das minhas pernas e, como se não houvesse força suficiente em si, ajeita-se para se sentar ao chão mesmo, todo curvado. Uma mão aos próprios cabelos mostra como também se sentia fora do eixo.

— Acho que sim? Acho que as coisas na minha cabeça... E então começaram alguns sinais.

— Que sinais?

— Errrr... Teve uma mensagem sua, dizendo que queria conversar. Que tínhamos muito pra conversar.

— Bem, eu queria. Quero. Mas não é nada disso.

— Mi, desculpa, eu só achei... Na minha cabeça... fez sentido.

— Por que faria sentido?

— Não sei, pareceu sério. Naquela noite, eu saí pra espairecer um pouco, correr um pouco, fugir um pouco. Porque a verdade é que fico... assombrado... com isso... constantemente. De alguma maneira, eu sempre acho que você... Fico me perguntando quantas vezes você já pensou em terminar.

Nem hesito em lhe dizer quantas e até me abaixo um pouco para poder emparelhar em nosso desnível de posições.

— Só nenhuma?! Nenhuma vez isso passou pela minha cabeça.

Envergonhado, Vinícius não responde, só fica mais inclinado ao pouco chão que nos aparta. Então minha ficha cai.

— Quantas vezes você já pensou que eu ia terminar, Vini?

Outra vez, ele não responde. Insisto, divagando um pouco.

— Toda briga nossa... te faz pensar isso? Vini?

Vê-lo tão penso e jogado dessa maneira me dá outra perspectiva da nossa relação. De como sempre mostrava um desespero diferente pra consertar as coisas quando algo dava errado. De como se comportava quando se sentia ameaçado por alguém. E de uma frase sua que dizia que eu era sua loucura e sua paz ao mesmo tempo. Isso dá uma nova conotação às suas condutas.

Acho que essa era uma das coisas que ele conseguiu por muito tempo não falar. Não digo nem “esconder”, mas sim que guardou por muito, muito, muito tempo mesmo. Ao longo de nosso relacionamento, percebi essa sua dificuldade de assumir incômodos e chateações. Algumas ficavam bem na cara, outras ele apenas deixava quieto para explodir ou retomar em outro momento. Desde o nosso trato de comunicação, as explosões diminuíram e a conversa intensificou. Ideias foram mudadas e bombas foram desativadas – minhas e dele. Mas não achei que haveria uma desse tamanho, prolongada por todo esse tempo.

— Me diz alguma coisa, por favor.

— N-não todas as vezes.

O embargo dele me quebra mais um tantinho e inspiro um pouco para não ser apenas reativa. Dou-lhe espaço ao me recostar na poltrona, olhando pro teto, pensando sobre essas variadas vezes que ele realmente achou que nossa relação iria terminar.

— Teve... Teve aquela vez no fim do ano passado, que você queria que a gente voltasse a ser amigos.

Volto a posição anterior, jogada às minhas próprias pernas, para não hesitar.

— Mas eu não queria terminar, Vini. Eu não queria mesmo. Queria na verdade era... só um pouco mais de tempo pra processar a confusão da vez... com o Murilo e... Terminar não passava e não passa pela minha cabeça. Eu só gostaria de entender isso na sua.

— É paranoia m-minha, eu sei.

— É, mas paranoias não vêm de um lugar qualquer.

Isso o faz olhar para mim. Tento uma aproximação quando seus olhos cintilam e desviam. Outra vez toco seus cabelos e então seu rosto. Que bom que ele não se esquiva, embora se mostre torturado.

— Às vezes minha cabeça não fica nada habitável.

— Eu até achei que você tivesse doente. Sabe? Esses dias. Depois daquele almoço, a sua mão tava um quente diferente e a face avermelhada.

Vinícius passa a mão nos olhos de qualquer jeito e tenta falar sem tropeçar nas palavras.

— Foi porque eu t-tava... Tava esfregando as mãos na calça de nervoso e depois... Depois me dei um tapa na cara.

Fico de coração pequenininho ao ouvir isso e mais ainda ao lhe questionar:

— Você bateu no seu rosto hoje de novo?

— Hoje? Por quê?

— Tem um olho seu que tá vermelho.

— Ah. Foi o shampoo que caiu. Fiquei tão agoniado que meu braço bateu na prateleira e tubo caiu com tudo no meu pé. Na verdade, tudo hoje tá um desastre. Um belo dia de merda, isso sim.

— Não diz isso, Vini.

— Mas é o que tá acontecendo, Lena. Eu já... derrubei o liquidificador, e voou vitamina na cozinha toda, já tropecei no balde, teve esse maldito shampoo e...

— E pra completar, você achou que eu ia terminar.

Novamente, ele nada diz. Só esconde outra vez um pouco de sua vergonha ao virar o rosto, apoiar os braços aos joelhos dobrados ao alto e se fechar lá.

Inevitavelmente, lembro de quando tive medo de ele me odiar por conta da investigação e o dossiê e me compadeço. Naquele momento, eu só precisava ouvir dele que não era nada daquilo e que tava tudo bem. Ouvir repetidas vezes. É para isso que vim também, para lhe falar repetidas vezes.

Mas também preciso ir um pouco mais fundo, sinto.

— O que tanto te assombra, Vini?

Ele levanta um pouco da cabeça, apenas o suficiente para que eu possa ver seus olhos no topo dos joelhos.

— T-te perder? Eu sei, eu não devia... Não devia dar crédito a essa sensação.

Fico quieta para que possa falar mais. Acho que ele entende, pois continua.

— Eu sonhei de novo ontem e, sei lá, de alguma maneira você terminava, e então teve as mensagens... e as paranoias... O seu abraço ali na porta. Quando falou de uma “decisão”, eu... Foi como me dar uma certeza. Eu não queria, não quero, mas estava me esforçando pra aceitar se fosse o caso. Porque você não merece esse cara cheio de....

— Amor e paixão?

— De medo... e vergonha.

— Vergonha de quê?

— De ser essa pessoa insegura. Todo... ferrado... de insegurança.

— Você não é todo ferrado.

Com essa, ele se levanta, passa a manga da camiseta ao rosto recém molhado e perambula pelo espaço de sua sala, enfim colocando pra fora mais de seus pensamentos.

— Se eu pudesse, Lena, eu... queria ter outra vida. Eu amo minha família de agora, mas não consigo deixar de pensar onde eu taria se minha vida não fosse uma bagunça. Se meu pai Gustavo não tivesse morrido. Ou se Filipe tivesse me assumido.

Com embargo e piscando fortemente, pergunto:

— Eu não estaria nessa sua versão de vida?

— Estaria, essa é a questão! Você teria um cara mais firme e seguro e...

Passo a mão aos olhos, ambos cheios de água.

— Você não sabe.

— Bom, teria mais chances de não ser esse ferrado da cabeça.

— E quem disse que você não pode ser esse cara firme? Quem disse que você não é? Porque, pra mim, você é.

— Não sou, Lena, não sou. É isso que tenho percebido nos últimos dias. Não foram os sonhos. Não foi o livro da sua avó. Não foi... Não foi o Gui.

— Espera um segundo, que eu quero entender isso. Você quer que eu termine?

— Não.

Solto um ar que nem percebi ter segurado. Fecho os olhos por uns segundos só para me dar esse alívio. Não era sobre o Gui, os sonhos... ou a minha avó. Ou seu livro. Mas pelo jeito o seu exercício no Natal mexeu mesmo com ele. E provavelmente a nossa conversa do outro dia, em que falei sobre o cerne desse seu sentimento.

— Isso não é bom, Vini.

— O sonho?

— Não, essa sensação constante de, como disse, ter que batalhar. De estar perdendo.

E então lancei ali naquela situação uma pergunta que deve ter esbagaçado tudo que já tava bagunçado.

— E confia em si mesmo?

Ao abrir meus olhos, enxergo-o sentado onde começamos, no sofá, perdido em sua própria cabeça. Como muitas vezes já fiquei e muitas vezes ele apenas esteve comigo, sendo gentil e amoroso. Caminho devagar até ele, sem desviar meu olhar de seu rosto e sua expressão maltratada. Sento-me ao seu lado e, independente de querer manter sua face escondida de mim, apenas busco seus lábios e beijo-o. Seguro-o pela mandíbula travada e apenas o beijo, com todo o carinho que posso lhe transmitir e que me recebe, mesmo sentido e angustiado.

Em mente, recordo o que respondi a minha mãe no dia anterior de tantas outras conversas.

— O que te atraiu no Vinícius?

— De primeira? Atração física. Mesmo ele estando num hospital. Ele tem uma beleza simples e um grande charme. Um carisma. Me fazia contar minhas peripécias e manter os olhos abertos apesar do sono enorme quando aparecia tarde da noite para visitá-lo. Teve o elemento surpresa também, por conta de Djane e as nossas histórias se misturando. Mas acho que posso dizer que, desde o início, ele fez meu coração sorrir.

Mesmo aqui, quero cuidar desse coração martirizado, assim como do meu próprio, e fazê-los sorrirem novamente. Recordo ainda de como o Vinícius resplandecia sanidade aos meus momentos mais insanos, quando eu quis apenas ser compreendida, aceita e amada. Que é o que vejo em todo o seu ser nesta sua queda. Não aprofundo o beijo porque não é hora pra isso, não ainda.

Antes palavras precisam ser ditas, processadas e assentadas.

Recosto minha testa na sua, sem deixar de tocá-lo. Aliás, passo meus braços por seu pescoço para me firmar ainda mais nele, de respiração curta e nervosa. Mas mantenho meus olhos fechados porque também é difícil assumir algumas coisas dentro de mim.

— Eu também não tenho a vida que desejo, Vini. Tem partes em mim... Tem coisas em mim que não só não gosto como odeio. E demorei muito, muito mesmo, para perceber que isso não me impede de tentar mudar minha história.

Neste instante, abro os olhos e encaro os seus, desnorteados. Inspiro em um segundo só pra me dar um fôlego de falar o que preciso lhe falar.

— Mas independente do que eu faça, como eu faça, quero você junto... comigo. Quero crescer junto, com pequenos passos de coragem. Passos de coragem que eu sei que você pode dar, porque muitos desses já deu. Quero poder dar meus passos também. Junto de você.

Toco-o ao alto de sua camisa, em seu coração, que bate loucamente ao peito. A respiração ainda lhe falta, porém, seus olhos parecem entender.

— Mi...

— Você acredita em m-mim? No m-meu... crescimento?

— S-sim.

Fungo, sem medo de demonstrar que também estava comovida. Acarinho também seu rosto, revendo seus traços parte a parte, a testa franzida, as sobrancelhas curvadas, a boca crispada, a mandíbula tensa, os lábios entreabertos.

— Você acreditou quando eu menos colocava fé em mim, Vinícius. Eu e minhas confusões, sagas, odisseias e ultra sensações de que eu era uma péssima namorada e uma pessoa horrorosa. E você me levantou todas as vezes e fez... fez coisas i-ni-ma-gi-ná-ve-is. Me fez sentir que posso tudo. Me faz sentir que tudo posso.

Ele abaixa o olhar, sentido. E, no que diz em seguida, fala com certo acanhamento.

— Às vezes me parece é que... Parece que você é boa demais para ser de verdade.

Exclamo o que pra mim é muito claro, apesar de que sei que pra ele nem tanto é.

— Tem hora que eu acho que é você que não existe. Porque viu do pior do meu pior e ficou. E eu também fiquei. E vou ficar. Com sisos e...!

— Quê?!

É o primeiro riso seu diante dessa crise e isso me alivia tanto. Significa que está me ouvindo e entendendo a racionalidade dessas irracionalidades. Dou de ombros ao explicar. Porque essa parte é simples e importante na mesma medida.

— Apenas algo que meu pai me disse no Natal. E sabe o que eu respondi a ele? Que você é perfeito pra mim. Com defeitos e tudo, do jeito que veio e apareceu na minha vida.

— Mi...

— Me escuta um momentinho, só isso.

Ele suspira um pouco, pra me dar esse espaço. Me ajeito um pouco pra poder posicionar melhor minha perna, de volta sobre a mesinha de centro, e ao me assistir assim, Vinícius tem uma expressão de que parece voltar a si e a mim, preocupado com o ângulo do meu arranjo, mas logo trato de trazer sua atenção de volta quando coloco minhas mãos sobre as suas ao seu colo.

— Eu entendo que esse seu conflito, Vini, é algo que cresceu por muito tempo aí dentro... e que... há razões para isso ir e voltar. Não se trata de mim, mas também mexe com nossa relação. Porque mexe com... com como você encara a realidade.

— Minha cabeça pode ser uma zona estranha.

Comedida, quase posso rir, quase. Porque não existe cabeça sem essa zona doida.

Nem falo da minha.

— Me diz a de quem não é. Porque ainda não encontrei um ser iluminado desses.

Voltando mais a si, Vinícius pende um pouco sua cabeça para deitar sobre o meu braço que permanece em volta de seu pescoço.

— Desculpa por essa confusão. Eu realmente... Interpretei tudo errado.

— Sim, interpretou bem errado. Mas entendo que algo estava te condicionando a pensar assim. Também tenho meus momentos alucinados, sei como é não ter uma cabeça habitável. É complexo, eu sei, mas... Quero atravessar isso junto com você.

Vinícius move a cabeça de repente, meio alerta.

— Isso não te aterroriza?

— Não me faz querer distância, se é isso que quer saber.

Ele suspira forte e recai sobre mim, encaixando seu rosto ao vão do meu pescoço e passando seus braços por mim para firmar seu contato. Sua voz sai abafada quando diz:

— Desculpa por isso. Por tudo isso. Devo ter parecido um maluco.

— No começo sim. Mas fico feliz que conseguiu tirar isso do peito. Ou pelo menos tá se encaminhando pra isso.

— Acho que tem razão quando fala sobre meu modo de encarar a realidade. Também sobre a maneira que me encaro nessa relação.

— Pensar sobre isso não é ruim, mas...

Vinícius completa as minhas reticências ainda preso a mim, a cabeça já mais acomodada ao meu ombro, e soa mais ponderado, o que significa que, por mais que tenha se deixado levar no seu momento insano, ele consegue ver que foi um momento insano.

Na verdade, ele vê algo além e eu também enquanto confessa seus temores pessoais.

— Pensar sobre terminar é, eu sei. Não só esse próprio pensamento, mas também cair nessa paranoia. E... eu não sei como que... só sei que... acontece muito mais do que eu gostaria. Acontecia até mesmo antes de a gente namorar. Todo o meu esforço se resumia à ideia, ao desejo até, de ser parte da sua vida. Uma parte significativa. Me dedicar a isso.

Forço-o a nos desprender um pouco só para nos encararmos melhor. Porque pode-se dizer que estou descrente com isso. Não num sentido de minimizar e dizer que pra mim era algo impossível, mas ter essa resposta enfim. Que é essa a resposta para muitos de seus comportamentos. Inúmeros deles.

Por um segundo, não consigo nem compreender como ele não via isso. Inclusive, chego a perguntar de fato isso, algo que desliza para fora sem querer, porém, assim que sai de minha boca, me vêm as sensações das loucuras que passamos juntos, de como variadas vezes estive nesse lugar insano e achei que poderia não ser aceita em minhas ideias. Ou compreendida, apoiada ou sequer amada... por me achar problemática demais.

Como quando escondi sobre a jogada com o hacker ou todo o meu destempero e desvario para esconder a história de Denise.

Em todas as vezes, Vinícius só me queria inteira e bem. Aberta até.

É o que também quero – dele e de mim.

— Acho que só não conseguia acreditar, não por completo. E eu queria, quero, muito, ser esse cara seguro pra você, ser confiável, ser alguém com quem contar, que possa se abrir... porque te amo e...

Sum 41 – With Me

De repente os sentidos se encontram cada vez mais. As vezes que ele tanto pedia para eu lhe contar o que eu tanto guardava, as vezes que ele instigava perguntas e mais perguntas sobre histórias do meu passado, as vezes que pedia para confiar nele, fora seus ciúmes. E então suas dificuldades de dar espaço. Me vêm várias imagens dele e de sua expressão dolorida depois de nossas brigas, sempre tentando se manter presente.

Como quando eu não quis olhar na cara dele por ter chamado a polícia para seu pai. Quando fugi dele ao descobrir que acobertou o Murilo. Quando me seguiu no carro de Filipe e quis tirar satisfações. Quando o Murilo tava com catapora no hospital e Filipe tinha sido espancado num assalto. Quando... fui invadida e não suportei ser vigiada ou pressionada.

— Por isso o senso de batalhar demais?

Ele apenas assente, apesar de hesitante, acho que temeroso de minha resposta. Que demora a vir e por isso acho que ele tenta preencher o vazio.

— Meio idiota, né?

— Não, é só que... explica muito, acho.

Respiro, meio desfocada, por estar vagando nessas lembranças todas.

E como uma bolha de sabão, essas lembranças espocam diante do movimento dele ao sofá para se ajustar mais a minha presença. Quase de supetão, volto ao ponto que tenho de lhe assegurar:

— Mas o fato é que não vou terminar.

Ao reter sua atenção de volta, continuo.

— Não sei o que será de nosso futuro, Vini, e, independente disso, eu só quero você. E quero que não fique preso a algo que... sabe-se lá. Quero que viva o aqui e o agora, e sem queimar o cérebro de preocupação por algo que disse, ou que eu falei, ou... sabe? É saudável discutir, mas não é saudável isso de... pensar que vou terminar.

Com essa, ele passa a mão ao rosto, agora mais desacreditado.

— Eu sei. É que às vezes... é tão involuntário que... parece mesmo que posso perder... outra pessoa.

Continuo firme no que digo.

— Eu sei que é complicado lidar com essas sensações... crenças até, barreiras e autodefesas, mas ninguém vai sumir de uma hora para outra. A não ser que apronte feio... E ainda assim você tem a chance de se redimir. Se redimir no sentido de refazer algo, retomar algo, não apenas perder. Porque... pode ganhar relações ainda melhores. E pra isso...Você precisa lutar contra essas ideias, Vini, ver que são estapafúrdias.

Ele assente e ao mesmo tempo meneia a cabeça com um balançar dela, confuso e depreciativo.

— Eu vejo, eu acho... Mas ao mesmo tempo... Eu não sei dizer. Não queria ser assim.

Me vejo um pouco nessa sua vulnerabilidade e isso também me dá uma luz. Sobre si e sobre mim. Invisto novamente em tocar-lhe ao ponto do coração sobre sua camisa.

— Talvez, Vini, uma ideia precise assentar aqui dentro.

— Qual?

— A ideia... de que você é aceito... querido e amado. Que faz parte, de verdade, de outras pessoas, nossas pessoas. Tão parte que elas sentem sua falta quando não aparece ou não pode comparecer. Perguntam e tudo mais, porque elas se preocupam. Te desejam o melhor. E saber que elas não têm planos de te deixar... E se houve vezes, não foi culpa sua, porque não foi por algo que você fez.

Acho que toco num ponto tão crucial que isso o abala de imediato. Vini mexe a cabeça com um leve e lento assentir enquanto comprime seus lábios e vejo seus olhos enxerem num segundo. Mesmo assim, sigo.

— Seu pai Gustavo teve um problema de saúde, não foi? E Filipe... Ele tinha outra cabeça. Mas depois voltou atrás. Por você. O seu avô também se meteu no meio. Por você. E eu... Sempre acabo me envolvendo junto. Por você.

Abraço seu rosto com ambas as mãos nessa última parte, mesmo com ele ainda mexendo a cabeça para anuir e admitir isso em seu peito. Continuo mais uma vez ao sentir que estou indo no caminho certo.

— Eu quero que saiba que não precisa fazer nada, nadinha, pra me impressionar. Nadinha mesmo. Porque, só por você respirar, eu quero ficar aqui. Só de te ver... feliz... já me faz f-feliz. E estar perto de v-você, Vini... Eu nem tenho palavras. Mas eu quero que saiba disso. Que se lembre disso quando... vier essa... sensação... Essa sensação irracional. Que você não precisa se preocupar, nem batalhar demais. Que eu também te amo.

A respiração entrecortada e as lágrimas descendo ao seu rosto é a sua resposta.

Para o finale, coloco a minha pitada especial de amor, carinho e alegria. Afinal, foi com esse jeitinho doido meu, num tropeço até, que tudo começou.

— E claro, a gente ainda vai brigar, como todo casal funcional. Mas também vamos sentar e conversar e rir, entende? Quero que seu coração sorria como o meu. E pode ter certeza que ele tá animado aqui com você. Preocupado e agitado também, mas realmente... Meu coração sorri pra você.

Isso quebra um pouco mais da impressão abafada de tensão ao nosso redor, a descontrair meu Vini, que funga e arrisca um riso ameno enquanto passa as costas da mão no rosto. Exatamente meu ponto.

No entanto, faltava um detalhezinho. Uma declaração valiosa.

— Eu te amo, Vini. Te amo mesmo com todas as paranoias. Te amo e quero ficar com você. E só te peço que me ame também, com essa cabeça doida que eu tenho. Me ame, me respeite e esteja comigo. Assim, deixe o campo de batalha, porque não existe guerra aqui.

Com um tanto de exaspero, Vinícius me beija e é aquele beijão que nos tira total dos eixos, no melhor sentido da expressão, profundo e intenso, quase a nos fundir, quase sem fôlego. Mas arranjamos algo no meio desse manifesto.

Arranjamos até risos apaixonados, empolgados, com mais traços leves e relaxados enfim. Poderia dizer que faltava Vinícius se desmantelar sobre mim, porém, a força de seus braços marca presença ao meu dorso, de modo que em algum tempo, os ânimos vão reencontrando seu equilíbrio e, com delicadeza, um beija ao outro onde encontrava pedaços desse enlace – ele a meu pescoço, eu a seu ombro.

— Obrigado por entender.

— Obrigada por me contar.

— Te amo, Lena.

— E eu te amo, Vini.

Ele me solta e diz, a vivacidade voltando aos poucos ao seu lindo rostinho, que fito com mais calma.

— Do tamanho do universo?

— Talvez até mais. Não conta pra minha mãe.

— Tá segura comigo. Mas nunca mais diz que você é uma péssima namorada. Ou uma pessoa horrorosa. Porque você não é.

— Prometo. E com esse título que tenho uma coisinha a mais pra fazer.

Vinícius, o meu Vinícius de volta, com sua expressão suavizada de volta, me solta um pouquinho mais só para saber do que se trata.

— Hora de cuidar desse pé machucado. E de outros machucados.